BLOG ORLANDO TAMBOSI
Invertemos a lógica do comportamento, havendo uma tendência para a opinião compulsiva, online, fomentada por algoritmos com grande capacidade de criação imediata de uma falsa sensação de empatia. Rodrigo Adão da Fonseca para o Observador:
Existe,
no comportamento humano, uma tendência das pessoas, bem estudada e
documentada, para não falar sobre questões políticas ou mais sensíveis
em público, no seio da família, ou junto dos amigos e colegas de
trabalho, quando acreditam que o seu próprio ponto de vista não é o mais
adequado ou o mais amplamente compartilhado. Essa tendência foi
batizada de “espiral do silêncio”, e ganha particular interesse numa
época em que o ambiente da opinião tem vindo a ser exponencialmente
ampliado para o universo digital e das redes sociais.
Nos
primórdios da internet e das redes sociais, muitos acreditavam que os
espaços digitais poderiam facilitar a emergência de lugares de discussão
com elevados níveis de pluralidade, diferentes o suficiente para que os
que têm visões minoritárias se sentissem mais livres para expressar as
suas opiniões, ampliando assim o debate público e adicionando novas
perspetivas à discussão quotidiana das questões políticas.
E
se não há dúvida de que temos hoje, com as redes sociais, uma
significativa fragmentação da opinião, a arrumação que se faz das
discussões não se traduziu em maior diversidade, mas numa balcanização
dos fóruns de discussão onde o que se valoriza não é a diferença, mas a
busca de espaços de validação das visões minoritárias, inter pares, que
deu lugar muito mais a mimetismos do que a um reforço da criação de
novas ideias.
O
que vários estudos sempre nos disseram é que, tanto nos ambientes
físicos como em rede, as pessoas estão mais predispostas a compartilhar
as suas opiniões se anteciparem que os seus interlocutores vão concordar
com elas, do que se houver risco de confrontação. O que ocorre é que
isso hoje é mais verdade do que nunca, levando a que as pessoas migrem
em muitos casos o seu processo de validação dos ambientes físicos para
as redes sociais. Tal poderá ser surpreendente para muitos leitores,
pois à superfície algumas redes sociais (sobretudo o Twitter e o
Facebook) estão recheadas de aparente agressividade. Mas essa
agressividade é apenas a face visível de todo um movimento silencioso
que apenas observa e busca validação. E é porque a maioria silenciosa
procura validação e não tanto confrontação que as redes sociais
evoluíram para que a recolha de feedback seja empático (simbolicamente
expresso na caça aos “likes”), precisamente para fomentar a criação de
um ambiente favorável que alimente a participação e diminua a sensação
de isolamento que é imanente a tecnologias despersonalizadas. Daí que a
generalidade das redes sociais i) viva à custa de utilizadores que, na
sua grande maioria, são meros “followers”, que se alimentam da adesão a
figuras de referência – “influencers”, figuras públicas ou líderes de
opinião – que agregam à sua volta os consensos de tribos de seguidores; e
ii) fomente a idolatria, pois são as figuras de referência as que
suportam o grosso do tráfego. Ao contrário daquilo que se possa pensar, a
maioria dos utilizadores das redes sociais tem uma produção de
conteúdos próprios nula ou baixa (por comparação com a sua navegação
silenciosa), limitando-se a observar, aderir por “likes” a correntes de
empatia, ou a partilhar conteúdos que consideram que lhes vão permitir
fazer parte de correntes de opinião onde se sentem confortáveis.
Ora,
nos últimos anos constata-se existirem mudanças drásticas nos padrões
de comportamento no momento de emitir opiniões online ou nos ambientes
“face-a-face”. Há uns anos os comportamentos mais compulsivos eram
sobretudo mantidos nos ambientes sociais físicos, sendo a leitura muito
mais reflexiva. Hoje, porém, invertemos a lógica do comportamento,
havendo uma tendência crescente para a opinião compulsiva, online,
fomentada por algoritmos com uma grande capacidade de criação imediata
de uma falsa sensação de empatia, expressa nos “likes” e no feedback
positivo, e que ignora todos os que em silêncio optam por discordar, e
uma diminuição significativa do debate nos ambientes físicos, onde uma
boa parte das pessoas, e crescentemente, tende a não emitir opiniões que
antecipem ser conflituantes.
A
captura do debate para os ambientes digitais, onde o contexto, o espaço
e os interlocutores são condicionados quer por algoritmos quer pelos
interesses comerciais dos donos das plataformas, deveria, a meu ver, ser
fator de preocupação de todos os que são a favor das democracias
liberais, plurais e diversas, comandadas por cidadãos autónomos e
livres.
Desde
longa data que as pessoas, quando decidem falar sobre um determinado
tema, contam com grupos de referência para validar a sua opinião.
Historicamente os eixos principais de validação nasciam das amizades e
dos laços comunitários, sendo a família, os amigos mais próximos, e as
mediações formais, os pilares que mereciam a principal camada de
confiança. Hoje, assistimos a uma tendência preocupante para que a
validação se afaste destes eixos tradicionais para as plataformas
digitais, em que o próximo está despersonalizado e esvaziado daquilo que
é uma construção humana integral (de tudo o que resulta de uma presença
corporal completa, como um sorriso, um olhar de sobranceria, ou de
todos os elementos inspiradores do espírito). A validação faz-se em
rede, ora em observação, ora em navegações erráticas e passivas, ora em
confrontação com personas digitais despersonalizadas que o algoritmo vai
arrumando até nos encaminhar para bolhas de empatia onde somos
protegidos do que nos é diferente. Neste trajeto, os laços familiares,
as fraternidades e amizades estão cada vez mais enfraquecidas e
esvaziadas, acomodando cada vez menos saudáveis discussões e debates
que, não há muito tempo, serviam como pilar essencial das nossas
comunidades.
Longe
de serem espaços de inovação, as redes sociais servem apenas para
anestesiar a maioria no medo e no receio da validação, intimidando os
que queiram ser mais controversos. O resultado dessa autocensura e
silenciamento é que cada vez temos menos ideias novas a serem testadas, e
o pensamento ao longo do tempo está cada vez mais enjaulado e contido.
Este tipo de construção encoraja a conformação e suprime a coragem de
ser diferente. Ou como dizia Kierkegaard, citado no artigo “The courage
to be diferent” publicado na revista New Philosopher (Dez22-Fev23) que
serviu de ponto de partida à presente crónica, “as pessoas exigem
liberdade de expressão como uma compensação pela liberdade de pensamento
que raramente usam”.
Postado há 10 hours ago por Orlando Tambosi
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