Para a economista Deirdre McCloskey, que foi professora em Chicago, o liberalismo, no Brasil, é confundido com violência e visão reacionária. Entrevista ao Estadão:
Defensora
do liberalismo e professora na Universidade de Chicago entre 1968 e
1980 – época em que o ministro brasileiro da Economia, Paulo Guedes,
passou por lá –, a economista Deirdre McCloskey afirma que o governo de
Jair Bolsonaro é “qualquer coisa menos liberal”, pois, para ela, não é
possível separar as questões econômicas das sociais. “A ideia principal
do liberalismo é que não haja hierarquias: homem sobre mulher,
heterossexuais sobre gays ou Estado sobre indivíduos”, disse Deirdre,
que estará em São Paulo na próxima quarta-feira,29, para um evento do
banco Credit Suisse.
Em
uma época marcada por polarizações, a economista ganhou destaque no
debate econômico mundial por criticar aspectos tanto da direita quanto
da esquerda.
A
economista, que hoje é professora da Universidade de Illinois em
Chicago, vê com descrédito a possibilidade de Guedes conseguir
transformar a economia brasileira em liberal e não se mostra satisfeita
com os rumos do governo brasileiro. “Um ministro da Economia não faz
tudo funcionar, é preciso ter outras políticas por trás. (...) Bolsonaro
pode ser capturado pelos interesses, especialmente dos mais ricos.” A
seguir, os principais trechos da entrevista.
A
sra. já disse que o liberalismo é incompatível com violência e divisões
na sociedade por gênero ou raça. Considerando isso, acha que o governo
Bolsonaro é liberal?
Não.
No meu país e no seu, há uma grande confusão sobre liberalismo. Nos
EUA, significa uma versão suave de socialismo. Na América Latina,
principalmente no Brasil, significa reacionário e violento. Os governos
de Trump e Bolsonaro são qualquer coisa menos liberais. A palavra
liberalismo vem do latim, ‘liber’, o que significa não-escravo. No resto
do mundo, as pessoas sabem o que liberal significa. O presidente Emmanuel Macron,
na França, é um liberal. A ideia principal do liberalismo é que não
haja hierarquias: homem sobre mulher, heterossexuais sobre gays ou
Estado sobre indivíduos.
Não podemos separar o econômico do social? O governo brasileiro se diz liberal na economia e conservador nos costumes.
Acho
que não. Claro, pessoas como Bolsonaro dizem que sim. Acham que pode
haver livre mercado na economia, ainda que haja um fascismo contra gays,
por exemplo. Não concordo com isso. Para mim, assim como era para Adam
Smith e John Stuart Mill, liberdade é liberdade.
A plataforma econômica do governo tem apoio do mercado...
O
apoio do mundo dos negócios não é ao liberalismo. O apoio do que na
América Latina vocês chamam de governos liberais vem porque os
empresários querem o monopólio. Na Itália, os fascistas eram donos das
indústrias e os empresários amavam Mussolini. Isso porque o Estado os
ajudava. Isso é fascismo. Outra palavra para isso é corporativismo. As
corporações parecem controlar o governo e o usam em benefício próprio.
Em um mercado livre, as corporações têm de competir, o que é bom para
você e para mim. Mas não é bom para nós quando há tarifas de importação,
subsídios ou políticas para inovação. Não importa se as políticas são
de direita ou de esquerda. Qualquer privilégio para um grupo machuca as
pessoas comuns. É por isso que o Brasil tem crescimento econômico lento.
Acha que podemos comparar a Itália fascista com o Brasil atual?
Sim,
mas não estou falando algo apenas sobre o Brasil. Há um movimento
populista e fascista global. Você o vê na Hungria, na Polônia, nas
Filipinas, na Rússia e nos EUA.
Há
uma discussão corrente no Brasil sobre a relação entre crescimento e
democracia, de que, caso a economia se recupere, questões como liberdade
de imprensa e homofobia se tornam menores para muitas pessoas...
Isso
é certamente correto. É o caso da China. A economia chinesa vai bem e
acho que, se houvesse eleições de verdade lá, o partido comunista
venceria. As pessoas estão dispostas a sacrificar a liberdade de
imprensa e de expressão e tribunais honestos se seus bolsos estiverem
cheios.
Vê alguma forma de mudar isso?
Tentando
persuadir as pessoas de que liberdade é melhor. Se você oprime gays ou
mulheres, também será pobre, porque, no mundo moderno, o liberalismo
funciona. Ele faz as pessoas mais ricas e livres ao mesmo tempo.
Falando estritamente de economia, o Brasil está indo na direção correta?
Não
sou especialista em Brasil, mas peguemos o exemplo da Amazônia. Não é
do interesse dos brasileiros que as plantas da Amazônia sejam usadas sem
nenhum direito de propriedade. Isso é entregar a Amazônia a empresas
madeireiras privadas sem fazê-las pagar nada. É uma ideia muito ruim.
Bolsonaro já cortou impostos?
Não.
A
mesma coisa com Trump, que elevou impostos para beneficiar indústrias
específicas, como a de painéis de energia solar. Eu esperaria que
Bolsonaro fizesse algo parecido. Posso estar errada, mas acho que ele
pode ser capturado pelos interesses, especialmente dos mais ricos. E eu
não sou contra ricos, não quero atacá-los. Mas os donos das empresas
precisam competir uns com os outros e com os estrangeiros também, e
vice-versa. O Brasil faz bem aviões, os quais vende em todo o mundo.
Mas, nos EUA, a Boeing é protegida pelos EUA, contra o Brasil. Isso é
uma loucura. Deveríamos ser capazes de comprar aviões em qualquer parte
do mundo.
A situação fiscal do Brasil é delicada. Acha que mesmo assim deveria haver redução?
Impostos
são fonte de receita para governos e tornam a economia menos eficiente.
Eles impedem a competição. (Para reduzir impostos no Brasil) seria
melhor cortar o investimento nas forças armadas, o que Bolsonaro
obviamente não fará.
O ministro Paulo Guedes foi seu aluno em Chicago? Ele defende uma postura liberal em relação ao comércio...
Se
ele esteve lá nos anos 70, quase certeza que foi meu aluno. As turmas
eram grandes, mas acho que me lembro desse nome. Se ele está fazendo o
que aprendeu em Chicago, está colocando a economia na direção correta.
Mas um ministro da Economia não faz tudo funcionar. É preciso ter outras
políticas por trás.
A
sra. sempre afirma que o problema das sociedades não é a desigualdade,
mas a pobreza. O liberalismo é suficiente para reduzir a pobreza?
Políticas para ajudar pessoas a saírem da extrema pobreza são
desnecessárias?
Sou
a favor dessas políticas. O governo deve taxar pessoas como você e eu
para pagar educação fundamental e talvez educação secundária. Não acho
que deva pagar por universidades. Também devemos ser taxadas para pagar o
Bolsa Família. E é isso. Mas também tem de haver políticas liberais que
quebrem monopólios. Vamos pegar o exemplo dos sistemas de saúde: o
problema que temos nos EUA é que a indústria é monopolista. Os preços de
medicamentos são extremamente altos e ainda tem uma lei que proíbe os
cidadãos americanos de comprarem remédios no Canadá ou no México. É uma
loucura. É uma proteção especial para os donos das empresas de remédios.
Como liberal e mulher transexual, acha que políticas de igualdade de gênero ou de raça devem ser adotadas?
Não,
elas transformam transgêneros ou gays ou negros em crianças. Vamos
pegar um exemplo concreto de transgêneros: quem deve pagar pela operação
de mudança de sexo? O Estado ou o indivíduo? Pra mim, deve ser o
indivíduo. As operações de mudança de sexo não são tão caras. Custam
quase o mesmo que um carro pequeno. O problema de o Estado assumindo
coisas é que você pode se tornar um escravo do Estado. Se você tem uma
pessoa legal no comando do Estado, como o Barack Obama, tudo está bem.
Mas, se você tem pessoas desagradáveis e loucas, como Bolsonaro ou
Trump, as mesmas regras – os mesmos subsídios, as mesmas proteções que
ajudam as pessoas transexuais – podem se virar instantaneamente contra
elas. O Trump, por exemplo, para satisfazer suas bases, tirou os
transgêneros das Forças Armadas. Eu quero tirar o Estado grande do que é
da minha e da sua conta. Quero que as pessoas convençam uns aos outros
com trocas monetárias: eu ofereço meu trabalho para você, você me dá
dinheiro em troca e eu compro coisas. É assim que os pobres melhoraram
de vida nos últimos dois séculos, não é através da ação do Estado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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