A mídia corporativa odiou que Elon Musk tenha comprado o Twitter porque odeia a ideia de os norte-americanos pensarem por si mesmos. Ana Paula Henkel para a Oeste:
Há
245 anos, em 4 de julho de 1776, os termos da Declaração de
Independência dos colonos norte-americanos da Coroa Britânica formavam
toda a cadeia genética da nação mais livre do mundo. Os ditames do
documento acabaram moldando uma sólida Constituição, que, entre apenas
27 emendas, coloca os direitos individuais inalienáveis acima de
governantes e seus desejos e paixões políticas que, porventura, possam
desvirtuar o rumo republicano de suas administrações.
As
fundações da república norte-americana estão diretamente ligadas ao
Iluminismo Europeu dos séculos 17 e 18. Os Pais Fundadores da América
mergulharam na obra de filósofos cujas ideias influenciaram a formação
do novo país, como o inglês John Locke. Em seu Segundo Tratado Sobre o
Governo, Locke identificou que as bases de um governo legítimo ganham
autoridade através do consentimento dos governados, e não através das
mãos de um monarca. O dever desse governo seria proteger os direitos
naturais das pessoas, que são concedidos por Deus, e não por um rei: a
vida, a liberdade e a propriedade. Para o filósofo que inspirou homens
importantes no Novo Mundo, se o governo falhasse em proteger esses
direitos, seus cidadãos teriam o direito de derrubá-lo.
E
foi justamente essa ideia que influenciou profundamente Thomas
Jefferson ao elaborar a Declaração de Independência, em 1776. A base da
teoria de Locke dos direitos naturais se tornou o pano de fundo do qual a
Declaração surgiu: “Consideramos essas verdades evidentes, que todos os
homens são criados iguais, que são dotados pelo seu Criador de certos
direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da
felicidade”.
Em
novembro de 2012, mais de 235 anos após a Declaração de Jefferson, Bono
Vox, vocalista e líder da banda irlandesa U2, discursou na Universidade
de Georgetown sobre a contextualização do que aqueles colonos
britânicos na América plantaram e disse: “A América é uma ideia. A
Irlanda é um ótimo país, mas não é uma ideia. A Grã-Bretanha é um ótimo
país, mas não é uma ideia. É assim que vemos vocês (os norte-americanos)
em todo o mundo, como uma das maiores ideias da história da
humanidade”.
Bono
está certo. A América é uma ideia. A frase pode parecer simples e o
conceito pode parecer vago para quem olha de fora para os Estados
Unidos, mas não enxerga o que o país representa para a civilização
ocidental. Até Bono, um social-democrata, entende o que a nação mais
próspera do mundo representa. Uma ideia. E uma ideia que é maciçamente
fundada em um pilar sagrado para os norte-americanos, a liberdade.
A Primeira Emenda
E
é exatamente na Primeira Emenda da Constituição norte-americana que a
liberdade para os norte-americanos, que migraram para o Novo Mundo
fugindo da perseguição religiosa, é protegida contra qualquer tipo de
tirania. É na Primeira Emenda, parte da Declaração dos Direitos dos
Estados Unidos e adotada em dezembro de 1791, que está o impedimento,
textualmente, ao Congresso norte-americano de infringir seis direitos
fundamentais: proibir o livre exercício da religião; limitar a liberdade
de expressão, de imprensa, do direito de livre manifestação pacífica; e
limitar o direito de fazer petições ao governo com o intuito de reparar
agravos.
No
famoso caso Jerry Falwell v. Larry Flynt, de 1987, a Suprema Corte
norte-americana afirmou: “No coração da Primeira Emenda está o
reconhecimento da importância fundamental do livre fluxo de ideias e
opiniões sobre questões de interesse e preocupação pública. A liberdade
de falar o que pensamos não é apenas um aspecto da liberdade individual,
mas também é essencial para a busca comum da verdade e da vitalidade da
sociedade como um todo. Temos, portanto, sido particularmente
vigilantes para assegurar que as expressões individuais de ideias
permaneçam livres de sanções impostas pelo governo”.
Por
mais estranho que possam parecer esses tempos pra lá de orwellianos, a
Constituição norte-americana protege até mesmo o discurso mais
controverso e ofensivo ao governo e críticas a governantes, legisladores
e juízes. A regulamentação sobre essa liberdade existe somente sob
certas circunstâncias muito limitadas e restritas. O sistema
norte-americano, tão enaltecido por Barrosos e Alexandres no Brasil, é
construído em cima da ideia de que o intercâmbio livre e aberto de
ideias encoraja a compreensão, promove a busca pela verdade e permite a
refutação de falsidades. Isso mesmo, Moraes. Norte-americanos acreditam,
e a experiência da nação mostrou, que a melhor forma de se contrapor a
um discurso ofensivo não é por meio de regulamentação, mas com mais
discurso e mais liberdade de expressão.
Se
os últimos anos foram de absoluta afronta à liberdade de expressão,
seja para cidadãos, médicos, jornalistas, seja para qualquer um que
ousou questionar a bíblia do ministério da verdade sobre vacinas ou
eleições, nesta semana o mundo viu o que a esquerda norte-americana e
global pensa e quer fazer com essa coisa irritante chamada liberdade de
se expressar sem amarras ou algoritmos artificialmente viciados em
suprimir as opiniões de um lado do espectro político-ideológico.
A defesa de ideias
Embora
a maioria dos norte-americanos não se importe com o Twitter, a compra
da rede social pelo bilionário Elon Musk expôs o que os novos
stalinistas querem para a liberdade de expressão — ou para o controle da
liberdade de expressão, para ser mais exata. Os hábitos e os exageros
da rede social mais ampla de nossa sociedade significam que o controle
dela ainda importa muito. O Twitter ainda é onde grande parte das
mensagens da mídia corporativa é elaborada e aprimorada; onde
pensamentos e ideias que se desviam da classe dominante são suprimidos; e
onde as multidões ávidas por cancelamentos e comandadas pela esquerda
são “empoderadas” e, portanto, capazes de liderar as elites empresariais
e políticas da América.
O
curioso é que os antigos progressistas sempre envolveram as defesas de
suas ideias em torno dos princípios da Primeira Emenda norte-americana.
Quase todas as causas liberais foram formuladas nos termos da quase
absoluta liberdade de expressão dessa emenda — seja o direito de gritar
obscenidades, ver pornografia ou levar palestrantes controversos para as
universidades. Hoje, a esquerda norte-americana trai com vontade e sem
timidez esses valores, optando por usar as instituições simpáticas à sua
causa para reprimir a dissidência. O mais curioso ainda é que, nesta
semana, enquanto aqueles que não têm medo de opiniões dissidentes e da
verdade celebravam a liberdade de expressão, o ex-presidente Obama
discursava em Stanford pedindo maior supervisão regulatória dos gigantes
da mídia social do país porque essa falta de regulação “ameaçou os
pilares da democracia em todo o mundo”. Pesando no debate sobre como
lidar com a disseminação da desinformação, ele disse que as empresas
precisam submeter seus algoritmos ao mesmo tipo de supervisão
regulatória que garante a segurança de carros, alimentos e outros
produtos de consumo. Em síntese: você jamais saberá o que consumir ou
pesquisar, portanto, não se preocupe, o Estado fará isso por você.
Agora,
esta não é a primeira vez que os tais progressistas deram as costas às
suas crenças. A esquerda norte-americana, nascida no liberalismo
clássico e transformada na social-democracia, há tempos abandonou o
homem simples e as minorias, e agora vive sua plenitude nos casamentos
com os grandes negócios, nos esportes, em Hollywood e na mídia. E esses
realinhamentos ideológicos muitas vezes coincidiram com a transformação
dessas instituições-chave, hoje usadas como ferramentas importantes na
doutrinação cega e, claro, na manipulação de notícias.
Embora
seja difícil dizer para onde vão os esforços bipartidários para
controlar o Vale do Silício, apesar de que a maior parte das doações de
campanha seja feita para o Partido Democrata, é fácil ver como o Twitter
se tornou essencial para a Casa Branca e seus amigos. Da promoção de
conteúdo útil (leia-se inútil) à supressão de conteúdo prejudicial
(leia-se fatos), a rede social fez o possível para se desculpar com os
democratas por sua parte na eleição do presidente Donald Trump em 2016 e
mostrou que em 2020 nada parecido aconteceria novamente.
A ponta do iceberg
Elon
Musk parece pronto para prestar um grande serviço ao povo
norte-americano e àqueles que prezam pela liberdade como descrita na
Primeira Emenda norte-americana, mas a realidade é que Elon Musk não vai
nos salvar. E o motivo é simples: embora o Twitter seja uma ferramenta
poderosa para nossa classe dominante — parte de uma importante batalha
cultural a ser travada —, isso é apenas uma das muitas lutas, mesmo na
frente tecnológica. E cada batalha leva à próxima. A censura nas redes
sociais é apenas aquela ponta do iceberg visível para os navios que
passam. Sob a superfície, a esquerda está ameaçando o acesso a bancos,
empréstimos, servidores, investimentos, serviços de busca e e-mail,
serviços de armazenamento de dados, gerenciamentos de firmas e
escritório… and counting…
Lutar
contra isso exigirá ideias inteligentes, trabalho árduo e a vontade de
um empreendedor de resistir a uma pressão incrível em todos os aspectos
de sua vida. Mas, se aqueles que podem ajudar não trabalham para colocar
nossa própria casa em ordem, estamos apenas trocando um oligarca por
outro mais inteligente e mais interessado na liberdade. Mais do que
isso, nós, pobres mortais fora da fila do pão do bilhão, não vamos
chegar a lugar algum.
A
batalha de Elon Musk pelo Twitter se tornou uma guerra latente por
procuração entre a classe que acha que pode tudo e um povo livre e
soberano, uma guerra que transcende os quatro cantos de seu documento de
compra da plataforma. É uma disputa sobre quem controla o discurso
público e, com ele, quem governa. Nossas elites evidentemente acreditam
que, para manter o poder, devem dominar a praça pública digital. O
monopólio da narrativa é parte integrante do monopólio do poder. E a
ideia de perder algum poder para silenciar pontos de vista opostos nas
mídias sociais é aterrorizante para essas pessoas — tão aterrorizante
que, em pânico, elas nem percebem que admitiram sua própria gula pelo
controle.
A praça pública
Os
militantes da imprensa, das plataformas de tecnologia e da política
querem controlar o que você acha, e a constante “ameaça à democracia” é o
rótulo favorito para manchar qualquer coisa que desafie seu poder. Há
alguns anos, o verdadeiro discurso de ódio a ideias e pessoas, profanado
por aqueles que não suportam ser questionados ou confrontados, vem se
tornando um monstro. E nesta semana o monstro urrou em decibéis acima do
normal. Por que estão tão bravos? Porque o monopólio da fala e da
informação, a capacidade de controlar o que você acredita, foi quebrado.
É necessário, mais uma vez, recorrer à força para fazer você calar a
boca. Elon Musk testemunhará a ira da besta e será perseguido por todos
os seus tentáculos. Mas não se engane, este não é um ataque a Elon Musk.
Este é um ataque a você e ao seu direito de falar livremente, de
expressar sua consciência em público. Curiosamente, pela primeira vez,
não está funcionando como eles estavam acostumados, e as torres de
marfim estão enfurecidas com a praça pública. Eles estão profundamente
ameaçados por uma internet livre, e por isso estão em pânico.
Que
Musk ameace devolver esse poder para nós, restaurando nosso direito à
fala em um dos fóruns mais importantes da praça pública digital, criando
um espaço seguro para o discurso crítico de nossos governantes — mesmo
que isso seja intolerável para eles. A mídia corporativa odiou que Elon
Musk tenha comprado o Twitter porque odeia a ideia de os
norte-americanos pensarem por si mesmos. É ótimo ter o homem mais rico
do mundo do lado da liberdade. Precisamos da ajuda, mesmo que troquemos
momentaneamente um punhado de oligarcas por outro, mas a causa da
liberdade também precisa de nós.
Em
um comunicado no dia da compra do Twitter, Elon Musk disse o seguinte:
“A liberdade de expressão é a base de uma democracia em funcionamento e o
Twitter é a praça da cidade digital onde são debatidos assuntos vitais
para o futuro da humanidade. Também quero tornar o Twitter melhor do que
nunca, aprimorando o produto com novos recursos, tornando os algoritmos
de código aberto para aumentar a confiança, derrotando os robôs e
autenticando todos os humanos. O Twitter tem um tremendo potencial.
Estou ansioso para trabalhar com a empresa e os usuários da comunidade
para desbloqueá-lo. Espero que até meus piores críticos permaneçam no
Twitter, porque é isso que significa liberdade de expressão”.
A
liberdade de expressão é extremamente importante para a civilização.
Muitas vezes é difícil saber quem está de que lado diante de tantas
mentiras e manipulações, quem são os mocinhos e quem são os bandidos.
Mas há um teste muito claro e simples: basta perguntar quem se incomoda
com a ideia de que outras pessoas possam falar. Esse é um teste
infalível e 100% preciso. Quem não permitiria que outras pessoas
falassem ou discordassem? Apenas tiranos. E nesta semana os tiranos
estão de luto.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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