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'Fuga para a Vitória', mais que um filme sobre futebol, era uma primeira introdução à nobreza de espírito. João Pereira Coutinho para a FSP:
Conheci Edson Arantes do Nascimento
quando tinha sete ou oito anos, pela mão do meu avô. Perto de casa, um
cinema exibia "Fuga para a Vitória", um dos mais deliciosos e
idiossincráticos filmes de John Huston.
Para o meu avô, Pelé era o segundo maior jogador da história do futebol.
O primeiro, claro, era Eusébio. Pelo menos, ele dizia isso em público.
Privadamente, eu sei que a história era outra. Mas divago.
Da
esq. para a dir., os atores Sylvester Stallone, o jogador de futebol
Pelé e Michael Caine em cena do filme 'Fuga para Vitória', de John
Huston - Divulgação
Então
fomos. Naquele tempo, os cinemas eram arcas de Noé, gigantescos e com
fauna diversa, onde era possível fumar do princípio ao fim. O público,
esse, comentava a história em voz alta, dava indicações aos atores —e,
se gostasse, aplaudia.
Foi ali, por entre a bruma do vício, que Pelé me apareceu pela primeira vez, na pele de Luis Fernandez, um nativo de Trinidad e Tobago, prisioneiro de um campo de concentração nazista em plena França —e um gênio do futebol. Faz sentido?
Nenhum.
Mas que interessa? O que interessa é a força da história: um grupo de
prisioneiros aliados aceita o desafio de jogar uma partida de futebol
contra um time alemão. Para os nazistas, o jogo é um excelente ato de
propaganda, uma forma de mostrarem seu lado humano e tolerante.
Para os aliados, é uma oportunidade para fugirem, no intervalo do jogo, através de um túnel escavado por baixo do estádio.
O jogo começa. Pelé deslumbra. A Alemanha, mais forte, vai vencendo. Chega o intervalo. Que fazer? Fugir, conforme o plano?
Ou ficar, jogar e derrotar os nazistas?
A
equipe se divide. Pelé não se conforma. "Se fugirmos agora", diz ele,
"perdemos mais que um jogo". Palavras proféticas, que ainda hoje ressoam
na minha memória infantil.
O
time volta para o gramado, Pelé supera a sua lesão e faz um gol de
bicicleta, arrancando aplausos do próprio oficial nazista. No cinema,
escusado será dizer, todo mundo aplaudia também.
Aos
sete ou oito anos, "Fuga para a Vitória" não era apenas um filme sobre
futebol. Era uma primeira introdução à nobreza de espírito: aquela
qualidade humana que nos eleva acima do horror.
E,
no centro do palco, Pelé. Quando o técnico John Colby (inesquecível
Michael Caine) pede aos jogadores que não corram demasiado, caso
contrário não vão aguentar os 90 minutos, Pelé se levanta e explica como
vai jogar: sem amarras e sem temor. No fundo, sem comprometer a sua
liberdade.
Na hora da morte, cada um terá o seu Pelé. O meu é cinéfilo, humilhando com seu talento a sinistra sombra da suástica.
Espero
que o meu avô, que partiu primeiro, não se esqueça de lhe agradecer lá
em cima por aquela sessão de matinê. Tenho a certeza que até o Eusébio
vai compreender.
Postado há 10 hours ago por Orlando Tambosi
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