BLOG ORLANDO TAMBOSI
Os fatos são evidentes, comprovados e indisputáveis: não existia nenhum processo. Logo, era elegível. Coluna de Deltan Dallagnol para a Gazeta do Povo:
O
Tribunal Superior Eleitoral cassou meu mandato ilegalmente e anulou 350
mil votos, a maior votação do Paraná. A decisão viola a lei, a
Constituição e sobretudo a democracia. O TSE ofendeu o que há de mais
sagrado na democracia, que é a liberdade do povo para determinar o seu
destino e promover as mudanças que quer por meio da escolha dos seus
representantes.
A
lei é clara e objetiva: só há inelegibilidade quando o membro do
Ministério Público sai do órgão na pendência de um processo disciplinar.
Existia algum processo disciplinar quando saí? Não. Os fatos são
evidentes, comprovados e indisputáveis: não existia nenhum processo.
Logo, era elegível.
Uma
enxurrada de decisões de tribunais fluem unânimes no sentido de que
regras de inelegibilidade, por restringirem direitos políticos de votar e
de ser votado, não podem ser interpretadas de modo elastecido ou
expandido. Devem ser interpretadas de modo restritivo.
E
foi exatamente o que fez o TSE: criou uma nova hipótese de
inelegibilidade imaginária para me cassar, ou como li em uma matéria na
imprensa, criou um multiverso. E fez isso com base em uma quádrupla
especulação: de que saí do Ministério Público porque supostamente eu
previ que alguma reclamação contra mim possivelmente se converteria em
processo disciplinar, que algum processo disciplinar possivelmente
resultaria em condenação e que alguma condenação possivelmente seria a
uma pena de demissão.
Assim,
a cassação foi um malabarismo jurídico de leitura mental, adivinhação e
futurologia combinadas. É como se alguém fosse punido por um crime que
se especula que vá cometer ou, pior ainda, como se alguém fosse punido
antecipadamente por conta de uma futura e incerta acusação, condenação e
pena específica que poderia vir a sofrer.
Os
corruptos da Lava Jato que desviaram bilhões tiveram uma presunção de
inocência elastecida que lhes garante até hoje a impunidade. Contudo,
quem combateu a corrupção recebe dos tribunais uma presunção de culpa.
Há
uma total inversão de valores: diversos acusados de corrupção na Lava
Jato seguem com mandato: Aécio Neves, Beto Richa, Lula e dezenas de
políticos com os mais variados apelidos nas listas da Odebrecht. O
destino de quem combateu a corrupção é o oposto.
Com
efeito, no governo de Lula, que pessoalmente prometeu vingança aos
agentes da Lava Jato, quem combateu a corrupção é implacavelmente caçado
e cassado. A mensagem do sistema de corrupção é clara para promotores e
juízes: nunca mais ousem combater a corrupção em nosso país.
É
esse o Brasil que queremos? Como disse o salmista, “até quando os maus
continuarão alegres? Até quando se mostrarão orgulhosos e se gabarão dos
seus crimes?” Esse é o Brasil que estamos construindo e deixaremos para
os nossos filhos, o mesmo de quatrocentos anos atrás quando Padre
Antonio Vieira dizia que os verdadeiros ladrões do Brasil, os
governantes, roubavam e enforcavam?
Para
o TSE, a minha saída do Ministério Público caracterizaria uma fraude à
lei. Contudo, a decisão do TSE é que fraudou a lei, a Constituição e a
soberania popular, ferindo a democracia e anulando 345 mil votos. A
decisão sequestra nossa liberdade de escolher, de mudar e de transformar
o país.
De
fato, o maior poder da nação é o povo - “todo poder emana do povo”, nas
palavras da Constituição. E o poder do povo é o poder do voto. O voto é
o poder de autodeterminação de um povo. O voto é o poder de o povo
escolher o seu destino. O voto é a porta da transformação numa
democracia. Fechar a porta do voto é fechar as portas da democracia.
É
muito perigoso quando donos do poder se sobrepõem à vontade popular sem
embasamento claro na Constituição e nas leis. Os tribunais não devem,
parafraseando o Rei Luís XIV, afirmar “eu sou a Constituição”, “eu sou a
lei”, “eu sou o Estado”. Num Estado Democrático de Direito, a soberania
é do povo e é expressada na Constituição, na lei e no voto, que devem
ser reverentemente respeitados.
No
ano eleitoral, o TSE fez ampla campanha para que as pessoas votassem,
ressaltando o poder do voto e defendendo as urnas eletrônicas como
garantidoras da validade do voto. Contudo, o próprio TSE agora anula
resultados das urnas em todos os 399 municípios paranaenses nos quais
tive votos, o que é muito grave e passa a mensagem de que o voto não tem
valor.
O
meu maior medo é a perda da fé na democracia - e o erro não é de quem
critica decisões injustas, mas de quem as emite. Num país em que as
instituições já têm sua credibilidade corroída, a anulação ilegítima de
votos gera dois efeitos perversos e preocupantes: ou a pessoa fica
descrente na política e desiste de exercer sua cidadania, ou então
recorre a ideias e caminhos extremistas.
É
preciso resgatar a institucionalidade e a força do Direito onde o que
tem valido é o direito da força. Miguel Reale Júnior, que sempre foi
crítico a mim e à Lava Jato, disse que TSE errou e “o país caminha
totalmente para um campo de abuso de direito. É um absurdo”, afirmou.
O
que o TSE fez foi tão grave que conseguiu uma rara unanimidade na
imprensa e nos parlamentares de diversas vertentes que representam a
nova política: a de que a decisão é abusiva. Atacou três valores muito
caros ao povo brasileiro intimamente conectados com o estado democrático
de direito: a representatividade (o voto), a independência dos poderes e
o combate à corrupção.
Vários
deputados que estão no Congresso há até mesmo cinco mandatos me
disseram que nunca viram tantos deputados e senadores reunidos no Salão
Verde da Câmara dos Deputados numa coletiva à imprensa, como aconteceu
na quarta-feira. Mais de cinquenta parlamentares de onze partidos
estavam lá não por mim, mas para defender o voto de 345 mil paranaenses e
a Democracia.
A
repercussão na imprensa também foi no mesmo sentido. A Gazeta do Povo
disse: “o TSE atropela a lei e os fatos para cassar Deltan Dallagnol. A
lei, no Brasil, foi abolida e substituída por uma bola de cristal”. “A
Justiça Eleitoral (...) tornou-se órgão de perseguição política,
disposto a inviabilizar a vida pública de qualquer um que tenha se
colocado no caminho de Lula em algum momento ou que tenha feito críticas
à forma como o STF desmontou o combate à corrupção no Brasil”.
O
Globo destacou que a inelegibilidade é uma “medida extrema numa
democracia” e que a “interpretação da lei traz argumentos contra
cassação de Deltan Dallagnol”, conclamando o Supremo Tribunal Federal a
reavaliar o caso. Ressaltou ainda que “o pior para o Brasil é esse tipo
de decisão variar de acordo com a circunstância política e o governo de
turno”.
A
Folha de São Paulo afirmou que a “cassação de Dallagnol extrapola a Lei
da Ficha Limpa e abre precedente perigoso”. “O Judiciário deveria se
guiar não por hipóteses, mas por fatos. E os fatos são simples: não
havia nenhum PAD contra Deltan no momento de sua exoneração”. “Não cabe
ao Judiciário criar tantos pretextos para, sob a dupla pena do
paternalismo e do arbítrio, cassar direitos políticos dos cidadãos - no
caso, de um eleito com a maior votação de seu estado para a Câmara dos
Deputados”.
Esses
jornais já expressaram críticas a mim e à Lava Jato no passado. Eles
não estão nos defendendo, mas sim a democracia, a soberania popular, a
lei e o estado de direito. Da mesma forma, muitos juristas criticaram a
decisão do TSE. Ives Gandra da Silva Martins avaliou a decisão do TSE
como uma “inovação absoluta”, “inaceitável”, ressaltando que a Lava Jato
foi reconhecida internacionalmente no combate à corrupção. O
ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello afirmou que ficou perplexo com a
decisão do TSE, que aconteceu à margem da lei. “Enterraram a Lava Jato e
agora estão querendo enterrar os que protagonizaram”.
A
Transparência Internacional afirmou que “a cassação do mandato de
Deltan Dallagnol pelo TSE ontem produzirá efeitos sistêmicos para a
Justiça e a democracia no Brasil. A atipicidade da dinâmica processual e
da fundamentação empregadas desgastam o instrumento da Lei da Ficha
Limpa, agravam a insegurança jurídica e fragilizam a representação
democrática no país”.
Os
fatos são graves e merecem crítica e reação. Não é sobre mim, mas sobre
o estado democrático de direito. Seguirei lutando pelos brasileiros e
pelo Brasil, assim como para honrar cada eleitor que depositou sua
confiança no meu trabalho pelas causas que defendemos juntos.
Um
dia o Brasil será justo, próspero e unido. Um dia a corrupção não será
uma aliada do governo federal. Um dia, o povo e a lei estarão acima dos
governantes. Um dia viveremos em um país que trata todos iguais perante a
lei. Um dia, você sentirá que finalmente nosso país é livre para
escrever sua história e escolher seu destino. Eu acredito que o Brasil
um dia será um país de liberdade e de justiça. Esse dia não é ontem ou
hoje. E eu seguirei lutando por ele ao seu lado. Mas ele acontecerá.
O
mandato parlamentar proporciona um importante instrumento para lutar
contra a corrupção, a incompetência e os desmandos dos governantes, isto
é, para representar quem acredita nisso e tenho feito o meu melhor. Não
vou desistir. Não controlo o resultado, mas seguirei fazendo o que
sempre fiz: orar como se tudo dependesse de Deus e agir como se tudo
dependesse de mim.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi

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