BLOG ORLANDO TAMBOSI
A deputada Carla Zambelli levou o réu Walter Delgatti para o Palácio do Planalto. Imagine-se o que vem por aí. Claudio Dantas para a Crusoé:
Na
quarta-feira, 10, a deputada Carla Zambelli visitou Jair Bolsonaro no
Palácio da Alvorada. Levou a tiracolo Walter Delgatti, o Vermelho, réu
na Justiça Federal por invadir celulares de juízes, ministros,
procuradores e muitos outros personagens públicos. Depois que o encontro
do hacker com o presidente veio à tona, Zambelli publicou no Twitter
uma foto com Delgatti, apontado por ela como “o homem que hackeou 200
autoridades”. “Muita gente deve realmente ficar de cabelo em pé (os que
têm) depois desse encontro fortuito. Em breve novidades”, escreveu ela.
Enquanto isso, a assessoria de Bolsonaro frisava, em contatos informais
com a imprensa, que ele havia sido “pego de surpresa” e que recusara
qualquer serviço do hacker – além de passar uma bronca em Zambelli. Mas
tudo de maneira extra-oficial, sem qualquer reprimenda pública –
sugerindo que, no lugar da surpresa e da bronca, pode ter havido
anuência por parte de Bolsonaro.
O
episódio indica o que se deve esperar da campanha eleitoral que começa
oficialmente na próxima terça-feira, 16. Apesar de todas as advertências
feitas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nos últimos meses, de que
não pretende tolerar o jogo sujo na internet, nas redes sociais e nos
aplicativos de mensagens, é ilusão imaginar que não haverá artilharia
pesada. E não apenas do lado bolsonarista, é claro. A esquerda também se
armou para a guerra. Nas últimas semanas, por exemplo, os assessores da
candidata emedebista Simone Tebet perceberam que influenciadores muito
conhecidos postaram críticas contra ela de maneira coordenada. Todos são
apoiadores de Lula, que tem interesse em minar uma candidatura como a
de Tebet.
No
final de junho, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, foi gravada em um
evento ao lado de Lula e do presidente da Central Única de Trabalhadores
(CUT), Sérgio Nobre, elogiando a formação de “brigadas digitais” pela
entidade sindical. “Parabenizo a iniciativa da CUT”, disse Gleisi.
“Precisamos estar mobilizados nas ruas durante esse período, mas também
nas redes sociais. As brigadas digitais são muito importantes. Vou pedir
que a companheirada ponha prioridade nisso”. E assim será. Nos próximos
meses, cada grupo organizado pela CUT estará ligado a um subcoordenador
estadual do chamado #TimeLula, que lhes fornecerá o conteúdo a ser
propagado. Em tese, as tais brigadas são grupos de WhatsApp dedicados a
tratar de assuntos de interesse dos trabalhadores. Mas é difícil supor
que elas não se converterão em ferramenta de ataque político à medida
que a temperatura da campanha aumente. Nada na história do PT leva a
crer nessa hipótese.
Em
2007, quando Lula deu início ao seu segundo mandato na presidência, ele
chamou o jornalista Franklin Martins para ocupar a Secretaria de
Comunicação Social do Planalto. Numa época em que as redes sociais ainda
engatinhavam (a maior era o Orkut, já extinto), Martins estruturou uma
rede de blogs que promoviam o governo, atacavam seus adversários e, em
troca, recebiam dinheiro de publicidade oficial. Nada muito diferente do
que fizeram, em tempos recentes, canais bolsonaristas como os de
Oswaldo Eustáquio ou o Terça Livre, de Allan dos Santos.
O
trabalho de guerrilha digital do PT se aprofundou nas eleições de 2010.
Ali já estavam em pleno funcionamento as Mobilizações em Ambientes
Virtuais, mais conhecidas como MAVs. Elas foram as precursoras das
brigadas que a CUT agora tenta fomentar. Em 2014, o uso de robôs para
dar volume às postagens e influenciar os algoritmos das redes sociais se
tornou patente pela primeira vez. Sua maior vítima foi Marina Silva.
Transformada em alvo da equipe de Dilma Rousseff depois de assumir o
posto de Eduardo Campos, morto em um acidente de avião, ela ainda hoje
guarda mágoa daquilo que chamou de “campanha mais suja da história das
eleições brasileiras”.
Apesar
do pioneirismo, o PT se desorganizou depois que o petrolão veio à tona e
começou a derrubar suas lideranças. Naquele ambiente, floresceram as
redes bolsonaristas. Dois ou três anos antes das eleições de 2018, elas
já se alimentavam do farto material noticioso sobre a corrupção que
havia grassado em Brasília, sob os auspícios de Lula e Dilma. Depois,
passaram a ser abastecidas com os memes e fake news produzidos e
disseminados pelo grupo que, instalado na presidência, ganharia o
apelido de “gabinete do ódio“. O PT ainda corre atrás da vantagem
conquistada por Bolsonaro sobre Lula naquele momento. Somadas as
principais redes sociais, Bolsonaro tem 47,4 milhões de seguidores,
contra 15,2 de Lula, segundo a consultoria Bites. No Instagram, a
diferença é de 20,5 para 5,7 milhões. No Youtube, de 3,75 milhões para
0,5 milhão. “O engajamento dos posts de Lula tem melhorado bastante, mas
não se elimina a distância que existe entre os dois candidatos em uma
única eleição”, diz André Eler, diretor da Bites.Como mostrou Crusoé há
algumas semanas, Carlos Bolsonaro já convocou o assessor presidencial
Tercio Arnaud Tomaz para ajudá-lo a coordenar a campanha digital do pai,
como nas eleições passadas. Especialmente, a campanha no submundo das
redes. O grupo contará com uma ampla sala na mansão que serve de QG da
campanha de Bolsonaro, no Lago Sul, em Brasília. O ambiente é totalmente
isolado e à prova de grampos. Além de Carlos e Tércio, só podem acessar
o local os assessores Filipe Martins, José Matheus Sales e Mateus Matos
Diniz.
A
estratégia digital inclui parceria com os sites e as redes de
parlamentares bolsonaristas, como Carlos Jordy (PL-RJ), Nikolas Ferreira
(PL-MG) e Carla Zambelli, a nova amiga do hacker Walter Delgatti. O
material disparado pelo gabinete – com direito a mensagens apócrifas e
vídeos de TikTok e Kwai – deverá ser usado por outros influenciadores e
rodará as milhares de listas de transmissão e grupos de Telegram
mantidos por bolsonaristas. O gabinete do ódio dará ênfase,
naturalmente, aos crimes e erros de gestão da era PT, procurando
reacender a chama do antipetismo e o medo de um Brasil dominado pelo
comunismo, “sob o risco de virar uma nova Venezuela”. A chamada pauta de
costumes também se fará presente, explorando questões como aborto,
casamento gay, legalização da maconha e proibição do uso de armas.
Do
lado petista, há um esforço para que a estratégia digital se mantenha
em sigilo. Como o restante da comunicação, ela estará sob o guarda-chuva
de Rui Falcão e Edinho Silva. Eles contarão com o apoio inesperado de
André Janones, o ex-candidato do Avante que acabou cooptado pelo PT.
Janones tem mais de 11 milhões de seguidores nas redes e é considerado
um “especialista” no tema. Por isso, além de tentar engajar outros
influenciadores na campanha pró-Lula, ele vai ajudar na produção e
adaptação de conteúdos para o ambiente digital. Ao seu lado, estará a
jornalista Brunna Rosa, que desde o ano passado vem procurando conferir a
Lula uma presença digital consistente. Foi dela, por exemplo, a
iniciativa de levar o candidato ao podcast Podpah, onde ele atingiu, em
dezembro de 2021, uma audiência recorde – só superada nesta semana pela
entrevista de mais de cinco horas que Bolsonaro concedeu a outro
podcast, o Flow. Foi dela também o plano para o lançamento do canal
oficial de Lula no TikTok, com um vídeo em que Janja, então noiva do
ex-presidente, entoava a canção Lula Lá.
Além
de contar com o apoio da CUT, o PT vem se esforçando para construir a
sua própria militância digital. Para isso, inspirou-se nas campanhas
vitoriosas da esquerda no Chile, na Colômbia, no Equador e no México. O
ativista americano Ben Brentzel, que auxiliou Barack Obama na
arrecadação de fundos para sua campanha à presidência dos Estados Unidos
e aconselha atores como Mark Ruffalo e Leonardo DiCaprio na defesa de
causas na internet, também prestou consultoria – segundo o partido, sem
cobrar nada.
Em
7 de maio, o PT iniciou um cadastro prévio de voluntários. No primeiro
mês, arregimentou cerca de 10 mil colaboradores em todo o país. O grupo
tentará atenuar os efeitos do pacote de benesses viabilizado pela PEC
kamikaze, tachando-o de “eleitoreiro” e lembrando o que seriam os “bons
momentos” do governo Lula. Além disso, ele deve reagir aos ataques do
bolsonarismo e explorar os escândalos e as falhas do atual governo,
associando o presidente a palavras como “genocida”, “corrupto” e
“mentiroso”.
As
grandes plataformas da internet têm procurado coibir a disseminação de
fake news. Comprometeram-se, além disso, a colaborar com o TSE,
combatendo especialmente desinformação sobre as urnas eletrônicas e o
sistema eleitoral. O ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito
das fake news no STF — no âmbito do qual Crusoé foi censurada, por
publicar reportagem verdadeira, nesta nossa curiosa democracia –, acaba
de assumir a presidência do TSE e certamente vai cobrar esse apoio de
gigantes como Facebook, Google, Telegram, WhatsApp e TikTok. Mas será
como enxugar gelo – sobretudo porque boa parte da comunicação digital
acontece em grupos privados, fora da vista das autoridades. Não será uma
campanha bonita. Prepare-se para todo tipo de porcaria.
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