O grande equívoco da imprensa é deixar de lado a informação e assumir, mesmo com a melhor das intenções, certa politização das coberturas. Carlos Alberto Di Franco para o Estadão:
Jornalismo
é a busca do essencial, sem adereços, adjetivos ou adornos. O
jornalismo transformador é substantivo. Sua força não está na
militância, mas no vigor persuasivo da verdade factual e na integridade e
no equilíbrio da sua opinião. A credibilidade não é fruto de um
momento. É o somatório de uma longa e transparente coerência. É um ativo
difícil de ganhar e fácil de perder.
A
sociedade está cansada, exausta do clima de radicalização que tomou
conta da agenda pública. Sobra opinião e falta informação. Os leitores
estão perdidos num cipoal de afirmações categóricas e pouco
fundamentadas, declarações de “especialistas” e uma overdose de
colunismo militante. Um denominador comum marca o achismo que invadiu o
espaço outrora destinado à informação qualificada: a politização.
A
forte presença popular – não de baderneiros, mas de brasileiros comuns
com suas famílias – nas manifestações do 7 de Setembro pediria uma
leitura correta e manchetes adequadas aos fatos. Não foi o que
aconteceu. Dois equívocos afloraram nas chamadas de alguns veículos. O
primeiro deles foi simplesmente desqualificar os participantes de um
evento pacífico como radicais e desconsiderar o que ocorreu.
Como
salientou editorial do jornal Gazeta do Povo, também não há como
ignorar que, além dos que foram às ruas, houve muitos outros que
compartilharam de uma mesma insatisfação quanto ao futuro das liberdades
democráticas no Brasil e quanto aos excessos recentes cometidos pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) – excessos que, surpreendentemente,
continuam ignorados ou são até aplaudidos por setores da imprensa e da
sociedade, incapazes de compreender o apagão da liberdade de expressão
em curso no Brasil. Os abusos dessa liberdade existem, mas precisam ser
identificados corretamente e coibidos nas instâncias adequadas; o que
está havendo, no entanto, é uma repressão generalizada, dirigida
indiscriminadamente contra um único lado do espectro ideológico, em que
uma corte acumula funções de vítima, investigador e julgador, além de
implantar um “crime de opinião” no País.
Protestar
contra os excessos do STF não configura ação antidemocrática. Trata-se,
ao contrário, de manifestação explícita de defesa da democracia. O
discurso destemperado e fora de tom do presidente da República não
poderia servir de pretexto para construir uma narrativa de costas para a
realidade. Bolsonaro, ele mesmo, se deu conta do tamanho do estrago e
recuou.
A
radicalização é tóxica. Faz mal às relações familiares e pessoais,
empurra políticos e autoridades para uma guerra que destrói pontes e
compromete consensos mínimos para o funcionamento dos Poderes. E também
faz grandes estragos na credibilidade dos meios de comunicação.
Em
tempos de ansiedade digital, a reinvenção do jornalismo reclama
revisitar alguns valores essenciais: amor pela verdade, paixão pela
liberdade e uma imensa capacidade de sonhar e de inovar. Eles resumem
boa parte da nossa missão e do fascínio do nosso ofício. Hoje, mais do
que nunca, numa sociedade polarizada e intolerante, precisam ser
resgatados e promovidos.
A
democracia reclama um jornalismo vigoroso e independente. Comprometido
com a verdade possível. O jornalismo de qualidade exige cobrir os fatos.
Não as nossas percepções subjetivas. Analisar e explicar a realidade.
Não as nossas preferências, as simpatias que absolvem ou as antipatias
que condenam. Isso faz toda a diferença e é serviço à sociedade.
O
grande equívoco da imprensa é deixar de lado a informação e assumir,
mesmo com a melhor das intenções, certa politização das coberturas. Os
desvios não se combatem com o enviesamento informativo, mas com a força
objetiva dos fatos e de uma apuração bem conduzida.
O
jornalismo sustenta a democracia não com engajamentos espúrios, mas com
a força informativa da reportagem e com o farol de uma opinião firme,
mas equilibrada e magnânima. A reportagem é, sem dúvida, o coração da
mídia.
Os
leitores, com razão, manifestam cansaço com o tom sombrio e negativo
das nossas coberturas. É possível denunciar mazelas com um olhar
propositivo. Em vez de ficarmos reféns do diz que diz, do blá-blá-blá
inconsistente do teatro político, das intrigas e da espuma que brota nos
corredores de Brasília, que não são rigorosamente notícia, mergulhemos
de cabeça em pautas que, de fato, ajudem a construir um País que não
pode continuar olhando pelo retrovisor.
Não
podemos viver de costas para a sociedade real. Isso não significa ficar
refém do pensamento da maioria. Mas o jornalismo, observador atento do
cotidiano, não pode desconhecer e, mais do que isso, confrontar
permanentemente o sentir das suas audiências.
A
internet, o Facebook, o Twitter e todas as ferramentas que as
tecnologias digitais despejam a cada momento sobre o universo das
comunicações transformaram a política e mudaram o jornalismo. Queiramos
ou não. Precisamos fazer a autocrítica sobre o nosso modo de operar. Não
bastam medidas paliativas. É hora de dinamitar antigos processos e
modelos mentais. A crise é grave. Mas a oportunidade pode ser imensa.
BLOG ORLANDO TAMBOSSI
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