Enquanto subia o Vesúvio, perdi a voz, comecei a chiar como um cachorro e divaguei sobre meu obituário. João Pereira Coutinho para a FSP:
Como eu costumo dizer, tenha filhos antes dos 20 e suba ao Vesúvio antes dos 30. A razão é a mesma —resistência física.
Tive
meu filho quase aos 40. Nos primeiros dois anos de paternidade fui
desenvolvendo uma estranha combinação de espasmos musculares que me
convenceram de uma doença neurológica terminal.
Não era. Apenas fadiga,
curada com repouso e doses cavalares de magnésio. Mas você, leitor,
entende a ideia. As mulheres, até por razões hormonais, adquirem uma
energia extra que vem descrita na literatura científica.
Os homens, sobretudo os maduros, apodrecem aos poucos com a criança nos braços.
O Vesúvio é o mais terrível vulcão
da Antiguidade. Fica perto de Nápoles. No ano de 79 d.C., uma erupção
apagou do mapa algumas cidades célebres da região, como Pompeia e
Ercolano.
Ainda
hoje, caminhando pelas ruínas de Pompeia, é possível ver os habitantes
da altura, na sua última pose, antes de ficarem petrificados.
Nota
mental: se um vulcão entrar em erupção e você não puder fugir, tenha
cuidado com a última pose. Pode ser um documento para a eternidade.
Eu,
por exemplo, tenciono encolher a barriga e ficar em contraposto, como o
"Davi" de Michelangelo; ou talvez em atividade esportiva, como o
"Discóbolo" de Míron.
Mas divago. Ou não —esses pensamentos lúgubres ganharam contornos reais durante minha passagem recente pela Itália. Eis os fatos: minha mulher decidiu subir até o topo do Vesúvio. Estaria preparado para o desafio?
Claro
que estava, disse eu, sem ter entendido bem as consequências da minha
resposta. Ela deu pormenores —só temos que escalar os últimos 400
metros. Do alto, vemos Nápoles, Sorrento, a ilha de Capri —é um cenário
próximo do divino.
Pensei:
400 metros é fácil. Não pensei: está 40ºC, um sol de derreter catedrais
(obrigado, Nelson), e, a caminho dos 50, um dos meus passatempos
favoritos é acordar no meio da noite só para ouvir o estalido dos
joelhos quando estico as pernas.
Chegamos
ao início dos 400 metros. O motorista parou o carro e desejou "boa
sorte". Reparei que olhava para mim com aquele pressentimento que a
mulher de Júlio César deve ter sentido quando ele disse que ia só
conversar com Brutus no Senado.
Os
primeiros 50 metros são relativamente fáceis: você acredita que já
caminhou 300, mas sente um primeiro arrepio quando descobre que só
caminhou 25.
Além
disso, a sua senhora já leva dez metros de avanço, depois 20, depois
30. Seu filho, ainda criança, corre pelo vulcão acima, como se estivesse
brincando no pátio da escola.
Você,
parando aqui e ali ("É só para recuperar o fôlego!", informa, com voz
trêmula, mas já ninguém está escutando), olha para o céu e, na sua
imaginação febril, começa a ver dois abutres afiando a faca e o garfo:
"Eu fico com o fígado". "Não, o fígado é meu, fica com o baço."
A primeira coisa que abandona você é a voz. Por mais água que você beba, é como despejar um copo de líquido no deserto do Saara.
Depois, você perde também a respiração típica de um Homo sapiens. Adquire a chiadeira de um cachorro com asma.
Finalmente,
o pessimismo ataca o seu centro neurológico. Como já sou um pessimista
no meu estado normal, passei diretamente para o obituário. "Colunista
português, 46, encontrado morto e ressequido quando tentava subir o
Vesúvio."
Acho que foi esse pensamento que me alentou. Morrer, todos vamos. Por velhice, doença, acidente ou outro infortúnio banal.
Mas morrer escalando o Vesúvio tem qualquer coisa de romântico, de heroico, de transcendente.
Imagino
meus fãs, sabendo da notícia, e correndo em peregrinação para o sul da
Itália, levando flores e regando a curva fatídica com Johnnie Walker
—Black, por favor.
Mesmo
meus inimigos, na hora da vingança suprema, sentiriam dentro deles uma
inveja homérica. "Ele morreu como um Byron e eu aqui, com pedra no rim."
Com
um sorriso nos lábios, mistura sinistra de vaidade e loucura, sinto
aquele frêmito de energia que costuma atacar os moribundos nos seus
minutos finais.
E, sem dar conta, já estou perto do cume, onde a família me aguarda com ar entediado.
Eu,
feliz por revê-los, abraço os seus corpos assustados e ainda grito:
"Quero ser enterrado de pijama e robe! De pijama e robe!".
E só então desmaio aos seus pés.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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