Laudo confirma afresco inédito de Portinari produzido a 'quatro mãos'

Artista fez obra em Brodowski com outra pessoa, segundo pesquisadores.
Achado reforça pioneirismo e faceta colaborativa do pintor, diz professor.

Rodolfo Tiengo Do G1 Ribeirão e Franca

Obra descoberta por restauradores está na parede onde ficava a varanda da casa (Foto: Antônio Luiz/EPTV)

Uma comissão formada por pesquisadores em arte confirmou a autenticidade de uma obra inédita de Candido Portinari encontrada no interior da casa em que viveu o artista plástico em Brodowski (SP). Segundo laudo emitido este mês pelo grupo ligado ao Projeto Portinari - dedicado ao resgate da vida e da obra do artista plástico -, o afresco que retrata uma mulher segurando um menino no colo foi produzido pelo pintor por volta de 1937 com a ajuda de uma pessoa não identificada. Nesta terça-feira (30), Portinari completaria 111 anos se estivesse vivo.
O trabalho, agora no documento intitulado como "Madona com Menino Jesus", havia sido encaminhado para análise da comissão depois de ser descoberto em maio, sob quinze camadas de tinta, pelo restaurador Júlio Moraes em uma parede onde ficava a varanda da casa, durante uma reforma no Museu Casa de Portinari, no interior de São Paulo.

O grupo formado por Noélia Coutinho, Cláudio Valério Teixeira, Edson Motta Junior e Christina Penna, especialistas no trabalho de Portinari, identificou na figura do menino traços que remetem a um estilo próprio do artista pládtico, mas no restante da obra isso não aconteceu, explica Motta Junior. “Identificamos como uma obra de quatro mãos, dois artistas, Portinari e outro artista. Portinari trabalhou na figura do menino e um artista não identificado, provavelmente algum colega, fez o restante”, afirma o professor na área de conservação e restauração de obras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Evidencia a autoria de Portinari a delicadeza em elaborar sombras no rosto e de acentuar as linhas do nariz, dos olhos e do cabelo, características não encontradas em todo o afresco, afirma o pesquisador. "Cada artista tem sua maneira de pintar. Ao frequentar muito as obras de Portinari, passamos a conhecer a maneira dele pintar."
A descoberta, segundo o especialista, mostra o hábito de Portinari em receber amigos em casa para discutir e produzir arte, reforçando a faceta colaborativa do pintor de “Guerra e Paz”. "Sabemos que ele convidava vários amigos para irem à casa dele em Brodowski e que eles se reuniam para conversar e para pintar."
Mostra também que o artista plástico pode ter sido um dos pioneiros no Brasil na técnica de produção de afrescos. "Ressalta o caráter colaborativo do Portinari, como um professor, que ensina técnicas, como um homem que inova técnicas. O afresco não era uma técnica muito conhecida no Brasil naquela época", diz.
O laudo de autenticidade foi encaminhado para o Museu Casa de Portinari e a obra será catalogada em nome do artista plástico. Portinari tem uma produção registrada de aproximadamente 5,2 mil trabalhos.
Para a pesquisadora Noélia Coutinho, as circunstâncias em que o afresco foi encontrado dão expectativa para que outros trabalhos de caráter experimental do artista plástico estejam escondidos nas paredes da Casa de Portinari. "Acho que pode haver, mas que a gente só comprovaria por fotos antigas, porque ele fez reformas e cobriu algumas obras. Pode haver sim, mas sempre com esse caráter mais de estudo, não uma obra final", afirma.