A produtora rural e empresária Camila Telles mostra como as redes sociais podem ajudar a combater as fake news sobre o principal setor da economia brasileira. Edilson Salgueiro para a Oeste:
Nascida
em Cruz Alta, cidade gaúcha localizada a 330 quilômetros de Porto
Alegre, a produtora rural e empresária Camila Telles, 29 anos, não
consegue lembrar de sua infância sem contar as histórias que vivenciou
na fazenda da família. “Minha vida era ralar o joelho no chão, andar a
cavalo e dirigir trator”, lembra a influenciadora digital, com 230 mil
seguidores no Instagram. “Isso está na minha essência.”
A
paixão pelo agronegócio tem raízes profundas. O avô, Constantino Cesca,
e a avó, Rosa, construíram a fazenda que atualmente é administrada pelo
pai de Camila, João Augusto Telles, 58 anos, e a mãe, Elisa, 56. É
nessa propriedade de médio porte situada no interior de Cruz Alta, em
Pejuçara, que a jovem produtora rural aprendeu a carpir, plantar e
colher.
“Tive uma infância muito feliz”, afirma a empresária, considerada uma das 100 Mulheres Poderosas do Agro, segundo a lista elaborada pela revista Forbes. Essa nostalgia está vinculada às corridas de carrinho de rolimã, um de seus antigos hobbies; às aventuras na cozinha, incentivadas pelo avô, que a presenteou com um pequeno fogão a lenha; e às colheitas de bergamota, também conhecida como mexerica, mimosa e tangerina em outras regiões do país.
O
amor ao campo durou até os 10 anos, quando Camila diz ter chegado à
fase da “aborrescência” — e suas prioridades mudaram. “Começaram a
surgir as festas de fim de semana, em que encontrava a turma da minha
idade”, explica. “Era a época do Orkut. Passei a dar atenção a outras
coisas, não à fazenda.”
Fim da revolta
No
terceiro ano do ensino médio, quando a vida adulta bateu à porta, a
futura produtora rural decidiu crescer. Por influência dos pais,
matriculou-se em um cursinho preparatório para o vestibular. “Queria
fazer algo relacionado à comunicação”, afirma. Os frutos foram colhidos
meses depois, quando a jovem conquistou uma vaga na Faculdade de
Relações Públicas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUC-RS).
Mas
a colheita não parou por aí. No segundo semestre da faculdade, Camila
passou em um processo seletivo para compor a equipe de estagiários do
Grupo RBS, filial da Rede Globo no Estado. “Trabalhava com produção de
eventos e marketing”, lembra. “Naquela época, percebi que a comunicação
era um gargalo no agronegócio. E a tendência era piorar.”
Assim como a maturação dos frutos depende de variáveis como o cultivo, o clima, o estado nutricional e a quantidade de água disponível para as plantas, tornar a comunicação do setor agrícola mais palatável dependia de diversos fatores. Entre eles, interesse, empenho, tempo e persistência.
Por
isso, Camila pediu demissão da RBS. “Nos últimos semestres da
universidade, dediquei-me inteiramente ao estudo da agricultura”, conta.
“Meu Trabalho de Conclusão de Curso [TCC] trata da comunicação no
agronegócio. Como não havia muitas referências bibliográficas naquela
época, tive de entrevistar diversos especialistas. Minha base foi a
própria realidade dos produtores rurais. No fim, viciei na ideia de
solucionar aquele gargalo.”
A última recaída — e a retomada definitiva
Mas
nem tudo são flores. Depois de concluir o curso de relações públicas,
Camila recebeu um convite irrecusável: produzir a turnê brasileira das
bandas norte-americanas Guns N’ Roses e Aerosmith. “Fiquei três meses em
Porto Alegre”, disse. “Produzir eventos assim é legal, há adrenalina o
tempo inteiro. Mas não queria aquilo para mim. A minha vontade era
voltar para a fazenda. Foi minha decisão final.”
Em
2016, de volta à terra natal, Camila deu início à Hortaria. “A ideia
era plantar verduras e entregá-las diretamente para o consumidor”,
explica. “É como um serviço de assinatura. As pessoas querem
praticidade, desejam um produto diferenciado.”
De
lá para cá, o projeto cresceu. Hoje, a Hortaria possui mais de cinco
estufas (uma forma de cultivo protegido que permite ao produtor rural
uma produção mais segura e minuciosa). “Vendemos diversos tipos de
alface: gourmet, crespa, lisa e americana”, ressalta. “Também temos
rúcula, temperinho, chá e couve. A meta é produzir 10 mil pés de alface
por mês.”
A
Hortaria trabalha em duas frentes: a primeira, especializada em
entregas para o consumidor final. Isso ocorre por meio de uma feirinha
on-line, organizada em grupos do WhatsApp. “As pessoas pedem, nós
entregamos”, diz Camila. A segunda frente visa aos mercados dos
municípios próximos. Hoje, a empresa atende mais de quatro cidades. “É
um sucesso”, celebra a empresária.
Em
virtude da adesão do público, João Augusto Telles decidiu construir uma
agroindústria na fazenda. Ele é responsável pelas vendas — visita os
supermercados, conversa com os proprietários e oferece os produtos.
Elisa administra a parte financeira, enquanto Camila está empenhada em
desenvolver o marketing da Hortaria.
Combate às ervas daninhas
Em
fevereiro de 2019, Camila recebeu um convite para trabalhar como
assessora da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). Na
capital federal, aprendeu as bases do agronegócio brasileiro. “Naquela
época, conversava diretamente com os funcionários do Ministério da
Agricultura e também com os especialistas da Embrapa”, lembra. “Adquiri
conhecimento suficiente para publicar conteúdos nas redes sociais.”
O
primeiro vídeo publicado no Instagram, em julho daquele ano, tem como
tema os defensivos agrícolas. Especificamente, trata da morosidade da
liberação de novas moléculas no país, mais eficazes e menos nocivas à
saúde humana. E o material viralizou. A jovem gaúcha, que tinha 4 mil
seguidores, ganhou outros 2 mil. Isso serviu de combustível.
Em agosto de 2019,
a cantora Anitta usou as redes sociais para dizer que a agropecuária
era um “câncer” da natureza. Como resposta, Camila decidiu fazer uma
paródia da música Show das Poderosas, maior sucesso da funkeira na
época, para defender o principal setor da economia brasileira. “Fiz tudo
em 20 minutos, com roupa de academia, voltando para casa”, explica a
empresária, aos risos. “Se soubesse que viralizaria, teria me arrumado.”
Depois
de publicar o vídeo no Instagram, a produtora rural foi dormir. No dia
seguinte, ao acordar, percebeu que seu celular não atualizava. “Pensei
que tivessem me denunciado”, diz. “Assim que cheguei à CNA para mais um
dia de trabalho, os colegas me chamaram de Anitta do Agro. Quando meu
celular atualizou, estava com mais de 10 mil seguidores. Esse número
chegaria a quase 50 mil apenas 48 horas depois. A partir disso, tudo
mudou.”
A menina dos olhos da Forbes
Camila
passou a ser convidada para ministrar palestras e participar de
eventos. Em novembro de 2019, a agenda como empresária, produtora rural e
influenciadora digital ficou incompatível com a atividade desempenhada
na CNA. Por isso, decidiu pedir as contas e seguir em busca de seu
principal objetivo: resolver o gargalo da comunicação no agronegócio.
No
início de 2020, em plena pandemia, Camila fundou a FarmCom, agência de
comunicação voltada para o agronegócio. “Aquele seria meu ano, mas deu
tudo errado”, lamenta. “Pensei que viajaria pelo Brasil, tiraria vários
projetos do papel. No entanto, os produtores não podiam receber ninguém.
Não dava para fazer nada. Depois, ainda houve o lockdown.”
A situação melhorou no ano seguinte. Com o objetivo de prospectar clientes para a FarmCom, a empresária morou em São Paulo por aproximadamente dois meses. “Como o agronegócio não parou, meus clientes também não pararam”, observa. “Mas tive saudade da fazenda. Era uma defensora do agronegócio que nunca estava no campo. Então, decidi voltar para Cruz Alta.”
Desde
aquela época, Camila administra a agência de comunicação pelo
computador. Há uma equipe de profissionais espalhada pelo Brasil,
formada por designers, jornalistas, produtores de eventos, publicitários
e especialistas em relações públicas. “São pessoas com experiência no
agronegócio, que sabem falar a linguagem do público-alvo”, afirma.
Em
15 de outubro do ano passado, no Dia Internacional da Mulher Rural, a
revista Forbes elaborou uma lista com as cem principais expoentes do
setor agrícola brasileiro. Segundo a publicação, o objetivo é homenagear
as mulheres que atuam no agronegócio. Camila está entre as premiadas.
Revista Forbes |
O
sucesso nas redes sociais e no setor empresarial possibilitou à
cruz-altense se especializar em uma terceira atividade: a de
palestrante. Apenas nesta semana, Camila participou de eventos em
Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul; no Vale do Araguaia, em Mato
Grosso; e em Cascavel, no Paraná. “Esses trabalhos são uma consequência
do meu amor pelo agronegócio”, diz. “Consigo gerar conteúdo em todas
essas ferramentas disponíveis. Isso faz sentido para quem me acompanha. É
um propósito de vida.”
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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