BAHIA NOTICIAS
por Fernanda Mena e Caue Fonseca | Folhapress

Uma faixa de mais de dez metros de altura dividida ao meio foi
instalada na madrugada da última quinta, dia 11 de agosto, em um dos
pontos de maior visibilidade da saída de Porto Alegre (RS).
Um lado amarelo, com a bandeira do Brasil no topo, outro lado
vermelho, com a foice e o martelo cruzados, ícones do comunismo, o
painel gigante opõe em cada metade "vida" versus "aborto", "bandido
preso" versus "bandido solto", "valores cristãos" versus "ideologia de
gênero", "liberdade" versus "censura".
Ainda do lado amarelo, "agro", "menos impostos", "polícia" e "ordem e
progresso". Do lado vermelho, "MST", "mais impostos", "PCC" e
"narcotráfico". No topo, a frase: "Você decide". No rodapé, o chamado
para os atos marcados para o 7 de Setembro.
O grupo de WhatsApp dos moradores do edifício Caraíba, no viaduto da
Conceição, cuja empena cega ampara a propaganda de desinformação e
alarmismo, amanheceu em polvorosa.
"Houve muita discussão e até briga no grupo do condomínio", conta o
estudante de medicina João Vitor Sperança, 21, que mora no local. "A
grande maioria dos moradores ficou indignada, tem muita mentira.
Queremos que seja retirado e alguns já denunciaram o caso ao TSE
(Tribunal Superior Eleitoral)."
"Tem morador com medo de ser agredido por associação do conteúdo a
quem mora no edifício", conta Sperança, que explica que o condomínio
vendeu o espaço para uma agência de publicidade. "Está o maior rolo
aqui."
A empresa LIFEpoa, responsável pelo comércio do espaço, informou por
meio de nota divulgada em seu perfil numa rede social que veicula
campanhas "desde que estejam de acordo com as normas do mercado
publicitário e com a legislação vigente".
A nota informa ainda que o conteúdo é de responsabilidade dos
anunciantes e que "conviver com simpatia ou rejeição a estas [campanhas]
faz parte da liberdade que deve prevalecer na sociedade". O texto
sugere que o conteúdo do painel é uma questão de opinião e conclui: "E
que Deus abençoe a todos".
"Há uma série de associações tortas e comparações falsas de coisas
que sabemos não terem nada a ver", avalia o estudante de Cuiabá que se
mudou para a cidade para frequentar a faculdade de medicina de Porto
Alegre (UFCSPA).
Para ele, mesmo sem assinatura ou logo, a propaganda tem afinidade
com o bolsonarismo, "que sequestrou a bandeira nacional como símbolo" e
que "trata a esquerda como comunista, associando ela a todos tipo de
fantasma, como o aborto e o MST".
"Isso só mostra que, infelizmente, a gente ainda não evoluiu no
Brasil em certos debates", diz ele, que afirma não ser comunista e que
pretende votar em Lula nas eleições deste ano.
Na tarde desta sexta-feira, a ex-deputada Manuela D´Ávila (PC do B),
que desistiu de concorrer a cargo nas eleições deste ano, postou a
imagem acompanhada da frase "Todas as mentiras das redes ganham as ruas
de Porto Alegre. Isso é criminoso. Quem pagou?".
Leonardo Zigon Hoffmann, sócio da LIFE, disse à reportagem que a
versão original do anúncio tinha a um "Já ir", associado à coluna
amarela, e um "Já era", à coluna vermelha. O bordão "Jair ou Já era" foi
usado por Eduardo Bolsonaro (PL) anteriormente, e faz referência ao
primeiro nome do seu pai, atual presidente e candidato à reeleição. Por
enxergar alusão direta ao candidato Jair Bolsonaro (PL), a peça foi
alterada pelo cliente para então ser aprovada pelo jurídico da LIFE.
Hoffmann diz não estar autorizado a revelar o nome de quem pagou pela
peça ou o valor pago. O preço padrão para um anúncio do mesmo porte
exibido por um mês gira em torno de R$ 89 mil. Já o painel da avenida
Benjamin Constant, uma das principais da zona norte da cidade, custa R$
76 mil.
No caso de ordem judicial para a retirada, o tempo de exibição é
encurtado sem que haja ressarcimento ao cliente. O empresário cita que
já houve anúncios contrários ao presidente (embora assinados) e que, no
próximo mês, firmou uma parceria com o Grupo Universitário para
resguardo do espaço a uma campanha pelo voto consciente. Nesses casos, o
valor do anúncio pode chegar a 10% do normal, e resguarda a empresa de
problemas com a Justiça no período pré-eleitoral.
O vereador Matheus Gomes (PSOL) declarou ter entrado com
representação do seu gabinete contra a peça junto ao TRE (Tribunal
Regional Eleitoral) e o Ministério Público, além da Secretaria Municipal
de Meio Ambiente e Urbanismo, responsável pelo regramento da instalação
de publicidade na capital gaúcha.
A Lei do Mobiliário Urbano impede que se divulguem peças com
"preconceitos de origem, etnia, raça, sexo, cor, idade, religiosidade,
orientação sexual, identidade de gênero e quaisquer outras formas de
discriminação". A legislação também veta calúnias a pessoas, órgãos e
entidades.
"O painel tem exposições caluniosas. É uma contrapropaganda e isso
está fora do padrão", avalia Gomes. "Do ponto de vista político, temos
uma série de elementos que propagam o ódio e incitam a violência contra
setores da sociedade, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o
maior produtor de arroz orgânico do país, associado a organizações
criminosas."
Leonel Radde (PT), candidato a deputado federal que se declara como
policial civil antifascista, disse que o material propaga "calúnias e
fake news" e que vai acionar a empresa.
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