O terreno está coalhado de armadilhas, e o momento exige responsabilidade por parte de todos os envolvidos. Não é com gasolina que se apagam incêndios. Talvez seja hora de puxar o freio de mão, não de pisar no acelerador. Vale para todo mundo. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:
Dei
tratos à bola para identificar o autor do texto abaixo. Chegou até mim
como sendo de um pensador que aprecio muito, mas, como não consegui
checar a informação nem localizei a postagem nas redes sociais, segue
sem autoria mesmo. Seja quem for o autor, é um texto que merece
reflexão.
“(...)
adianto apenas uma pequena explicação. É com relação a Lula e seu
governo. É óbvio que quero golpistas na cadeia (os militantes, seus
mentores, seus financiadores, seus cúmplices). Mas alerto que não
devemos ceder à chantagem política que foi armada. A defesa
intransigente da democracia não implica defesa intransigente do governo
de Lula.
“O
PT agora está querendo fundir definitivamente democracia e lulopetismo,
como se fossem a mesma coisa. Não são. Uma coisa é a democracia e outra
é a administração lulista, claro. Mas a jogada é querer nos impor a
visão contrária, de que ambos são a mesmíssima coisa. O PT e seus
aliados não detêm o monopólio da democracia - e muitas vezes até muito
pelo contrário, que o autoritarismo petista é histórico, público e
notório.
“Logo,
meu aviso. Vou continuar na defesa intransigente da democracia. Mas não
aceito a chantagem: sempre que flagrar derrapadas, equívocos ou jogadas
ditatoriais dissimuladas, nos gestos e ações do governo lulista, vou
continuar batendo na mesa, protestando.”
Concorde-se
ou não com seu teor, esse pequeno texto tem o mérito de alertar para a
armadilha do pensamento binário que contaminou a sociedade brasileira.
Vale para todo mundo: para a direita que achincalha qualquer um à
esquerda de Bolsonaro e para a esquerda que persegue qualquer um à
direita de Lula.
Por
óbvio, criticar o governo atual não implica defender golpismo. Criticar
o governo passado tampouco implicava apoiar o PT. Afirmar o contrário é
apenas um truque - no qual, infelizmente, muita gente caiu. Porque, se
um grupo detém o monopólio da democracia, se a democracia só existe
quando este grupo está no poder, de democracia já não se trata.
Boa
parte dos petistas e bolsonaristas mantém com a figura de seu líder uma
relação messiânica, mais baseada nas emoções que na razão, mais nos
instintos que nos fatos. As narrativas dos dois grupos se
retroalimentam, inviabilizando qualquer debate baseado em argumentos e
no exame equilibrado dos fatos.
Eis
aqui outra armadilha, a da radicalização, que faz enxergar no diferente
um inimigo a esfolar e abater. A radicalização nunca é democrática - e
costuma levar a decisões estúpidas.
Ora,
é evidente que qualquer golpismo, de direita ou esquerda, deve ser
repudiado, mas, por definição, democracia implica a convivência de
diferentes lados. Democracia de um lado só não é democracia. Qualquer
sistema em que apenas um lado tem voz e direito à existência está muito
longe de ser democrático.
Dois
erros não fazem um acerto. Golpismo não se resolve com surtos
autoritários, e não se defende a democracia atacando a liberdade de
expressão.
Por
outro lado, o prolongamento da polarização raivosa da campanha
eleitoral tende hoje a beneficiar mais o governo que a oposição. Porque,
enquanto persistir o clima de terceiro turno, será muito mais fácil
desviar a atenção dos problemas reais do país – problemas que tendem a
se tornar urgentes, ainda mais em um cenário de crise econômica
internacional.
Mas
esticar demais a corda também pode ser uma armadilha para a situação.
Porque, por paradoxal que pareça, seria ruim para o governo Lula que
Bolsonaro saísse muito rapidamente da cena política.
Pensando
estrategicamente, torná-lo inelegível ou mesmo mandar prendê-lo pode
não ser o melhor caminho para a esquerda, além de envolver alguns riscos
- inclusive o risco de alimentar ainda mais o antipetismo, que não vai
desaparecer.
Pode
trazer mais dividendos mantê-lo como um espantalho ao longo de quatro
anos, para sustentar a narrativa de palanque: “Olhem, a ameaça do
fascismo continua, precisamos continuar unidos em torno da defesa da
democracia!”.
(O
problema é que, como sugere o texto citado, defesa incondicional da
democracia e defesa incondicional do governo deveriam ser coisas muito
diferentes. Nada de bom pode vir da confusão entre as duas, como a
história já demonstrou em diversos momentos.)
Ora,
sem a presença de uma ameaça para usar como pretexto e justificativa
para manter a sociedade polarizada (e a frente ampla unida contra o
adversário comum), outros temas poderiam passar para o primeiro plano.
Por
exemplo, o debate sobre a economia. Ou o debate sobre a liberdade de
expressão. Ou o debate sobre a independência e os limites dos três
poderes. Aliás, três debates extremamente necessários no momento atual.
Fato
é que, em inícios de governo, o clima costuma ser de distensão e
trégua. Não foi isso que se viu nas três primeiras semanas de janeiro,
ao contrário: a temperatura continua alta, como novos focos de tensão
surgindo a todo momento - junto aos aliados, junto ao mercado, junto ao
Banco Central e, o que é particularmente delicado, junto às Forças
Armadas. Isso sem falar nas evidentes disputas internas no PT por mais
poder. Este clima não é bom para ninguém.
Alguma
hora os lamentáveis acontecimentos de 8 de janeiro vão se esgotar, como
assunto. E o próprio presidente já afirmou ser contra a instalação de
uma CPI, intuindo talvez que uma agenda positiva será fundamental para
preservar o apoio, já claudicante, daquela parcela do eleitorado que
votou nele não por convicção, mas por aversão a Bolsonaro.
Até
porque a temperatura pode aumentar ainda mais com a retomada das
atividades do Congresso, a depender do resultado da eleição dos
presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado.
Por
favoritos que sejam Arthur Lira e Rodrigo Pacheco à reeleição, há nas
duas casas um clima de insatisfação, entre os aliados, com a
distribuição de cargos e com o próprio processo de esvaziamento do Poder
Legislativo.
E
o toma-lá-dá-cá tende a ser mais duro em um ambiente político e
econômico conturbado. Particularmente no Senado, uma derrota seria
potencialmente desastrosa para o governo.
Em
suma, pelas incertezas, pelo nervosismo generalizado e pela apreensão
em relação à economia, o clima está mais parecido com o início do
segundo mandato de Dilma, em 2015, do que com o início dos dois
primeiros mandatos de Lula, em 2003 e 2007.
O
terreno está coalhado de armadilhas, e o momento exige responsabilidade
por parte de todos os envolvidos. Não é com gasolina que se apagam
incêndios. Talvez seja hora de puxar o freio de mão, não de pisar no
acelerador. Vale para todo mundo.
Postado há 2 hours ago por Orlando Tambosi

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