Afirmar que é o estado quem garante o Direito e a propriedade privada é uma contradição lógica. Juan Ramón Rallo para o Instituto Mises:
A
propriedade privada e a ação humana são, necessariamente e por
definição, anteriores ao Estado. Antes de surgir um estado os indivíduos
já agiam; e a noção de propriedade privada já era intrínseca à ação do indivíduo.
Além
de serem anteriores ao Estado, pode-se também dizer com plena certeza
que a propriedade privada e a ação humana são a base de todo o
ordenamento jurídico.
O
estado de direito — isto é, o primado da lei — não necessitada de um
Estado (governo). Não é necessário haver um governo para haver um estado
(uma situação) de direito. Mais ainda: somente sem um Estado seria
possível descobrir competitivamente qual é o melhor Direito — ou seja,
qual seria o melhor ordenamento jurídico.
Contradição
Os defensores da necessidade de existir um governo para criar e impingir leis caem em uma inevitável contradição.
Quando
o Direito é determinado e impingido pelo estado, tem-se apenas um
conjunto de legislações criadas pelos próprios legisladores.
Consequentemente, tem-se inevitavelmente um conjunto de normas que o
mais forte impõe sobre o mais fraco.
Para
os defensores deste arranjo, o conteúdo das normas é menos importante
que o ato de força por meio do qual essas normas são impostas; seu traço
distintivo é a coerção, e não a utilidade das normas. Nada se discute
sobre a moralidade e a ética deste arranjo; enfatiza-se apenas a
necessidade de cumpri-lo, não importam os meios utilizados.
Para
os defensores do estado, o conteúdo e a utilidade da norma é menos
importante que a coerção utilizada para impingir esta norma. Exemplo
clássico: uma pessoa quer trabalhar e está voluntariamente disposta a
aceitar um valor salarial abaixo do mínimo estipulado pelo governo. Ela
será proibida. E os defensores desta legislação aceitarão todos os tipos
de sanção e punição contra esta pessoa (que ficará sem emprego e renda)
e seu empregador (que poderá ir para a cadeia). A coerção é mais
importante que a utilidade da norma.
Qual
a incoerência desta postura? Simples: ao mesmo tempo em que tais
pessoas dão menos importância ao conteúdo e mais à necessidade de
impô-lo à força, elas asseguram que o direito impingido pelo estado é a
pré-condição para uma sociedade livre: "sem normas não há mercado",
dizem eles.
Em
outras palavras, estes teóricos socialistas do Direito consideram que a
sociedade nasce e evolui não das interações voluntárias e espontâneas
dos indivíduos, mas sim das relações coercitivas implantadas por um
hierarca supremo. Sem uma mente consciente, respaldada pela força de um
aparato policial, não haveria normas. E, sem normas, não haveria
relações.
A realidade
A
realidade, porém, é bem distinta. A ação humana livre e sua propriedade
honestamente adquirida devem marcar o começo de toda a análise teórica e
histórica. As relações humanas necessariamente antecedem as normas. Com
efeito, as normas são fruto das relações humanas.
Uma
norma nada mais é que uma expectativa de que outro indivíduo irá agir
de uma determinada maneira, expectativa essa que pode surgir das
promessas (ius — direito em latim — vem etimologicamente de iurare,
jurar) ou dos costumes (isto é, de comportamentos idênticos do passado).
Se
a tese socialista estiver correta, ou seja, se a propriedade privada
realmente só surgiu após a criação de um ordenamento estatal, então
surge um inevitável problema lógico e cronológico: como esse Estado
nasceu? Como ele obteve suas receitas tributárias para pagar seu aparato
policial, seus funcionários e seus juízes se não havia propriedades a
serem tributadas?
Com
efeito, os socialistas recorrem a essa teoria sem sentido unicamente
com o intuito de querer argumentar que a propriedade privada é um
privilégio concedido pelo Estado aos indivíduos, graças à sua legislação
e à sua proteção policial. Consequentemente, a propriedade seria um
privilégio que está subordinado a todas as eventualidades e alterações
que seu mantenedor — o estado — queira lhe infligir.
Porém,
como dito, a propriedade privada e a ação humana são necessariamente
anteriores ao Estado (por uma questão de lógica). Por isso, pode-se
dizer com plena certeza que ambas são a base de todo o ordenamento
jurídico. As normas não criam a sociedade; é a sociedade quem cria
normas, e faz isso de maneira contínua e evolutiva. Como disse Paolo Grossi:
"A práxis — atividade humana na sociedade — constrói dia a dia seu
Direito, moldando e modificando segundo as exigências do local e do
tempo".
Aqueles
que querem estabelecer uma profunda distinção entre sociedade e
Direito, criando uma frente autônoma de sabedoria normativa, se esquecem
de que impedir os indivíduos de criar o Direito a partir de seus feitos
e interações é o equivalente a lhe impedir de agir. Por isso, um
Direito de origem socialista irá inevitavelmente se degenerar em uma
sociedade completamente policialesca, autoritária, regulada e
escravizada.
O
Direito não é um conjunto de mandamentos revelados, mas sim de práticas
previsíveis e úteis para se alcançar os objetivos individuais por meio
da cooperação humana. O Estado, por meio de suas legislações
coercitivas, pode apenas arrebentar esses laços voluntários e
cooperativos, destruindo na prática a própria instituição jurídica. Da
mesma maneira que o planejamento econômico estatal erradica o mercado, o
planejamento jurídico estatal extermina o Direito.
Conclusão
Vale
repetir: o estado de direito — isto é, o primado da lei — não requer um
Estado (governo) para garantir um estado (uma situação) de direito.
Somente sem um Estado será possível descobrir competitivamente qual é o
melhor Direito.
E
a conclusão final é que se a propriedade privada e a liberdade são a
origem do direito, então, por definição, um organismo que se baseia na
coerção e na permanente violação da propriedade privada e da liberdade
não pode criar outra coisa senão um Direito violentado e corrompido.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário