Sem a razão e o esforço necessários, aumenta o distanciamento entre o sonho e a realidade. Pedro S. Malan para o Estadão:
Os
atos de 11 de agosto de apoio às cartas em defesa do Estado Democrático
de Direito sempre e da integridade do processo eleitoral brasileiro
foram da maior importância. Mostraram ao resto do mundo e a nós mesmos
que o Brasil tem uma sociedade civil capaz de superar divergências e se
expressar quando valores fundamentais que compartilha merecem – ou
precisam – ser defendidos. Mas há um longo e árduo caminho à frente.
“Tudo
o que o Brasil não precisa, para a construção de seu futuro, é de mais
intolerância, radicalismo e instabilidade. Para nos libertarmos dos
fantasmas do passado, superarmos definitivamente a presente crise e
descortinarmos novos horizontes é central a construção de um novo
ambiente político que privilegie o diálogo, a serenidade, a experiência,
a competência, o respeito à diversidade e o compromisso com o País.”
O
parágrafo acima é extraído de documento intitulado Por um polo
democrático e reformista, divulgado em maio de 2018, em que a eleição
daquele ano era referida “talvez como a mais complexa e indecifrável de
todo o período da redemocratização”. A eleição de 2022 e suas
consequências não se anunciam menos complexas.
Todos
os brasileiros e brasileiras são a favor do desenvolvimento econômico e
social do País, da redução da pobreza e desigualdade. Todos, sem
exceção, sabem que isso exige crescimento econômico sustentado, com
baixa inflação, por décadas. Nem todos, no entanto, têm presente um fato
irretorquível: esses objetivos têm como condição sine qua non aumentos
sustentados de produtividade e de eficiência, tanto na economia quanto
no setor público. A aceitação dessa evidência não significa o
apequenamento da Política, dos valores mais altos da vida em sociedade.
Ao contrário, a verdadeira política só tem a ganhar, tanto na visão
tradicional de competição democrática pelo exercício do poder como na
visão republicana do cidadão que não se limita a votar de tempos em
tempos, mas que acompanha com mais decidida atenção as ações dos eleitos
como os representantes do povo.
Todos
reconhecemos a necessidade política de manter sempre acesa a chama da
esperança em dias melhores para todos. Dito isso, o Brasil vem
demonstrando ao longo de sua história que a ousadia necessária para
manter viva essa chama não é a ousadia das promessas e bravatas. É,
diferentemente, a ousadia da busca da eficiência nas várias ações
governamentais; é a ousadia que permite reduzir – não aumentar – os
riscos e as incertezas que afetam os investimentos dos quais depende o
crescimento futuro; é a ousadia da responsabilidade, da
persistência-com-propósito.
Quando
não há discordâncias de vulto sobre os grandes objetivos a alcançar, o
foco da discussão deveria estar sobre as formas mais eficazes de
alcançá-los. Sabendo que há falsos dilemas a evitar e difíceis escolhas a
fazer. Evitando o messianismo salvacionista (dos que se consideram
enviados por Deus em missão na Terra); o voluntarismo explícito dos que
acreditam que tudo é alcançável se houver vontade política; e o puro
exercício de autoridade como solução simples para problemas tão
complexos como os do Brasil de hoje.
Em
entrevista publicada na semana passada (O Globo, 9/8), o economista
Daron Acemoglu – coautor de Por que as nações fracassam (2012) e de O
corredor estreito (2020) – nota o muito que há por fazer para entender
melhor o surgimento, em vários países do mundo, dos populismos de
direita e das respostas simétricas – e igualmente nocivas – a ele. “Não
existe nada inevitável sobre a democracia”, afirma. “Haverá
retrocessos.” E nota que “as futuras ameaças à democracia não vestem
uniforme militar. Elas virão de pessoas ativas nas redes”. Virão também,
por óbvio, do número de seguidores que consigam mobilizar. Esses
ativistas das redes sociais têm sido particularmente bem-sucedidos no
Brasil, como em vários países do mundo.
Umberto
Eco recuperou o discurso feito em novembro de 1938, às vésperas da 2.ª
Guerra Mundial, por um Roosevelt acossado por
nacional-populistas-isolacionistas e seus milhões de seguidores: “Ouso
dizer que, se a democracia americana parasse de progredir como uma força
viva, buscando dia e noite melhorar por meios pacíficos as condições de
nossos cidadãos, a força do fascismo cresceria em nosso país”. Eco
sugere que este seja o mote: “Não esqueçam”.
O
Atroz Encanto de Ser Argentino é o título de um belo livro de Marcos
Aguinis, cuja edição brasileira tem prefácio que tive o prazer de
escrever. O livro, ainda que sofrido em algumas partes, expressa
confiança – a mesma que tenho eu no Brasil – nas reservas morais,
culturais, técnicas e criativas que o país conserva e com as quais
poderá, segundo o autor, ser “criado ou recriado o clima de
racionalidade, esforço e esperança que nos levará adiante”. Vale notar
as duas palavras que precedem a palavra esperança, chave do discurso
político. Sem a razão e o esforço necessários, aumenta o distanciamento
entre o sonho e a realidade, entre a aspiração e a realização, entre a
intenção e o gesto. E entre estes, como diria o poeta, cai a sombra.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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