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Uma iniciativa que vai celebrar várias efemérides convergentes, numa celebração Luso-Britânica, Europeísta e Atlantista, bem como do Livre Ocidente, ancorado em Atenas, Roma e Jerusalém — e no Mar. Artigo do professor João Carlos Espada para o Observador:
1 Vai
ter lugar no final desta semana (27-28 de Janeiro), na Madeira, uma
iniciativa designada por Conferência do Atlântico. No presente panorama
político nacional, não muito fértil em debates políticos de fundo,
talvez me seja permitido dizer aqui algumas palavras sobre uma
iniciativa que o tribalismo das redes sociais poderá considerar
incompreensível (ou, talvez, elitista).
Trata-se de uma iniciativa que vai celebrar várias efemérides surpreendentemente convergentes.
2
Em primeiro lugar, certamente, celebrará a visita de Winston Churchill à
Madeira, em Janeiro de 1950 — quando ficou hospedado com sua mulher,
Clementine, no Reid’s Hotel, onde ainda hoje perdura a “Churchill
suite”. Foi durante essa visita que Churchill foi ao município de Câmara
de Lobos, para pintar imagens da Baía onde agora se encontra o
Churchill’s Bay Hotel, e onde a Conferência do Atlântico terá lugar.
O
anfitrião da Conferência — Miguel Albuquerque, presidente do Governo
Regional da Madeira — publicou em 2018 um livro notável sobre essa
visita de Churchill (Churchill na/in Madeira, Edição bilingue, Aletheia
Editores, 2018). Recordou ele que Churchill era então apenas o líder da
Leal Oposição Conservadora ao Governo Trabalhista de Clement Attlee, que
tinha sido seu vice primeiro-ministro no Governo de coligação nacional —
que Churchill liderara durante a II Guerra, entre 1940 e 1945.
E
realmente tinha acontecido que Churchill, tendo liderado a vitória
britânica sobre o nazismo em 8 Maio de 1945, perdera logo a seguir as
eleições parlamentares britânicas de 5 de Julho desse mesmo ano, a favor
do líder trabalhista Clement Attlee. Mas, como Miguel Albuquerque
recorda no seu livro, foi como líder do Mundo Livre que o povo da
Madeira recebeu entusiasticamente, em Janeiro de 1950, o então apenas
líder da Leal Oposição, Winston Churchill.
3 Permito-me
uma nota pessoal para recordar que ao aristocrata e conservador-liberal
Winston Churchill — ao contrário do que fizeram recentemente alguns
carroceiros revolucionários em Washington e Brasília — nunca lhe ocorreu
contestar os resultados das eleições livres na livre democracia
britânica, que ele dedicara a sua vida a defender.
4 Mas
o título da conferência na Madeira — Conferência do Atlântico — remete
para outro evento em que Churchill também foi protagonista, quase 10
anos antes da sua visita à Madeira. Tratou-se da primeira Conferência do
Atlântico, em Agosto de 1941, quando Churchill se encontrou com o
Presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt no Mar de Placentia
Bay, ao largo de Newfoundland.
A
Europa continental estava nessa altura sob a dominação militar nazi
(com excepção da neutral democrática Suíça, e do neutral anglófilo
Portugal que, por enfática solicitação de Churchill, tinha conseguido
impor a neutralidade à germanófila Espanha). No Reino Unido, o
primeiro-ministro britânico Winston Churchill prometia no Parlamento
“sangue, suor e lágrimas” na defesa da democracia. Por contraste, na
América, antes da invasão de Pearl Harbour pelo Japão, em Dezembro de
1941, fortes movimentos isolacionistas recusavam o envolvimento numa
guerra que era então entendida por muitos como exclusivamente europeia e
alheia à América.
Ainda
assim, o Presidente Roosevelt decidiu corajosamente encontrar-se com o
primeiro-ministro britânico Winston Churchill, em Agosto de 1941, e com
ele subscreveu a Carta do Atlântico — naquela que ficou conhecida como a
primeira Conferência do Atlântico.
5
Nessa Carta do Atlântico ficaram solenemente inscritos os princípios
que viriam a presidir, após a vitória aliada sobre o nazismo, à criação
das Nações Unidas, em 1945, da NATO, em 1949, e da futura União
Europeia, inicialmente Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 1951.
6Aqueles
princípios viriam a ser recordados e desenvolvidos por Churchill na
Conferência de Fulton, no Missouri, a 5 de Março de 1946, com a presença
do Presidente Truman. Foi nesse discurso em Fulton que Churchill
denunciou a “Cortina de Ferro” que a ditadura comunista-czarista
soviética estava a impor sobre a Europa central e oriental. E foi contra
essa “Cortina de Ferro” que Churchill apelou à aliança das democracias
ocidentais, apoiada na “relação especial anglo-americana”.
7
Nesse discurso, aliás, Churchill citou a aliança com Portugal — como
exemplo de alianças defensivas que não ameaçavam, antes reforçavam, uma
ordem mundial apostada na Paz:
“Nós
temos uma aliança com Portugal — nunca quebrada desde 1384 — que aliás
produziu frutíferos resultados em momentos críticos durante a guerra
recente.”
Esta
velha aliança anglo-portuguesa, prosseguiu Churchill, devia inspirar as
urgentes alianças defensivas entre as democracias liberais, no respeito
pela Carta das Nações Unidas e em defesa da democracia e da Paz. (Estas
alianças viriam a concretizar-se, como referi acima, na criação da
NATO, em 1949, e na criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço,
em 1951).
8 A
Conferência do Atlântico na Madeira celebra também essa mesma Aliança
Luso-Britânica citada por Churchill em Fulton. Trata-se curiosamente de
uma Aliança ainda mais antiga do que Churchill referiu: antes do Tratado
de Windsor, que Churchill atribuiu a 1384 (dizem-me que foi em 1386),
houve o Tratado de Tagilde, Braga, de 1372, consagrado no ano seguinte,
na St. Paul’s Cathedral, no Tratado de Londres, a 16 de Junho de 1373.
Trata-se da mais antiga aliança do mundo ainda em vigor, que este ano
celebra 650 anos, — e de uma aliança que define Portugal e o Reino Unido
simultaneamente como nações europeias e atlânticas.
9 Em
suma, a Conferência do Atlântico na Madeira poderá consistir numa
celebração Luso-Britânica, Europeísta e Atlantista. Numa palavra, uma
celebração Ocidental, no sentido mais lato e nobre do termo: no sentido
do Mundo Livre que nasceu e cresceu a partir do diálogo plural entre
Atenas, Roma e Jerusalém.
10
No centro desta civilização está o Mar. Como recordou enfaticamente
Karl Popper, a propósito da emergência da Sociedade Aberta na marítima
Atenas do século V a.C. e do seu contraste com o autoritarismo
colectivista da continental Esparta:
“Talvez
a mais poderosa causa do colapso da sociedade fechada tenha sido o
desenvolvimento das comunicações marítimas e do comércio. O contacto
estreito com outras tribos desafia o sentimento de necessidade com que
as instituições tribais são percepcionadas; e a troca, a iniciativa
comercial e a independência podem afirmar-se, mesmo numa sociedade em
que o tribalismo ainda prevalece. […] Por esta razão, nós verificamos
que, durante mais de um século, o império, a frota, o porto [do Pireu] e
as muralhas foram odiados pelos partidos oligárquicos de Atenas e foram
considerados símbolos da democracia e da sua força, que aqueles
partidos queriam um dia destruir.” (Karl Popper, The Open Society and
Its Enemies, Routledge 1945, citado a partir da 5ª edição, 1966, p.
177).
11 Durante
séculos, esta dimensão marítima da civilização europeia esteve centrada
no Mediterrâneo. Mas uma nova era marítima seria inaugurada pelos
Portugueses, como sublinhou Daniel Boorstin, o célebre historiador
norte-americano que dirigiu a Biblioteca do Congresso em Washington:
“A
nova era marítima, inaugurada pelos Portugueses, levou o comércio e a
civilização da costa de um corpo finito, o Mediterrâneo fechado, o
“mar-no-meio-da-terra”, para a costa do Atlântico aberto e dos oceanos
sem fronteiras no Mundo.” (Daniel Boorstin, Os Descobridores, Gradiva,
1998, p. 153).
Também
o distinto professor de Harvard, Samuel P. Huntington, enfatizou o
papel de Portugal na descoberta do mar aberto — “the open sea”, como
Winston Churchill não se cansava de repetir. Recordo as palavras de
Samuel Huntington, quando visitou Lisboa em 1996, a convite do
Presidente Mário Soares, para inaugurar o ciclo de conferências “A
Invenção Democrática”:
“Há
quinhentos anos, um pequeno grupo de líderes e pensadores portugueses —
incluindo o Infante D. Henrique, O Navegador, o rei D. João II,
Bartolomeu Dias e Vasco da Gama, para citar apenas alguns — agindo com
coragem, determinação e imaginação, inaugurou uma nova fase da história
da humanidade: a era das Descobertas. Deram o exemplo a Espanha, França,
Reino Unido e Holanda.” [Samuel P. Huntington, “The Future of the Third
Wave” in Marc F. Plattner and João Carlos Espada (eds.), The Democratic
Invention, The Johns Hopkins University Press, 2000, p. 3].
Postado há 1 hour ago por Orlando Tambosi

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