BLOG ORLANDO TAMBOSI
O economista Marcos Lisboa afirma que o Brasil tem problemas suficientes para resolver antes de socorrer vizinhos e alerta para uma forte crise sem austeridade fiscal. Entrevista a Fernando de Castro, da Oeste:
“Para
que serve uma moeda comum que ninguém aceita?” É assim que o economista
Marcos Lisboa responde a pergunta que dominou o noticiário nesta
semana, depois de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmar que o
país pretende instituir uma moeda comum com a Argentina, que vive um dos
piores momentos de sua história. “Na melhor das hipóteses, nada vai
acontecer. Na pior, o Brasil vai ceder dólares para a Argentina”, diz.
Lisboa
é um dos principais nomes do debate acadêmico sobre economia no país,
conhecido pelas análises acerca das razões do crescimento pífio, além de
ser crítico das políticas estatais de incentivos e do modelo caótico de
tributação brasileiro.
Presidente
do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e doutor em economia pela
Universidade da Pensilvânia, Lisboa vê com preocupação a volta da
expansão dos gastos públicos no governo Lula 3.
Leia os principais trechos da entrevista.
O
país saiu de um governo com discurso liberal, de privatizações, cortes
de gastos públicos e, agora, volta para um modelo estatizante. Qual a
avaliação do senhor sobre o horizonte econômico?
Tenho
uma visão um pouco diferente da maioria nesse tema. É importante
analisar os fatos e as evidências. Acho que são, do ponto de vista
programático, do que foi aprovado pelo Congresso, dois governos muito
parecidos. Basta analisar a pauta do que foi aprovado nos últimos dois
anos. Isso contou com apoio da esquerda e da direita de maneira
equivalente, numa agenda que envolve conceder benefícios, subsídios,
sanções e proteções para setores da economia. Isso aconteceu com
semicondutores, com proteções regionais, com o etanol e a própria
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apelidada de kamikaze (ampliou
benefícios no ano passado). Vejo muito mais continuidade nessa pauta de
distribuição de benefícios setoriais do que uma ruptura.
Mas há uma clara diferença nos posicionamentos econômicos de ambos os governos, não acha?
Sei
que os discursos são muito diferentes — em várias áreas, são
efetivamente muito diferentes. Mas, na prática, esquerda e direita têm
votado conjuntamente no Congresso, numa agenda que é essencialmente a
distribuição de proteções, sanções, subsídios setoriais. É uma agenda de
aproveitamento eleitoral que infelizmente domina o país. Hoje, Fundo
Eleitoral, Fundo Partidário, emendas parlamentares têm o apoio da
esquerda e da direita. Há muito barulho sugerindo divergência, mas
quando você olha na prática, a agenda econômica — não estou entrando em
outros temas — é parecida.
Qual
a sua avaliação sobre a ideia de uma moeda comum entre o Brasil e a
Argentina? Isso tem provocado muita preocupação em todos os setores
econômicos do Brasil.
É
uma perda de tempo. Na melhor das hipóteses, nada vai acontecer; na
pior, o Brasil vai ceder dólares para a Argentina. Fora isso, nada
acontece; quer dizer, vamos lá, você tem um comércio exterior, a
Argentina exporta para o Brasil, e o Brasil exporta para a Argentina. Se
o Brasil tem déficit, você paga em dólar, e se a Argentina tem déficit
ela paga em quê? Nessa moeda comum que ninguém aceita? Para que serve
uma moeda comum que ninguém aceita? A Argentina tem um problema de
inflação elevada, desequilíbrio nas contas públicas.
Isso poderia indicar que o Brasil está ajudando a Argentina a tentar “driblar” o dólar?
Isso
é uma piada de mau gosto. Quando você busca o comércio pelo mundo, você
vai tentar distribuir moedas que o mundo aceita, pode ser euro, pode
ser dólar, mas não uma moeda que só o Brasil e a Argentina aceitam. Essa
ideia é inacreditavelmente incompetente. A Argentina precisa de dólar?
Ela precisa da moeda norte-americana porque está tabelando dólar abaixo
do seu preço para tentar, de uma maneira espúria, segurar a inflação,
porque ela não consegue fazer o ajuste fiscal de que precisa, e a
inflação saiu de controle. Estamos propondo ajudar a Argentina, como se
não tivéssemos problemas suficientes.
Mas, em se concretizando essa ideia, isso prejudicaria o Brasil com outros países fortes, como os Estados Unidos?
Se
você cria uma moeda comum entre o Vietnã e a Tailândia, e daí? Não
serve para nada. O Brasil tem sempre esse discurso de que ‘a gente vai
fazer uma agenda alternativa contra o restante do mundo, vamos fazer
acordo com a Palestina, com o Irã, com a Turquia, com a Argentina’. A
gente insiste em ser um país pobre.
O economista Marcos Lisboa, dando aula no Insper
Em
2008, o Brasil fez uma aposta arriscada em fazer do Estado o indutor da
economia, por meio de investimentos enormes em meia dúzia de empresas
escolhidas, que passaram a ser chamadas de “campeãs nacionais”. De volta
ao poder, o PT já dá sinais de que voltará a negociar com essas mesmas
empresas, algumas implicadas na Lava Jato.
Isso
é uma história antiga no Brasil, é uma agenda ecumênica. Ela vem da
direita e da esquerda, quer dizer, foi a agenda do Juscelino Kubitschek
nos anos 1950 e do Ernesto Geisel nos anos 1970. Essa imagem de que
desenvolvimento vem com apoio do Estado ao investimento público e
privado é a agenda tradicional do Brasil e tem um apoio imenso da
sociedade. Veja o que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
(Fiesp) defende. Veja a agenda das organizações do setor privado. Todas
pedem subsídios públicos. Eu acho que a história dos ‘campeões
nacionais’ foi inventada depois, porque apoiaram muitas empresas que
quebraram. Como o governo não pode apoiar a empresa que quebra, ajudou
essas empresas a serem compradas por outras. Então teve empresas de
cana-de-açúcar que quebraram, produtoras de commodities, e aí o BNDES
financiou novas empresas, para comprar aquelas para quem ele tinha
emprestado. Vai dar errado de novo? Vai.
De
2010 a 2014, houve uma quantidade de subsídios gigantescos para a
indústria automobilística. Por que essa insistência em subsídios nunca
dá certo?
Houve
incentivo ao grupo automobilístico, sim, mas compare com os subsídios
ao desenvolvimento regional. Tem fracasso maior no Brasil do que a
Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste)? Foram 60 anos
de subsídios para montar fábricas, inclusive de automóveis, e nenhuma
para em pé quando se observa a distância da renda por habitantes no
Nordeste em relação ao Sudeste. Vamos reconhecer que a Sudene deu
errado? Vamos reconhecer que os incentivos deram errado? Vamos
reconhecer que a Zona Franca de Manaus fracassou? Só que a gente não
consegue reconhecer os fracassos. Porque o que deu errado é sempre o
outro, a culpa é sempre do outro.
Como
o senhor vê essa tentativa de corte de impostos para tentar, enfim,
alavancar a economia, a exemplo da extinção do IPI, sugerido pelo
ex-ministro Paulo Guedes?
A
reforma tributária não acontece porque o setor privado não quer.
Deveríamos fazer um IVA, que é o Imposto sobre Valor Adicionado, que é o
que o restante do mundo tem, um tributo muito simples. É um imposto
sobre consumo, você pega todas as notas fiscais do que vendeu, menos
todas as notas fiscais do que comprou, paga uma alíquota uniforme, que é
uma alíquota sobre todo o valor adicionado — ou seja, sobre o que você
gerou de valor.
O velho patrimonialismo explicado por Sérgio Buarque de Holanda ainda é muito forte.
Sim,
é o velho patrimonialismo brasileiro. A gente não consegue superar
problemas. Vamos lá: empresa ruim quebra! O Estado não tem de salvar
empresa que quebrou porque os donos são amigos do rei. Mas o Brasil
insiste em salvar a empresa que quebrou, em dar subsídio para
investimento regional que vira tudo, menos desenvolvimento.
O que falta para o Brasil se tornar uma plataforma interessante de negócios para o mundo?
Falta
muita coisa. A gente tem de querer de fato ter uma agenda de economia
de mercado eficiente. O custo de logística é gigantesco, não conseguimos
fazer investimento em infraestrutura, além do oportunismo do setor
privado, que conta com a anuência do setor público em rever concessões e
interferir em contratos. Nosso setor privado é fantástico… Adora o
mercado, desde que esteja tudo a favor; se há qualquer problema, corre
para uma recuperação judicial. Então o Brasil é um país caro, é muito
caro produzir aqui. A gente tem sempre a fantasia de que o outro paga a
conta. Acha que o trabalhador vai ser beneficiado por essa ou aquela
proteção, e que a empresa vai pagar a conta. Não! Quem paga a conta é o
trabalhador, quem paga o ‘Sistema S’ é o trabalhador.
Lula
já anunciou que o BNDES voltará a fornecer empréstimos para outros
países, prática que trouxe resultados terríveis. É mais uma ação
ideológica sem nenhum critério técnico?
Sempre
prefiro esperar para ver as medidas na prática, porque tem um hábito
brasileiro do governo falar para a militância. A gente viu isso no
governo anterior e vemos agora — uma série de frases de efeito. Mas fico
preocupado com essa ansiedade de uma certa militância, que vê a China
ou os Estados Unidos como o grande inimigo. É uma coisa meio juvenil.
Realmente espero que não aconteça, porque só vai dispersar os recursos
públicos.
Recentemente,
o senhor disse que o Brasil corre o risco de enfrentar uma crise
severa. O motivo seria a gastança e a aventura fiscal?
O
Brasil é um país complicado, porque, quando tem uma crise severa,
aparentemente a gente evita o precipício e faz algumas reformas. Isso
aconteceu no começo dos anos 1990, quando o Brasil abriu a economia e
cortou os subsídios fiscais, o que viabilizou o Plano Real. Algo
semelhante aconteceu recentemente com o governo Temer. O país estava
numa recessão complicadíssima, uma crise monumental, depois de muitos
erros na condução da política econômica, investimentos públicos
fracassados, subsídios que deram errado, recursos jogados ao mar. O
governo Temer fez um freio de arrumação. Houve corte de subsídios, foi
implementado o teto de gastos, a taxa de juros despencou, e o Brasil
saiu da recessão grave. O problema é que, na hora que as coisas começam a
ir bem no país, a gente incide nos velhos erros. Quando passou o
momento mais grave da pandemia, foram aprovadas 42 medidas distribuindo
subsídios e proteções. De novo, com o apoio da esquerda e da direita.
Aquele Brasil velho que sobrevive graças a subsídios públicos resulta em
um menor crescimento.
Num
artigo recente, o senhor escreveu: “A inflação anda a se reduzir no
Brasil o que deveria induzir uma queda nas taxas de juros, entretanto, o
aumento dos gastos públicos previstos no Orçamento e inflado pela PEC
da Transição pode inverter essa influência. Sem o freio de arrumação a
consequência será o maior endividamento do setor público em condições
adversas”. Qual seria agora o freio de arrumação?
Cortar
gastos, reduzir subsídios e benefícios e uma agenda de fato para
corrigir as distorções da atividade econômica. A abertura da economia
seria bem-vinda. Essa necessidade de estar conversando o tempo todo com a
militância, espero que não atrapalhe essa agenda, que é tão importante
para o país. No mais, não vejo a gente avançando, não enxergo abertura
comercial, não vejo a discussão sobre fortalecer as agências
reguladoras, fortalecer os mecanismos do Estado de freios e contrapesos.
Então, temo que a gente continue, infelizmente, neste país que anda
devagar.
Postado há 2 hours ago por Orlando Tambosi
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