É claro que os gênios da música - europeia, branca, masculina e quase sempre cristã- não iam escapar dos expurgos politicamente corretos. Vilma Gryzinski:
Ninguém
espera que, hoje, um artista pinte como Monet ou esculpa como Rodin,
mas a música ocupa um lugar tão único que o piano continua a ser tocado
como Chopin o fazia. Ou Beethoven. Ou algum dos outros grandes mestres
cuja genialidade paira acima de inovações, sem que isso signifique que
tenha parado no tempo.
Ou
pairava. Depois de sobreviver a tantas tentativas de desconstrução, a
música clássica agora enfrenta um novo destino: o exílio.
É
“cada vez mais comum na musicologia” a visão de que “as obras musicais
do século XIX são produto de uma sociedade imperial e que o cânone da
música clássica precisa ser descolonizado”.
Foi
com esta conclusão que Paul Harper-Scott, um conhecido professor de
história e teoria musical do Royal Holloway, parte da Universidade de
Londres, decidiu simplesmente abandonar o mundo acadêmico.
Como
está de saída, o professor de 43 anos não economizou nas palavras.
Disse que por causa das análises distorcidas, os departamentos de música
podem vir a “parar de ensinar Beethoven, Wagner e companhia”, com base
na “convicção francamente insana de que isso de alguma maneira melhore
as condições de vida dos desprivilegiados economicamente, socialmente,
sexualmente, religiosamente ou racialmente”.
“Se
as universidades se tornarem um lugar onde o compromisso com o
ceticismo e o pensamento crítico se torne crescentemente impossível,
deixarão de servir a qualquer função útil. Não estou otimista”,
desabafou o professor.
Pode
parecer exagero, mas o movimento de “descolonização” – ou
desmasculinização ou desbranqueamento – que começou pelos departamentos
de literatura, hoje alcança todas as esferas do mundo acadêmico. É claro
que a música, como ápice da arte europeia, ocidental e cristã, não
escaparia dos novos cânones politicamente corretos.
Cedendo,
alegre ou covardemente às bases, professores de Oxford já disseram no
começo do ano que cursos de música onde são ensinadas as obras de
Beethoven e Mozart têm um foco excessivo na “música europeia branca do
período escravagista”.
Como
esta última designação abrange toda a história da humanidade, tendo
começado a ser repudiada por obra do pensamento ocidental avançado, é
possível que a nova inquisição queira um mundo sem música (ou talvez só
com música atonal, o que é praticamente a mesma coisa).
Do
outro lado do Atlântico, na Universidade de Delaware (onde estudou Joe
Biden), o diretor do Departamento de Música, Paul Head, “reconhecendo”
que os alunos selecionados por currículo e apresentações acabam tendo
muitos estudantes com formação em música ocidental (o curso é de música,
certo?). A alternativa seria “mudar o currículo para dar aos estudantes
a liberdade de estudar outros gêneros de música fora a clássica”.
Ah, sim, o sistema de notação musical, escreveu um aluno no. Jornal da faculdade, também tem um pé na supremacia branca.
E
os fenomenais músicos negros americanos que criaram o jazz
apropriando-se brilhantemente de tudo, dos hinos religiosos à música
clássica? E os musicistas asiáticos que se tornam estrelas? E uma Jessye
Norman? E o mestiço Carlos Gomes?
“Sou
um tupi tangendo um alaúde”, escreveu Mário de Andrade sobre a pororoca
cultural que nos produziu. Pelos padrões atuais, provavelmente ele
também vai, ironicamente, para a categoria supremacista branco.
É curioso imaginar o que ele diria ao ver a civilização ocidental se suicidar sem nem poder ouvir um Réquiem de Mozart.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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