*Adriano Santos, sócio da Tamer Comunicação Ao acessar as redes sociais, deparamo-nos com um vídeo cuidadosamente produzido: uma avó é surpreendida por um presente simbólico da neta, envolto em emoção e referências afetivas. No YouTube, outra campanha publicitária investe em narrativa cinematográfica para mostrar a reconciliação entre pai e filho por meio de um gesto aparentemente simples — a entrega de um ovo de chocolate. Já no Instagram, proliferam anúncios com embalagens sofisticadas, brindes exclusivos e mensagens de urgência comercial. Esse movimento não é acidental: trata-se de uma estratégia coordenada. Embora tradicionalmente associada a valores espirituais e ao convívio familiar, a Páscoa foi, progressivamente, ressignificada como um evento de apelo comercial. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Chocolates (Abicab), em 2024, o setor movimentou mais de R$3 bilhões apenas no período pascal. A publicidade tornou-se protagonista nesse processo, articulando emoções, valores sociais e práticas de consumo. A construção de narrativas sensíveis, associadas à infância, à partilha e à afetividade, revela-se eficiente para estimular decisões motivadas não pela necessidade, mas pela expectativa simbólica atribuída ao presente. A seguir, cinco mecanismos utilizados pelo mercado para impulsionar o consumo na Páscoa: Ativação da memória afetiva Estratégias publicitárias comumente acionam registros emocionais ligados a experiências passadas — sobretudo aquelas vividas no contexto familiar. Tais memórias, ainda que idealizadas, operam como âncoras psicológicas e tendem a criar uma predisposição favorável ao consumo. Ao remeter o público a vivências tidas como genuínas, o mercado associa seus produtos a sensações de segurança, continuidade e pertencimento. A compra, nesse contexto, transforma-se em tentativa de resgate emocional, deslocando-se da racionalidade econômica para o campo simbólico. Estímulo à reciprocidade social A publicidade pascal frequentemente explora o imperativo da partilha. A expectativa de presentear colegas, familiares ou profissionais do convívio cotidiano é reiterada por campanhas que vinculam afeto à materialidade do presente. Esse fenômeno, que o economista comportamental Dan Ariely já descreveu como “contrato social implícito”, gera um ambiente de pressão silenciosa, no qual a ausência do gesto material pode ser interpretada como negligência afetiva. O resultado é a ampliação do consumo por obrigação moral, e não por decisão autônoma. Ofertas com valor ilusório Descontos atrativos, promoções com tempo limitado e “combos exclusivos” são estratégias recorrentes neste período. Em muitos casos, os preços previamente inflacionados são reduzidos apenas superficialmente, criando a sensação de vantagem econômica. Trata-se de uma tática de ancoragem — conceito bem explorado por Daniel Kahneman — em que o primeiro valor apresentado serve como referência para qualquer comparação subsequente. O consumidor, conduzido por esse viés cognitivo, tende a interpretar como oportunidade aquilo que, na realidade, representa uma distorção do valor real. Escassez planejada e edição limitada A noção de exclusividade é instrumentalizada por meio de produtos sazonais e coleções temáticas. O princípio da escassez — descrito por Robert Cialdini como um dos gatilhos mentais mais poderosos — é utilizado para acelerar decisões de compra. “Últimos dias”, “edição especial” e “só até domingo” são enunciados que induzem uma sensação de urgência, levando o consumidor a agir sob a lógica da antecipação da perda. O efeito psicológico é intensificado por um cenário saturado de estímulos visuais e emocionais, que reduz a capacidade crítica e estimula respostas automáticas. Gamificação da experiência de compra Muitas marcas apostam em experiências interativas para transformar o ato de comprar em um momento lúdico. Caça aos ovos em realidade aumentada, quizzes com brindes digitais e sorteios vinculados a ações sociais são exemplos disso. Esses recursos deslocam o foco do produto para a vivência, estimulando a participação ativa do consumidor. A sensação de engajamento, somada à promessa de recompensa, reforça o vínculo emocional com a marca e potencializa a conversão em vendas. Trata-se de uma estratégia que une entretenimento e desejo, numa lógica de encantamento contínuo. Mais do que um simples feriado, a Páscoa tornou-se um sofisticado laboratório de consumo emocional. Os gatilhos acionados pelo mercado não apenas impulsionam vendas, mas moldam comportamentos e valores. Ao converter afetos em produtos e vínculos em transações, a lógica publicitária transforma gestos simbólicos em imperativos comerciais. Compre com consciência — mas saiba identificar quando está levando emoção na embalagem e pagando por ela como se fosse chocolate. |
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