É evidente que há algo de muito errado no Ocidente, e que o progressismo está matando impunemente. Castra adolescentes, mata fetos, incita à obesidade e agora à morte direta. Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
Cá
do meu cantinho da internet, digo que estourou dia 18 de março a
notícia de que Alain Delon deixaria o mundo por meio de eutanásia. Tudo
começou com a seguinte manchete d’O Globo: “Alain Delon pede a filho que providencie sua eutanásia: ‘É o mais lógico e natural’”.
Estaria Alain Delon preso a uma cama, com sonda, desejoso de morrer e
sem forças para estourar os próprios miolos? Nada disso. Na matéria,
lemos que ele passou a usar bengala depois de ter dois derrames, e que,
anos atrás, declarou que “envelhecer é uma merda”, porque “você perde o
rosto, perde a visão. Você levanta e, caramba, seu tornozelo dói”. Pois
muito bem, senhoras e senhores, a própria velhice nos é apresentada como
condição miserável a ser sanada com a morte. Matemos os velhinhos,
libertemo-los de sua miséria.
No frigir dos ovos, não era eutanásia coisa nenhuma: era suicídio assistido. Como nos informa Luciano Trigo,
“Diferentemente da eutanásia, na qual o paciente, geralmente em estado
de saúde terminal, tem sua vida abreviada pelos médicos, com autorização
da família, no suicídio assistido é o próprio paciente que injeta em si
mesmo a droga letal. No caso, pentobarbital sódico, um potente
barbitúrico que deprime o sistema nervoso central e provoca a morte em
poucos minutos, de maneira indolor”.
Que
suicídio seja confundido com eutanásia é sinal dos tempos. E que
libertários e liberais achem isso o suprassumo da liberdade individual, é
sinal da imbecilização generalizada entre os letrados. No atual estado
de coisas, suicídio não é crime. Se uma pessoa tenta se matar e
fracassa, não há lei alguma para puni-la. O suicídio é muito mais velho
do que o tal pentobarbital sódico; quem quiser posar de letrado, tenha
ao menos em mente as mortes de Sócrates, Sêneca, ou, para ficar mais
perto no tempo, de Marat. Então deixemos bem clara qual é a liberdade
extra que os suíços têm: a de ajudar os outros a se matarem.
Indução ao suicídio é crime
A
própria indução ao suicídio é crime no Brasil. Diferentemente dos
tempos dos varões de Plutarco, quando a perda da guerra condenava os
homens à escravidão e as mulheres ao estupro, o suicídio hoje costuma
ser decorrência de doença mental. Jogar lama numa ferida infeccionada é
um ato deliberado que agrava uma doença física letal. Do mesmo jeito,
incitar ao suicídio é um ato deliberado que agrava uma doença mental
letal.
A
sociedade já foi mais cuidadosa com isso. Tome-se como exemplo a
prática jornalística de não noticiar suicídios: isto decorre da
preocupação com o Efeito Werther, isto é, o fato já bem sabido desde o
século XIX de que o suicídio é socialmente contagioso. Nesse século foi
lançado o best seller juvenil de Goethe Os sofrimentos do jovem Werther,
no qual o protagonista se mata. Os fãs do livro passaram a usar as
mesmas roupas do jovem e a ter a mesma sina. Era a Wertherfieber, ou a
Febre Werther. Mesmo assim, no glorioso século XXI, a Netflix lançou uma
série juvenil 13 Reasons Why, romantizando suicídio de uma garota
problemática e mostrando direitinho como enfiar a navalha. Resultado: um aumento de suicídios de adolescentes nos Estados Unidos atrelado ao lançamento da série. Não consta que a Netflix tenha sido punida.
Assim,
há uma relativa desinformação acerca de suicídios, movida pela
prevenção da Wertherfieber. Dizer que fulano se matou assim-assado em
tal lugar desperta ideias suicidas em quem já está predisposto e à
procura de um método, e então vai lá e imita. Parece um preço razoável a
ser pago, se o conjunto das informações for armazenado e deixado à
disposição de quem quiser procurá-las.
Não
é o que está acontecendo. A OMS e o Brasil não divulgam dados de
suicídio relativos a 2020. O normal é a OMS divulgar os dados do ano
anterior – ou seja, já deveria ter saído 2021, mas não saiu nem 2020.
Não temos como saber se o vírus matou mais ou menos do que as doenças
mentais causadas pela catastrófica política de confinamento.
Então
ficamos assim: censuramos as notícias de suicídios comuns para prevenir
a Wertherfieber; as autoridades não soltam as estatísticas de suicídio
sabe-se lá por quê. E o jornalismo bacana se empenha em jogar confete no
suicídio para lá de progressista de Alain Delon. Ensina-se agora que é
uma prática razoável, e que a vida na velhice não vale a pena. Faço coro
à pergunta de Luciano Trigo: "por que divulgar essa decisão na mídia e
nas redes sociais?". Carência de atenção? De todo modo, cabia à mídia
não jogar confete.
E
não é a primeira vez que ela faz isto. As coisas mudaram nesta
pandemia. A carta de suicídio do ator Flávio Migliaccio foi reproduzida
pelos veículos com seriedade, não obstante seja um óbvio escrito de
deprimido (diz, por exemplo, ter tido “a impressão que foram 85 anos
jogados fora… Num país como este”. Você pode não se lembrar do nome, mas
com certeza conhece o rosto do ator. Teve uma carreira muito
bem-sucedida e enfrentou o confinamento sozinho na velhice, sob o terror
do noticiário. É claro que não foram 85 anos jogados fora. Mas vale
tudo porque ele falou mal do país, que é entendido por uma certa elite
como sinônimo do presidente da vez).
Nova eutanásia
Embora
a correção tenha vindo depois, fato é que Alain Delon escolheu a
expressão eutanásia. É a mesma malandragem que se faz com a palavra
“aborto” em “aborto aos seis meses”. Um típico defensor da
descriminalização do aborto defende-a pensando em embriões. Um típico
defensor da eutanásia defende-a quando o paciente está tão mal que não
consegue pôr termo à própria vida. No caso da menina estuprada grávida
de seis meses, a questão levantada inclusive pelos pró-vida era: por que
matar o feto, se ele é viável fora do corpo da mãe? Defender “aborto”
de feto formado não é defender aborto; é defender infanticídio.
Infanticídio é uma prática que encontra muito menos defensores do que
aborto (para encontrar defensor de infanticídio, tem que ir a Princeton assistir a aulas de ética.
E eu não estou brincando). Do mesmo jeito, defender a “eutanásia” de
pessoas que têm saúde suficiente para dar fim à própria vida não é
defender eutanásia, é defender o suicídio assistido ou o homicídio de
pessoas insatisfeitas com a própria vida. Esta é uma tese muito mais
radical do que a da eutanásia.
Na
verdade, a “eutanásia” de Alain Delon vem na sequência de mais dois
casos dignos de nota. O primeiro deles é o de Nancy/Nathan Verhelst, que
solicitou eutanásia ao governo da Bélgica e conseguiu, morrendo aos 44
anos em 2013. Verhelst nasceu mulher entre vários irmãos homens, era
destratada em função do seu sexo e tentou resolver seus problemas de
autoestima mudando-o. Tomou hormônios, fez cirurgias para cortar os
seios e criar um pênis falso. Sentiu-se péssima com o resultado, ficou
com o corpo irremediavelmente danificado e pediu eutanásia em função de
sua incurável miséria psicológica.
Em
2019, a ativista Noa Pothoven, de apenas 17 anos, conseguiu um
substitutivo de eutanásia na Holanda. Ela alegava que, por ter sido
sexualmente abusada na infância, também estava numa miséria psicológica
incurável. Fez campanha por isso com o apoio da mãe – e ninguém tirou a
guarda dessa louca. No fim, a Holanda a deixou morrer por inanição sedada, uma prática considerada diferente de eutanásia por residir mais na inação (deixar de alimentar) do que na ação (dar veneno).
Declínio moral
Assim,
aprendemos que é correto matar vítimas de abuso, e é bem capaz de algum
DSM do futuro recomendar logo eutanásia para aquelas que se sintam mal
com estupro. Quem não for feliz ao corredor da morte será considerado
negacionista anticiência, pois mil papers atestarão que até agora a taxa
de insatisfação dos eutanasiados é nula.
Vejamos
a falta de parâmetros morais em questão. Há vítimas de estupro que se
matam; há outras que dão a volta por cima. Por que dizer que uma opção é
tão boa quanto outra, em vez de, como sempre, considerar que dar a
volta por cima é a meta? No atual estado de coisas, a vítima de estupro
que quiser se suicidar é livre para isso. Nós é que não somos livres
para ajudá-la a se suicidar, nem para matá-la, nem para incitá-la ao
suicídio. Em vez disso, nossa ação está obrigada a se orientar pela
volta por cima.
Alain
Delon disse que é o racional ter eutanásia aos 86 anos. Se aceitarmos
que isso é o racional, então Clint Eastwood estar vivo – e realizando
projetos – aos 91 anos é uma irracionalidade. Até quando o mundo pautado
pela Ciência vai permitir irracionalidades?
E
é uma coisa macabra o fato de a primeira eutanásia dessas ser a de uma
destransicionada. Na época não havia um termo para isto; hoje, há no
mundo rico um Detrans Awareness Day,
ou Dia da Consciência Destransicionada, que alerta para a maneira
precipitada como adolescentes com problemas mentais são levados à
mudança de sexo. Sobretudo as do sexo feminino.
Ao
menos essas moças foram vitimadas na adolescência. Nos Estados Unidos, a
peleja é impedir que ideologia de gênero seja ensinada na pré-escola.
Faz-se de tudo para tirar os filhos da guarda dos pais e castrá-los
quimicamente. Depois os adolescentes se matam, as mortes são atribuídas à
transfobia estrutural – mais um motivo para tirá-los de famílias
transfóbicas e inculcar ideologia de gênero na sociedade. Dá para crer
na boa fé dessa gente? Se os parâmetros éticos fossem os mesmos do
século XIX, o reconhecimento do contágio social da disforia de gênero
implicaria o silêncio sobre o tema na grande mídia, e esse seria um
assunto de psicólogos e médicos.
As
demandas medicamentosas da ideologia trans criaram um tremendo
incentivo financeiro para as farmacêuticas. Assim, nos EUA os seguros
estão sendo obrigados a cobrir mudança de sexo; na Europa e no Brasil, a
saúde pública também faz. Pelo andar da carruagem, bem podemos ter o
programa Minha Eutanásia, Minha Vida, com veneno público, gratuito, de
qualidade, superfaturado. A TV terá uma novela para combater o
preconceito contra pessoas que querem fazer eutanásia. Nas histórias
infantis, uma Bele Adormecide Não-Binárie prefere não acordar para
salvar o planeta, reduzindo a pegada de carbono, em vez de se sujeitar
ao machismo estrutural e à cisnormatividade.
Letrados frívolos
É
evidente que há algo de muito errado no Ocidente, e que o progressismo
está matando impunemente. Castra adolescentes, mata fetos, incita à
obesidade e agora à morte direta. Ainda assim, sempre haverá quem ache
que é seu papel pensar o mundo apenas com base em premissas abstratas,
sem levar em conta os fatos que se estatelam diante dos nossos narizes.
Não adianta mostrar nada disso. Se o libertário acha que o suicídio
assistido é uma consequência lógica de suas premissas, matizá-las ou
mudá-las está fora de questão. O que importa é correr às redes sociais e
jogar confete em cima de Alain Delon junto com os lacradores.
Tudo
com base em muita ciência, muito progresso. Como se a Wertherfieber não
fosse fenômeno conhecido pela ciência há muito. E ai de quem os mandar
ter uma pulga atrás da orelha: essa gente passiva acha que toda gente
mal-intencionada publica uma carta de más intenções, e quem cata más
intenções não-declaradas é conspiracionista.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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