Às vezes a campanha contra a pobreza e a doença é uma campanha contra os pobres e os doentes. E o planeta sem dúvida importa mais do que eles. Bruna Frascolla paa a Gazeta do Povo:
Uma
senhora bem nascida, que certamente foi bem alimentada na infância e
ganha num mês mais do que um sertanejo beneficiário de bolsa família
ganha num ano, passa num concurso de procuradora no Nordeste, vai para o
sertão e alega que carne é cara, de modo que as escolas públicas têm
que parar de oferecê-la às crianças. Tem-se uma vilã tão perfeita, mas
tão perfeita, que parece inventada. E mais: inventada por um cineasta
bem panfletário, tipo Wagner Moura ou Kléber Mendonça. A procuradora é
branca? É, sim. Branca feito um papel. Então pronto: no sertão do estado
mais africano do Brasil, uma rica encastelada no Estado abusa de seu
próprio poder e ordena: “Que comam carne em casa com seu dinheiro”. Tem-se um roteiro para um filme caviar gauche a ser exibido em Berlim e Paris.
No
entanto, não só essa senhora é real, como não deu em nada. Só um jornal
“de direita”, fundado no Paraná, reclamou. A beautiful people do
principal jornal baiano, o Correio, achou tudo muito bonito. Não deu um pio criticando – nem mesmo quando a Escola Bahiana de Medicina destacou o caráter experimental do arbítrio ao
anunciar que as crianças seriam objeto de estudo. Experimentação com a
saúde de crianças pobres e mulatinhas: coisa de nazista.
A esquerda é uma desgraça
No
ano de 2022, no Brasil, podemos olhar esse caso e dizer, com razão, que
a esquerda é uma desgraça. Porque nós sabemos que – ao menos agora, em
2022 – as pautas da “sustentabilidade” (i. e., neomalthusianismo
genocida travestido de ambientalismo) e da “diversidade” (i. e., cotas
baseadas em ideologias de gênero e de raça) andam de braços dados. Se
Lula antes celebrava o churrascão do povo como signo de sucesso, agora
já diz que a classe média brasileira não pode ter mais conforto que a europeia (que
tempos!), e toma lições com a Janja para não ofender os veganos. A
missão da esquerda, hoje, não é cuidar do trabalhador, é cuidar do
“planeta”. Em vez de pedir salário bastante para um pai de família
bancar mulher e filharada, ou licença maternidade e creche para as mães
trabalhadoras não deixarem os filhos sem guarida, a esquerda hoje pede
direito à castração e ao aborto. A esquerda hoje é uma ideologia 100%
antipobre, capitalista selvagem e patronal.
No
entanto, ela costuma se mascarar. Veja bem, não é que seja a favor de
um trabalhador não ter capacidade de manter o lar com uma mulher dona de
casa – é a favor da libertação da mulher das amarras do casamento. Veja
bem, não é que seja a favor de uma trabalhadora não ter capacidade de
alimentar os filhos com o salário – é a favor da libertação da mulher
das amarras da maternidade. Veja bem, não é que seja a favor de
interferir nos preços e achatar salários de modo que os trabalhadores
não possam ter um carro e se alimentar de modo saudável, com a vitamina
B12 do bifinho ajudando a desenvolver o cérebro das crianças – é tudo
para salvar o planeta. Do contrário, a gasolina dos carros e o pum da
vaca vão acabar com o planeta!! Peter Singer diz que carne é um luxo (e
que macacos são pessoas racionais
capazes de se comunicar igual a surdos-mudos), então só pode ser
verdade. Em nome do futuro das crianças, cortem os bifinhos das
crianças!
Veja
bem, não se trata de dizer que o trabalhador não deve ter um conforto
financeiro caso caia doente e, portanto, deve morrer tão logo cesse a
sua produtividade. Trata-se do direito à morte digna, à eutanásia! Por
isso é que o Canadá a custeia: porque é bom e compassivo.
Liberal de modess é uma desgraça
Eu
disse que hoje, em 2022, a esquerda é uma desgraça; mais precisamente, é
essa desgraça da “sustentabilidade” mais “diversidade”, que vem sendo
implementada de cima a baixo por capitalistas selvagens, monopolistas, via ESG.
Essa gente faz do Estado um puxadinho das corporações: seja ele um
comprador de modess a serem distribuídos, ou um Leviatã a congelar as
contas bancárias de quem não quiser aderir à compliance público-privada.
Não tomou a vacina de Covid comprada com o seu dinheiro e fez protesto
contra a obrigatoriedade? Trudeau congela suas contas bancárias e lhe
bota na cadeia.
Pois
muito bem: o Novo, partido cujos financiadores eram ligados ao Itaú,
que usou as assinaturas dos bolsonaristas para ser aberto e depois os
expulsou, agora lança sua chapa puro sangue à presidência. O ponto chave
do seu plano de governo é transformar o Brasil num país verde de carbono zero.
Não,
não importa o que o Sri Lanka vive atualmente. Não, não importa que a
política verde do Sri Lanka tenha sido bolada por uma intelectual
querida pelo MST.
Não
faz sentido dizer que o Novo é de esquerda (como diriam os tios do
zape), nem que o MST é neoliberal (como diriam o PCO e similares).
Trata-se de uma ideologia à parte que deglute tudo. Que se infiltra na
esquerda e na direita; no Estado e nas universidades.
Mesma linguagem
Voltemos
à procuradora que deixou as crianças sem carne, ovos e leite. Se
repetíssemos a retórica anticomunista comum, deixaríamos passar batido o
elefante na sala: o linguajar liberal dela. A mesma agenda que se
disfarça de esquerda usando a linguagem dos direitos – direito a não
cuidar dos filhos, a abortá-los, a cortar fora as próprias tetas ou o
próprio pênis, a ser morto por um médico quando estiver dando prejuízo
ao Estado ou ao patrão –, disfarça-se também de liberal usando a
linguagem da economia. Quer fazer algo diferente da Única Agenda
Legítima? Pois só com o seu dinheiro, já que a Voz da Siença determinou
que comer carne é anticientífico, e o Estado deve se guiar pela Siença –
ou por alguns especialistas pinçados, o que dá na mesma. Assim como a
esquerda sacrificou o trabalhador no altar do progressismo, o
liberalismo sacrificou a democracia. Agora quem nos é apresentado como
mandante legítimo é uma ciência corrupta.
A linguagem da procuradora tem um precedente bastante reconhecível no livreto de R. C. Christian, o autor das Pedras Guias da Geórgia
de que tratei neste texto. Como vimos, o mandamento mais sinistro é o
primeiro, de manter a humanidade abaixo do meio bilhão. No livro Common
Sense Renewed, ele se explica: “A reprodução não é mais uma questão
pessoal entre dois indivíduos. Mais do que qualquer outra ação humana,
ela afeta toda a sociedade, agora e em eras futuras” (p. 25). Até aqui, o
linguajar é palatável à esquerda totalitária. No entanto, o parágrafo
imediatamente anterior começa com um linguajar liberal econômico
individualista e de austeridade fiscal: “As nações industrializadas
estão sob um fardo cada vez maior de custos sociais e monetários de
criar filhos produzidos por pais irresponsáveis e inadequados. Isto é
uma grave injustiça contra tais crianças e contra os pagadores de
impostos que estão sob o peso dos custos de dar-lhes comida, roupa,
educação e habitação”.
O
teor da conclusão dele está em completa oposição tanto ao liberalismo
quanto à esquerda histórica. O liberalismo é contra o planejamento
centralizado; a esquerda, a seu turno, sempre quis planejar o possível e
o impossível tendo apenas o homem em vista – não as baleias ou o
carbono.
Leiamos
mais: “A sociedade pode prover incentivos e desincentivos práticos para
guiar os indivíduos em sua procriação de modo a proteger os interesses
legítimos e de longo prazo de um grupo social maior. Isto deve ser
feito, ainda que às vezes os desejos dos indivíduos tenham de se
submeter às necessidades do estado [em minúscula mesmo]. Compromissos
razoáveis podem alcançar um equilíbrio entre os direitos do indivíduo e
os dos outros cidadãos”. Este parágrafo é vago e formulado em
conformidade com o vocabulário corrente nos dias de hoje. Poderia ter
sido escrito por alguém do Novo ou do PSB. Pode soar moderadíssimo,
razoabilíssimo. O problema é que o pretenso iluminado que o redigiu – e
os pretensos iluminados que o leem – creem estar de acordo quanto ao que
é razoável. E assim segue o documento: “A humanidade teve sucesso ao
aplicar princípios genéticos práticos na domesticação de plantas e
animais. Agora está sob o nosso poder começar a domesticação da nossa
própria espécie. […] Nenhum bebê deveria nascer por acidente”. E quanta
gente deveria existir nesse mundo maravilhoso? Menos de meio bilhão,
mesmo: “Os excessos na procriação amiúde resultam em degradação e
pobreza. Seria difícil, até no curto prazo, prover cinco bilhões de
seres humanos com os padrões materiais atuais, típicos das sociedades
tecnicamente avançadas de hoje. Uma redução no número total é essencial
para maximizar o potencial de todo ser humano. […] Prover 500 milhões de
pessoas com os padrões de vida americanos pode exceder aquele limite
numa escala temporal perpétua”.
Às
vezes a campanha contra a pobreza e a doença é uma campanha contra os
pobres e os doentes. E o planeta sem dúvida importa mais do que eles.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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