MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

A campanha da sujeira

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI


A deputada Carla Zambelli levou o réu Walter Delgatti para o Palácio do Planalto. Imagine-se o que vem por aí. Claudio Dantas para a Crusoé:


Na quarta-feira, 10, a deputada Carla Zambelli visitou Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Levou a tiracolo Walter Delgatti, o Vermelho, réu na Justiça Federal por invadir celulares de juízes, ministros, procuradores e muitos outros personagens públicos. Depois que o encontro do hacker com o presidente veio à tona, Zambelli publicou no Twitter uma foto com Delgatti, apontado por ela como “o homem que hackeou 200 autoridades”. “Muita gente deve realmente ficar de cabelo em pé (os que têm) depois desse encontro fortuito. Em breve novidades”, escreveu ela. Enquanto isso, a assessoria de Bolsonaro frisava, em contatos informais com a imprensa, que ele havia sido “pego de surpresa” e que recusara qualquer serviço do hacker – além de passar uma bronca em Zambelli. Mas tudo de maneira extra-oficial, sem qualquer reprimenda pública – sugerindo que, no lugar da surpresa e da bronca, pode ter havido anuência por parte de Bolsonaro.

O episódio indica o que se deve esperar da campanha eleitoral que começa oficialmente na próxima terça-feira, 16. Apesar de todas as advertências feitas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nos últimos meses, de que não pretende tolerar o jogo sujo na internet, nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens, é ilusão imaginar que não haverá artilharia pesada. E não apenas do lado bolsonarista, é claro. A esquerda também se armou para a guerra. Nas últimas semanas, por exemplo, os assessores da candidata emedebista Simone Tebet perceberam que influenciadores muito conhecidos postaram críticas contra ela de maneira coordenada. Todos são apoiadores de Lula, que tem interesse em minar uma candidatura como a de Tebet.

No final de junho, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, foi gravada em um evento ao lado de Lula e do presidente da Central Única de Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre, elogiando a formação de “brigadas digitais” pela entidade sindical. “Parabenizo a iniciativa da CUT”, disse Gleisi. “Precisamos estar mobilizados nas ruas durante esse período, mas também nas redes sociais. As brigadas digitais são muito importantes. Vou pedir que a companheirada ponha prioridade nisso”. E assim será. Nos próximos meses, cada grupo organizado pela CUT estará ligado a um subcoordenador estadual do chamado #TimeLula, que lhes fornecerá o conteúdo a ser propagado. Em tese, as tais brigadas são grupos de WhatsApp dedicados a tratar de assuntos de interesse dos trabalhadores. Mas é difícil supor que elas não se converterão em ferramenta de ataque político à medida que a temperatura da campanha aumente. Nada na história do PT leva a crer nessa hipótese.

Em 2007, quando Lula deu início ao seu segundo mandato na presidência, ele chamou o jornalista Franklin Martins para ocupar a Secretaria de Comunicação Social do Planalto. Numa época em que as redes sociais ainda engatinhavam (a maior era o Orkut, já extinto), Martins estruturou uma rede de blogs que promoviam o governo, atacavam seus adversários e, em troca, recebiam dinheiro de publicidade oficial. Nada muito diferente do que fizeram, em tempos recentes, canais bolsonaristas como os de Oswaldo Eustáquio ou o Terça Livre, de Allan dos Santos.

O trabalho de guerrilha digital do PT se aprofundou nas eleições de 2010. Ali já estavam em pleno funcionamento as Mobilizações em Ambientes Virtuais, mais conhecidas como MAVs. Elas foram as precursoras das brigadas que a CUT agora tenta fomentar. Em 2014, o uso de robôs para dar volume às postagens e influenciar os algoritmos das redes sociais se tornou patente pela primeira vez. Sua maior vítima foi Marina Silva. Transformada em alvo da equipe de Dilma Rousseff depois de assumir o posto de Eduardo Campos, morto em um acidente de avião, ela ainda hoje guarda mágoa daquilo que chamou de “campanha mais suja da história das eleições brasileiras”.

Apesar do pioneirismo, o PT se desorganizou depois que o petrolão veio à tona e começou a derrubar suas lideranças. Naquele ambiente, floresceram as redes bolsonaristas. Dois ou três anos antes das eleições de 2018, elas já se alimentavam do farto material noticioso sobre a corrupção que havia grassado em Brasília, sob os auspícios de Lula e Dilma. Depois, passaram a ser abastecidas com os memes e fake news produzidos e disseminados pelo grupo que, instalado na presidência, ganharia o apelido de “gabinete do ódio“. O PT ainda corre atrás da vantagem conquistada por Bolsonaro sobre Lula naquele momento. Somadas as principais redes sociais, Bolsonaro tem 47,4 milhões de seguidores, contra 15,2 de Lula, segundo a consultoria Bites. No Instagram, a diferença é de 20,5 para 5,7 milhões. No Youtube, de 3,75 milhões para 0,5 milhão. “O engajamento dos posts de Lula tem melhorado bastante, mas não se elimina a distância que existe entre os dois candidatos em uma única eleição”, diz André Eler, diretor da Bites.Como mostrou Crusoé há algumas semanas, Carlos Bolsonaro já convocou o assessor presidencial Tercio Arnaud Tomaz para ajudá-lo a coordenar a campanha digital do pai, como nas eleições passadas. Especialmente, a campanha no submundo das redes. O grupo contará com uma ampla sala na mansão que serve de QG da campanha de Bolsonaro, no Lago Sul, em Brasília. O ambiente é totalmente isolado e à prova de grampos. Além de Carlos e Tércio, só podem acessar o local os assessores Filipe Martins, José Matheus Sales e Mateus Matos Diniz.

A estratégia digital inclui parceria com os sites e as redes de parlamentares bolsonaristas, como Carlos Jordy (PL-RJ), Nikolas Ferreira (PL-MG) e Carla Zambelli, a nova amiga do hacker Walter Delgatti. O material disparado pelo gabinete – com direito a mensagens apócrifas e vídeos de TikTok e Kwai – deverá ser usado por outros influenciadores e rodará as milhares de listas de transmissão e grupos de Telegram mantidos por bolsonaristas. O gabinete do ódio dará ênfase, naturalmente, aos crimes e erros de gestão da era PT, procurando reacender a chama do antipetismo e o medo de um Brasil dominado pelo comunismo, “sob o risco de virar uma nova Venezuela”. A chamada pauta de costumes também se fará presente, explorando questões como aborto, casamento gay, legalização da maconha e proibição do uso de armas.

Do lado petista, há um esforço para que a estratégia digital se mantenha em sigilo. Como o restante da comunicação, ela estará sob o guarda-chuva de Rui Falcão e Edinho Silva. Eles contarão com o apoio inesperado de André Janones, o ex-candidato do Avante que acabou cooptado pelo PT. Janones tem mais de 11 milhões de seguidores nas redes e é considerado um “especialista” no tema. Por isso, além de tentar engajar outros influenciadores na campanha pró-Lula, ele vai ajudar na produção e adaptação de conteúdos para o ambiente digital. Ao seu lado, estará a jornalista Brunna Rosa, que desde o ano passado vem procurando conferir a Lula uma presença digital consistente. Foi dela, por exemplo, a iniciativa de levar o candidato ao podcast Podpah, onde ele atingiu, em dezembro de 2021, uma audiência recorde – só superada nesta semana pela entrevista de mais de cinco horas que Bolsonaro concedeu a outro podcast, o Flow. Foi dela também o plano para o lançamento do canal oficial de Lula no TikTok, com um vídeo em que Janja, então noiva do ex-presidente, entoava a canção Lula Lá.

Além de contar com o apoio da CUT, o PT vem se esforçando para construir a sua própria militância digital. Para isso, inspirou-se nas campanhas vitoriosas da esquerda no Chile, na Colômbia, no Equador e no México. O ativista americano Ben Brentzel, que auxiliou Barack Obama na arrecadação de fundos para sua campanha à presidência dos Estados Unidos e aconselha atores como Mark Ruffalo e Leonardo DiCaprio na defesa de causas na internet, também prestou consultoria – segundo o partido, sem cobrar nada.

Em 7 de maio, o PT iniciou um cadastro prévio de voluntários. No primeiro mês, arregimentou cerca de 10 mil colaboradores em todo o país. O grupo tentará atenuar os efeitos do pacote de benesses viabilizado pela PEC kamikaze, tachando-o de “eleitoreiro” e lembrando o que seriam os “bons momentos” do governo Lula. Além disso, ele deve reagir aos ataques do bolsonarismo e explorar os escândalos e as falhas do atual governo, associando o presidente a palavras como “genocida”, “corrupto” e “mentiroso”.

As grandes plataformas da internet têm procurado coibir a disseminação de fake news. Comprometeram-se, além disso, a colaborar com o TSE, combatendo especialmente desinformação sobre as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral. O ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news no STF — no âmbito do qual Crusoé foi censurada, por publicar reportagem verdadeira, nesta nossa curiosa democracia –, acaba de assumir a presidência do TSE e certamente vai cobrar esse apoio de gigantes como Facebook, Google, Telegram, WhatsApp e TikTok. Mas será como enxugar gelo – sobretudo porque boa parte da comunicação digital acontece em grupos privados, fora da vista das autoridades. Não será uma campanha bonita. Prepare-se para todo tipo de porcaria.

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