As relações entre homens e mulheres são sempre complexas, mais ainda numa era em que é preciso 'consentimento verbal' até para olhar. Vilma Gryzinski:
O
gato gruda os olhos, ergue o drink, faz cara de desejo. A gata faz que
não percebeu, dá uma dançadinha, joga o cabelo e acaba cruzando olhares.
Está pronto o cenário para uma aproximação – e tudo mais que pode vir,
ou não vir, depois.
E
se o gato está mais para rato, a menina não se interessa e não retribui
os olhares? Faz parte do jogo da sedução interpretar a linguagem
corporal como um “sim” ou um “não” (obviamente, os gêneros podem ser
invertidos ou até ser da mesma categoria, todo mundo entende o princípio
da coisa). Se a pessoa que é objeto dos olhares cobiçosos não se
interessar, aquele que olha pode continuar fazendo isso até virar
estátua de sal.
Exceto
se for no Club 77, de Sidney, onde foram criadas novas regras: dar uma
encarada só pode se houver um consentimento verbal. Transgressores podem
ser abordados por “funcionários de segurança”, identificados por um
colete cor-de-rosa. Em casos mais recalcitrantes, o gerente chama a
polícia.
A
direção da casa noturna avisou que não quer clientes que a frequentem
com o único objetivo de “ficar” com alguém. Também se sente na obrigação
de “educar novos frequentadores e ajudá-los a entender o que é
considerado comportamento inaceitável no recinto ou na pista de dança”.
A
linguagem pode dar a entender que está se referindo, eufemisticamente, a
frequentadores estrangeiros. Ou pura e simplesmente quem dá “atenção
indesejada” a alguém: “Qualquer interação PRECISA começar com
consentimento verbal”.
Encaradas
muito fixas também estão na mira do metrô de Londres, onde foram
distribuídos cartazes avisando que “olhares intrusivos de natureza
sexual constituem assédio sexual e não são tolerados”.
Obviamente,
existe uma diferença entre um clube noturno e um vagão de metrô. É
difícil encontrar uma mulher que não tenha passado pelo “esbarrão” ou
outro contato físico indesejado em algum meio de transporte. Na maioria
dos casos, a interposição de uma boa bolsa – ou até uma bolsada –
interrompe a ação do elemento abusado, embora esta sempre cause stress.
Mulheres de curvas acentuadas penam ainda mais e, em alguns casos, podem
até achar que são “culpadas” pelo assédio constante.
Mas
como policiar olhares? E como conciliar a proteção ao espaço público a
que toda pessoa tem direito e iniciativas como a do governo da
Catalunha, que lançou uma campanha incentivando o topless nas piscinas
públicas?
“A sexualização das mulheres começa quando elas são jovens e nos acompanha por toda nossa vida”, diz a campanha.
Problema:
seios femininos são realmente atributos sexuais secundários e expô-los
só parece natural em culturas em que a prática é universal.
E
a ideia de que todo mundo acabaria tirando o sutiã do biquíni,
amenizando o elemento de excitação sexual no convívio entre mulheres e
homens na praia, recuou visivelmente por causa do advento dos celulares
onipresentes. Entrar no mar sem nada na parte de cima – em algumas
praias europeias, na parte de baixo também – tornou-se, para muitas
mulheres, um prazer que não compensa o incômodo de saber que as câmaras
dos celulares estão em ação o tempo todo.
Como definir fronteiras é uma questão que as sociedades vão discutindo ao longo do tempo – às vezes, até à frente dele.
Em
maio, a câmara dos deputados aprovou na Espanha uma lei, chamada de
Garantia Integral da Liberdade Sexual, conhecida como “só o sim é sim”.
Foi um “passo decisivo para mudar a cultural sexual de nosso país”, celebrou a ministra da Igualdade, Irene Montero.
Mudar
culturas não acontece por decisões parlamentares, mas a lei foi
incentivada por uma sentença judicial revoltante: o caso “La Manada”, o
de cinco jovens que estupraram uma garota de 18 anos durante uma festa
popular. Nos vídeos que fizeram, ela aparece inerte e de olhos fechados.
Por “ausência do uso da força”, a primeira sentença tratava de abuso
sexual, não estupro. A sentença depois foi modificada e aumentada.
Órgãos
jurídicos foram contra a lei do “só o sim é sim” por considerar que
invertia o ônus da prova e o princípio constitucional da presunção de
inocência.
Quem tem os argumentos mais convincentes?
E
quem se arrisca a encarar o Club 77, a balada onde olhar dá punição se
não passar pelo crivo da aprovação verbal antecipada? Qual a forma de
consegui-la? Perguntando “posso olhar para você?”. E em que momento a
proteção às mulheres se transforma em infantilização de seres frágeis e
vitimizados?
São temas que certamente vão agitar qualquer balada
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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