Marco Antonio Spinelli*
De alguns meses para cá tenho postado vídeos semanais no Reels do Instagram, algumas vezes com assuntos já abordados nessa coluna, outras vezes não. Um deles foi sobre o filme da Pixar, “Divertidamente”. Para quem não lembra, ou não viu, a animação se passa dentro da cabeça de uma menina de treze anos chamada Riley. Na sala de Controle e comando, os pensamentos da menina e suas atitudes são comandadas pelas Emoções Essenciais, ou Primárias: Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojo. A líder do grupo é a Alegria, sempre zelosa pela positividade da menina, que tem dois ótimos e divertidos pais, uma vida pacata e feliz em Minnesota, com amigas e destaque no time de Hockey da cidade. Tudo muda drasticamente quando sua família muda para a cidade grande (não fica claro, mas o motivo da mudança é um emprego novo de seu pai. Será foi tangido por um desemprego?). O fato é que a vida da menina fica de ponta-cabeça e sua mãe tenta manter tudo positivo. Dentro da Sala de Controle, a Alegria tenta controlar a Tristeza, uma figura pessimista que não está gostando de nada naquela mudança. Numa disputa pela Memória de Riley (que alegria quer a coleta de Memórias positivas, somente), Alegria e a baixinha rechonchuda Tristeza são sugadas para dentro do Cérebro de Riley. O filme será sobre o caminho de volta da Alegria e da Tristeza para a Sala de Comando e as confusões que ocorrem quando a cabeça da menina passa a ser comandada pela Raiva, o Medo e o Nojo (mais conhecido como o Cérebro de um Adolescente?).
Vou dar um spoiler do vídeo: Riley vai ficando cada vez pior durante o filme: briga com a amiga de Minnesota, não consegue jogar Hockey, se afasta de seus pais e não se adapta àquela cidade horrível. Quando Alegria e Tristeza voltam para a Sala de Controle, a chata controladora da Alegria percebe que a menina só vai elaborar o que está acontecendo através da Tristeza: numa cena muito bonita ela chora abraçada com seus pais, depois de reconhecer que sente muita saudade da sua casa, suas amigas e sua vida em Minnesota. Finalmente, ela pode chorar e dar passagem para a Tristeza que sentia. Só assim pode recuperar a sua Alegria.
O vídeo faz um paralelo entre a personagem Alegria e a Positividade Tóxica: tentar controlar as Emoções e ficar “Só Positivo” é o que causa todos os problemas. Precisamos da Tristeza e das outras Emoções “Negativas” para lidar com a instância mais complexa de nossa vida, que é a instância do Real. Nos dias de hoje, em que cada um está escolhendo sua Realidade e Narrativas particulares (uma deputada americana afirmou que os incêndios na Califórnia são causados por naves espaciais comandados por Judeus), poder distinguir o Falso e o Verdadeiro virou uma ginástica constante. Saber usar sua Intuição, os Sentidos e as Emoções são um assunto de sobrevivência. Porque não falta gente dizendo como você deve agir ou sentir.
Uma seguidora discordou do termo. Para ela, nenhuma Positividade é negativa, muito menos Tóxica. O engraçado é que o termo Positividade Tóxica foi cunhado por uma filha nova da família da Psicologia, que é a Psicologia Positiva. A Psicologia Positiva chama alguns tipos de Positividade de Tóxica. Dizia o poeta que é melhor ser alegre que ser triste, e tinha toda razão: uma atitude alegre diante da vida costuma trazer resultados muito melhores que o pessimismo e o desânimo. Mas outro poeta também disse que rir é bom, mas que rir de tudo é desespero. E também tinha razão: ser otimista de maneira irrealista também é o caminho da Negação e da Tragédia.
Positividade tóxica é a positividade que suprime os sentimentos verdadeiros e adequados à cada situação. O Medo não pode ser manejado pelo Pensamento Positivo, e a Tristeza não recua diante dos “vai dar tudo certo” que os otimistas saem falando a torto e a direito. Os budistas dizem que as emoções são como visitas que entram e saem de nossa sala e de nossa vida. Taxá-las como positivas ou negativas só aprofunda nosso desconforto. Talvez não sejam nem positivas nem negativas. São apenas humanas. Como humano é poder vivenciá-las.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
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