"A
fome é inconstitucional, pois decorre de um direito não atendido, e a
tributação dos super-ricos é a forma constitucional mais direta para
enfrentar esta tragédia social. Além, é claro, da implementação de
políticas de desenvolvimento sustentável e distributivo."
Dão Real Pereira dos Santos
Presidente do Instituto Justiça Fiscal
O
problema é a fome, não os números. A repercussão sobre a fala da
ministra Marina Silva no Fórum Econômico de Davos é um exemplo de como
se pode tirar o foco daquilo que é o essencial. Ela disse que cerca de
metade da população brasileira estaria em situação de fome, e estava,
obviamente, se referindo à insegurança alimentar e não à fome
especificamente, mas foi duramente atacada por setores da mídia
tradicional.
Podemos
divergir em relação aos números ou às metodologias de cálculo, mas não
há dúvida de que o Brasil voltou ao mapa mundial da fome e isso não pode
ser naturalizado ou minimizado.
As
imagens chocantes do povo Yanomami, literalmente abandonado para morrer
de fome, de doenças e de contaminação por mercúrio, expropriado das
suas terras e das condições mínimas de subsistência, numa estratégia
deliberada de extermínio humano em favor dos interesses de mercado,
dizem muito mais sobre a fome do que os relatórios, os números ou os
discursos, com a ressalva de que, nesse quadro vergonhoso e desumano,
com quase 600 crianças mortas, a fome, para além de ser reflexo da
inação do Estado, se converteu em arma poderosa de destruição.
A fome realmente aumentou nos últimos anos, mas há quem insista em reduzir o problema a uma questão metodológica.
Para
os velhos defensores do Estado mínimo, os direitos negados constituem
necessidades humanas não atendidas, que podem se transformar em ganhos
para o mercado, e essa é uma das razões pelas quais defendem
insistentemente a redução e a precarização das políticas públicas. Mas
não vivemos num Estado mínimo. Independentemente das crenças,
preferências ou ideologias de cada um, o Brasil está constituído como um
Estado social e, neste País, a fome, além de ser desumana, é claramente
inconstitucional.
A
Constituição Federal, de 1988, é taxativa ao determinar que a
alimentação é um direito social, assim como a saúde, a educação, a
moradia, a renda básica, a previdência, entre outros. Logo, precisa ser
garantida a todos, independente de terem ou não condições de pagar por
isso, e ,se houvesse hierarquia entre os direitos, a manutenção da vida
deveria, sem dúvida, preceder aos demais. Negar acesso aos direitos, em
algumas situações, é uma arma que serve para matar, e os Yanomami são a
prova, ainda viva, disso.
Mas
não é necessário referir os Yanomami, de Roraima. Basta andar pelas
ruas das grandes cidades para perceber o aumento significativo na
quantidade de pessoas pedindo comida nas esquinas ou disputando os
restos nas portas dos bares e restaurantes, e até mesmo nas lixeiras e
lixões.
Segundo
o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, o Brasil teria, em
2022, 58,7% da população em situação de insegurança alimentar e 33,1
milhões de pessoas já estariam em situação de fome. Para contestar a
fala da ministra utilizaram o recente estudo da ONU, que aponta números
mais modestos de incidência de fome no Brasil, cerca de nove milhões.
A
situação de insegurança alimentar grave, em que muitos brasileiros se
encontram, é muito mais relevante do que a precisão em relação aos
números, até porque, é absolutamente inconcebível que haja fome num país
onde o “agro é pop” e que se vangloria de ser um dos maiores
exportadores de alimentos do mundo. Poderia haver fome no “celeiro do
mundo”?
Assim
como a saúde e a educação, os alimentos também podem ser comprados ou
vendidos como mercadorias. No entanto, por constituírem direitos
sociais, ninguém poderia ser privado dos alimentos, da saúde, nem da
educação por falta de condições financeiras. Vale também para os demais
direitos sociais e é isso que faz do Brasil um Estado de bem-estar
social, como determina nossa Constituição Federal, onde os direitos são
universais e devem ser financiados coletivamente: “de cada qual, segundo
sua capacidade, a cada qual, segundo suas necessidades”.
Na
escassez, natural ou provocada, de recursos públicos, os defensores do
equilíbrio fiscal a qualquer custo não titubeiam em promover cortes dos
gastos, mesmo aqueles que são essenciais para a vida, em flagrante
descumprimento da Constituição Federal, mas esses mesmos, por outro
lado, não aceitam, nem em nome do equilíbrio fiscal, medidas ampliem a
arrecadação aumentando tributos sobre os setores mais ricos da
sociedade.
Portanto,
se a disponibilidade e a suficiência de recursos públicos, para a plena
garantia dos direitos sociais, são necessárias, não é possível
continuar aceitando a manutenção dos privilégios fiscais para os setores
mais ricos da sociedade, na forma de renúncias, nas facilidades para
sonegar tributos ou mesmo na forma de subtributação das altas rendas e
grandes patrimônios.
A
fome é inconstitucional, pois decorre de um direito não atendido, e a
tributação dos super-ricos é a forma constitucional mais direta para
enfrentar esta tragédia social. Além, é claro, da implementação de
políticas de desenvolvimento sustentável e distributivo.
Dão Real Pereira dos Santos
Presidente do Instituto Justiça Fiscal e coordenador da campanha Tributar os Super-Ricos
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