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É fácil perceber que o Estado brasileiro estaria, com essa ideia, assumindo o risco de conversibilidade para fomentar as trocas com um parceiro regional afundado em problemas econômicos e com grande risco de inadimplência. Reportagem de Rodrigo Oliveira para a Crusoé:
A
primeira viagem internacional do presidente Lula no ano levantou uma
polêmica antiga sobre a integração dos países sul-americanos: a criação
de uma moeda, agora comum, e, anteriormente, única. A ideia defendida
pelo brasileiro em artigo assinado no jornal Perfil em conjunto com o
presidente argentino Alberto Fernandez ressuscitou uma discussão que se
julgava esquecida. Ainda quando ministro da Economia do governo
Bolsonaro, Paulo Guedes, defendeu ideia ainda mais abrangente, de
criação de uma espécie de “euro” da América Latina. Agora, o ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, sob a tutela sempre atenta do presidente,
defende algo mais modesto: uma moeda comum — específica e limitada para
trocas comerciais entre os países que aderirem à novidade.
É
bem verdade que, até agora, o que se tem é a intenção de estudar o
assunto, mas com países vivendo situações tão distintas economicamente é
improvável que as normas necessárias para a concretização da ideia
consigam avançar na próxima legislatura do Congresso Nacional. A mudança
precisaria de um consenso razoável para permitir possíveis adequações
tributárias e fiscais entre os dois países. E o Legislativo brasileiro
tem contratado para este ano embates bastante complicados no que diz
respeito à economia, considerando-se somente a discussão sobre a reforma
tributária interna.
Além
disso, antes mesmo de ser uma proposta concreta, a simples menção à
possibilidade de uma moeda comum entre Brasil e Argentina já é motivo de
preocupação para economistas brasileiros. De acordo com o
secretário-executivo do ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, em
entrevista a uma emissora de televisão nesta semana, a iniciativa
objetiva dinamizar o comércio entre os vizinhos. “O que estamos tentando
fazer é superar o risco de conversibilidade do peso para o real, de
início, solicitando garantias para esse crédito para exportação
brasileira/importação argentina, posteriormente, pensando em sistemas de
compensação entre esse comércio (…) que precisa de uma unidade de conta
e de um meio de troca”, explicou.
E
o problema está justamente nesse risco de conversibilidade, que ocorre
quando um país não consegue trocar a moeda local por uma estrangeira. No
caso atual da Argentina, se refere à dificuldade em acessar dólares
para concluir transações comerciais internacionais. A moeda
compartilhada atenderia, portanto, a essa necessidade. Dessa forma, o
Brasil facilitaria as trocas entre os dois países e ampliaria o comércio
internacional. Mas será que vale a pena?
De
acordo com dados do governo federal, as exportações brasileiras para a
Argentina somaram US$ 15,35 bilhões em 2022 — praticamente 30% do
resultado do ano anterior. Além disso, o comércio com o vizinho
internacional é historicamente superavitário em favor do Brasil. No
entanto, isso representa apenas 4,5% do total de exportações
brasileiras, que ultrapassaram os US$ 334 bilhões no ano passado
Com
isso em mente, é fácil perceber que o Estado brasileiro estaria, então,
assumindo o risco de conversibilidade para fomentar as trocas com um
parceiro regional afundado em problemas econômicos e com grande risco de
inadimplência para ganhos possíveis pouco atraentes. “Iria um pouco
mais longe, parafraseando o Armínio (Fraga): o meu, o seu, o nosso
dinheiro está bancando o risco Argentina e sem cobrar por isso. Não é o
Estado: é o contribuinte”, alerta o economista e ex-diretor de assuntos
internacionais do Banco Central, Alexandre Schwartsman.
Para
ele, a criação de uma moeda comum entre os dois países é uma ideia que
faz pouco sentido do ponto de vista do exportador brasileiro. “(O
exportador) acabaria com uma moeda com demanda limitada (brasileiros
importadores da Argentina), restringida precisamente pela importação —
historicamente abaixo das exportações”, explica Schwartsman.
A
crítica é compartilhada pelo também economista e professor do Insper,
Roberto Dumas Damas, que destaca ainda a estratégia equivocada do
governo na discussão sobre o comércio internacional. “O problema do
Brasil agora não é o Mercosul. É o relacionamento com a China, que é
nosso maior parceiro; com a União Europeia, que é segundo maior; e com
os EUA, terceiro. A agenda está errada”, aponta Dumas.
Seja
como for, a criação da moeda única ainda terá de enfrentar obstáculos
importantes para avançar e se tornar uma realidade. Não só em âmbito
Legislativo nacional, mas também para tentar equalizar as diferenças
gritantes entre as economias dos dois países. “Tenho esperança que essas
dificuldades deem tempo para ambos os países evitarem mais este erro na
política econômica”, conclui Schwartsman.
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi
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