MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 22 de janeiro de 2023

O melhor argumento da monarquia

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

O livro do príncipe Harry tem mais sentimentos que O Meu Pé de Laranja Lima, e não num bom sentido. Me peguei desejando que o príncipe William tivesse batido mais vezes no irmão menor. A crônica de Alexandre Soares Silva para a Crusoé:


Resolvi ler o livro de memórias do Príncipe Harry, Spare (em português, O que Sobra), pra ver se continuava monarquista depois disso.

É, sou monarquista. Não um monarquista filosófico, reflexivo, sensato, com quem até dê gosto conversar. Mais uma espécie de monarquista por instinto. Não vou saber argumentar com você se você vier defendendo a república, vou só sorrir e oferecer mais bebida.

Até li os argumentos em defesa da monarquia, e sei alguns que não são ruins. O problema é que, como os argumentos que provam a existência de Deus, eles são bons mas não convencem ninguém. Nenhum argumento racional convence ninguém de nenhuma coisa, jamais.

Você já disse no meio de uma conversa: “Ah tá, entendi o seu ponto agora, você tem razão, e eu estava errado”? Eu disse, uma vez, mas foi só pra ver a cara de surpresa da outra pessoa. Quando percebemos o nosso erro numa conversa, disfarçamos e fazemos algum esforço pra desperceber. Nossos cérebros são muito eficientes em desperceber coisas.

Bom, se os nossos cento e trinta e três anos de república não servem de argumento irrespondível em favor da monarquia, nada serve. Se você olha para esses cento e trinta e três anos de república (Revolta da Vacina, dinheiro na cueca, José Sarney) e acha que a ideia de monarquia é que é bizarra e ridícula, é inútil argumentar com você.

Mas me deixe falar do livro do príncipe Harry. Estava enrolando pra entrar no assunto porque o livro é tão chato quanto você imaginou que seria. Mas quero só falar duas coisas:

1) O Império Britânico foi construído à base do “stiff upper lip” — “lábio superior rígido”, se formos traduzir literalmente (significando estoicismo, austeridade, controle dos próprios sentimentos). Isso era verdade especialmente para a aristocracia, onde qualquer demonstração de sentimentos era considerada de mau-gosto (“coisa da classe média”). Mas o príncipe Harry, um pouco seguindo a linha kitsch da mãe, a princesa Diana, tem tão pouco controle dos sentimentos que seu lábio superior, longe de ser rígido, parece estar num permanente ataque epiléptico. Tudo no seu livro é sentimento, sentimento, sentimento. “Por que meu irmão William não percebia como eu me sentia?” “Eu estava nervoso, lutando para manter minhas emoções sob controle…” – e por aí vai, 416 páginas disso.

Um livro com mais sentimentos que O Meu Pé de Laranja Lima. E não num bom sentido. Me peguei desejando que o príncipe William tivesse batido mais vezes no irmão menor.

2) Estou convencido que só três pessoas no mundo todo leram esse livro do início ao fim: J.R. Moehringer, o escritor contratado pelo príncipe para escrever o livro (e só leu o livro porque é inconveniente escrever de olhos fechados); o próprio príncipe, que aposto que só leu o livro quando foi gravar a versão em audiobook (dá pra ouvir a surpresa na sua voz ao chegar em alguns trechos); e o primeiro resenhista que criticou o livro para um jornal (seja ele quem for).

Todos os outros jornalistas devem muito a esse primeiro e diligente jornalista, o Jornalista Número 1, porque ele que se deu ao trabalho de ler o negócio e citar os trechos mais salientes ou ridículos. Tudo que os outros tiveram que fazer depois foi citar esses mesmos trechos. É o meu método também. Corri os olhos pelo livro, li umas vinte páginas, mas a verdade é que estou lendo uns livros tão bons (um romance de espionagem e uma história da Grécia) que fui adiando o momento de ler a porcaria do livro do príncipe e agora é tarde demais, de modo que vamos fingir que eu sou a quarta pessoa no mundo que leu o livro.

A informação mais chocante contida no livro do príncipe, e que vocês já devem ter visto noticiado em algum lugar, é a de que ele estava em Brasília na invasão do dia 8 de janeiro. Para citar direto do livro:

“…só de zoeira (just for fun), segui a multidão pra dentro da Câmara dos Deputados. Foi então que vi minha mãe, a princesa Diana, a dois metros de mim. Ela parecia dourada, luminosa. Estaria eu alucinando? Era ainda efeito do ayahuasca que tinha tomado dois meses antes? Não: olhei melhor e vi que era uma estátua de bailarina, que parecia carregar em si o espírito e a graça de mamãe. Num gesto ousado, arranquei a estátua do pedestal e a coloquei dentro da minha jaqueta. “Rápido, Harry! Por aqui!”, disse meu novo amigo brasileiro, Carluxo…” (da página 235 de O que Sobra, Objetiva, 1a edição.)

(Isso é verdade? Isso é realmente uma citação do príncipe? Como vou saber, se não li o livro?)

Para tirar qualquer dúvida: sim, continuo monarquista mesmo depois de ler esse livro um pouco cretino e chorão. Perto de qualquer figura da história da nossa república, o príncipe Harry é um exemplo de virilidade, lealdade, estoicismo, candura, bom-gosto, discrição, etc etc etc.
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