A busca realizada no palacete do ex-presidente, à procura de documentos oficiais, aconteceu contra o pano de fundo de abusos gritantes. Vilma Gryzinski:
É duro admitir que o mitológico FBI,
a polícia federal americana, objeto de tantos filmes e séries que o
consagraram como uma instituição acima de qualquer suspeita na busca da
verdade e da justiça, tem hoje a reputação chamuscada.
Por causa desse histórico recente de atitudes abusivas em relação a Donald Trump,
é legítimo levantar dúvidas sobre a busca feita em Mar-a-Lago, o
idílico palacete à beira mar que é uma mistura de clube e casa, onde o
ex-presidente fixou residência depois de deixar a Casa Branca.
Do
ponto de vista legal, foi tudo correto: os policiais tinham um mandado
judicial e estavam agindo profissionalmente quando vasculharam ao longo
de nove horas a ala residencial da mansão de 128 aposentos, incluindo o
closet de Melania Trump – imaginem o tamanho – e o porão onde estavam
guardadas as dezenas de caixas, agora confiscadas, que propiciaram a
busca.
Através
de seus inúmeros contatos na imprensa, o FBI espalhou que a operação
está relacionada a uma iniciativa dos Arquivos Nacionais, que buscam
cartas, presentes e documentos que deveriam ser destinados a eles, não
guardados privadamente por Trump. Os agentes levaram também mapas,
slides para palestras, o menu de uma festa de aniversário e até um
guardanapo do tipo usado em coquetéis.
Mas a documentação que justificou o mandado está sob sigilo, inacessível inclusive aos advogados de Trump.
Anteriormente,
Trump havia cooperado com agentes do FBI que investigavam o diferendo a
respeito dos documentos presidenciais, convidando-os a verificá-los
pessoalmente em Mar-a-Lago.
É claro que, depois da busca e apreensão, Trump subiu nas tamancas, figuras importantes do Partido Republicano
condenaram a operação, trumpistas de raiz se congregaram em frente o
palacete clamando por resistência armada e advogados simpáticos à causa
argumentaram que os documentos poderiam ter sido obtidos de “maneira
menos invasiva”.
“O
desrespeito pelas normas tradicionais e a falta de preocupação pela
aparência de propriedade indicam que até o verniz de independência e
objetividade foi abandonado”, bufou Mark Ruskin, ex-FBI e ex-procurador
de justiça.
Apesar
do óbvio partidarismo, os críticos têm razão num ponto vital: o FBI
abandonou completamente a imparcialidade exigida aos agentes da lei em
várias oportunidades. A de maior repercussão foi a investigação sobre a
jamais comprovada conexão Rússia. O FBI usou um dossiê falso, feito por
um colaborador pago, para justificar a investigação. Inúmeros e-mails de
agentes de cargos superiores indicaram que havia um propósito político
declarado de “acabar” com Trump.
O
caso mais notório foi o de Peter Strzok, agora um ex-agente, que
trocava mensagens com uma advogada do alto escalão, Lisa Page, com quem
tinha um caso extraconjugal, na base do “ele não”.
O
rigor demonstrado com Trump se contrapõe à lassidão em relação a
Hillary Clinton. Milhares de emails trocados quando ela era secretária
de Estado foram literalmente eliminados, incluindo 100 de conteúdo
sigiloso, 65 marcados como “secretos” e 22 como “altamente secretos”.
Infamemente,
ela mandou instalar um servidor num banheiro de sua casa em Chappaqua,
no estado de Nova York, usando-o para mensagens oficiais que teriam
obrigatoriamente que passar pelo sistema oficial de comunicações.
Discos rígidos e celulares foram literalmente destruídos a marteladas.
Detalhe
interessante: foi um escritório de advocacia contratado para assessorar
o comitê eleitoral de Hillary, que contratou o dossiê contra Trump.
Sobre os e-mails eliminados, o FBI concluiu que tinha havido extrema negligência, mas o caso estava encerrado.
O
episódio dos documentos presidenciais é separado da investigação sobre
práticas comerciais suspeitas feita pela promotoria do estado de Nova
York. Ontem, Trump foi convocado a prestar depoimento e não respondeu às
perguntas, alegando o direito de não produzir provas contra si mesmo. É
possível que a comissão parlamentar de inquérito sobre a invasão do
Congresso acabe levando o Departamento de Justiça a abrir uma terceira
frente judicial contra Trump, entre outros casos menores.
Como
o ex-presidente tem um estilo reconhecidamente tumultuado, nem sempre é
fácil distinguir investigações imparciais de ânimo revanchista.
A
hipótese bastante concreta de que ele seja o candidato republicano à
eleição presidencial de 2024 torna torna todas as ações jurídicas
simplesmente incandescentes.
O
fato de que o FBI tenha se conduzido de maneira comprovadamente
comprometida em ocasiões anteriores não significa que Trump não tenha
algum ilícito a esconder.
Mesmo
que isso viesse a ser exposto, os trumpistas jamais deixariam de
acreditar que tudo não passa de uma jogada para tirá-lo da corrida
presidencial no tapetão.
Se
a eleição fosse hoje, Trump ganharia por 45% contra 41% para Joe Biden.
É o cenário perfeito para incendiar todas as ações na justiça que
envolvem o ex-presidente.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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