Percival Puggina
Assim como a teologia da libertação serve ao comunismo, a política indigenista em curso no Brasil faz a mesma coisa. A primeira, a desastrosa TL, em ato de prestidigitação, coisa de mágico de aniversário infantil, transforma o “pobre” das sagradas escrituras em “excluído” e pronto! Lá está o mesmo sujeito do amor de Deus e do amor ao próximo, desfigurado em agente da luta de classes. Sim, porque se alguém é excluído é porque alguém o quer do lado de fora e isso causa revolta. No entanto, estamos descrevendo malandragem pura porque ninguém, a não ser a própria esquerda, precisa de uma sociedade miserável, formada por “excluídos”.
Por outro lado, a política indigenista, ao ver o povoamento do Brasil como invasão de propriedade alheia, numa aulinha de “história” de 45 minutos, deslegitima todos os títulos de propriedade existentes no Brasil porque, em tese, qualquer terra “pode ter sido ocupada” por habitantes pré-cabralinos.
Está em curso no STF, novamente à margem do Congresso Nacional, uma nova deliberação sobre se o que está escrito a respeito desse tema na Constituição é constitucional ou não. Já ouviu falar nisso, não? Pois é. Eu também. As coisas mudaram por aqui.
A Constituição de 1988 determinou que seriam indígenas as áreas tradicionalmente ocupadas na data de sua promulgação. Em excelente arrazoado do que me enviou cópia, o Secretário de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, Dr. Fábio Prieto de Souza, lembra que o mais recente julgamento da mesma questão, com término previsto para o dia 7 de junho, já tem dois votos – um dispensando o marco temporal da CF de 1988 (ministro Edson Fachin) e outro, não (ministro Nunes Marques).
Em dado momento, o Doutor Fábio, que já foi desembargador federal no TRF-3, e já se defrontou com a mesma pauta afirma o seguinte:
Talvez parte substancial da sociedade brasileira não tenha conhecimento de que o julgamento poderá afetar todo o território nacional, inclusive, ou principalmente, a propriedade urbana privada, no Estado de São Paulo e em todo o País.
Ele registra que só na área de jurisdição daquele Tribunal, milhares de pedidos de usucapião foram apresentados, tendo ele julgado grande número desses casos propostos pela União. E acrescenta:
É oportuno lembrar que, hoje, as comunidades indígenas não são, segundo a Constituição, proprietárias das terras que tradicionalmente ocupam. Se as comunidades indígenas têm a posse de imóvel, a propriedade é da União, satisfeitas certas formalidades da ordem jurídica. A partir desta sistemática constitucional, a União alegava que as comunidades indígenas tinham a posse imemorial dos bens, embora já não mais os ocupassem de fato, e, assim, exigia o reconhecimento da propriedade, em detrimento do interesse de milhares de cidadãos residentes nesta metrópole.
No Tribunal Regional Federal da 3ª Região, prevaleceu a tese de que a ausência de posse, há séculos, pelas comunidades indígenas, nos aldeamentos extintos, não poderia impedir a discussão sobre a alegada propriedade de terceiros, prejudicada a alegação da União. O caso foi levado ao Plenário do Supremo Tribunal Federal, que chancelou a orientação da Corte Federal e editou a Súmula 650: “Os incisos I e XI do art. 20 da CF não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto”.
Mais adiante:
A propósito deste julgamento no Supremo Tribunal Federal, não raro tudo tem sido reduzido à disputa entre supostos produtores rurais mal-intencionados e as comunidades indígenas.
Na comunidade nacional, penso que o mais perigoso não é a inexatidão desta avaliação. Mas o fato certo e incontestável de que a eventual mudança de orientação jurisprudencial causará a ruptura do conceito de território nacional, tal qual o País o conhece e reverencia nos últimos quinhentos anos.
Nenhuma terra – urbana ou rural – estará a salvo da alegação de que, um dia, há séculos, terá sido ocupada por comunidades indígenas e, portanto, a propriedade não será mais dos brasileiros, mas da União que deve servi-los.
O Brasil continental será o laboratório universal e pioneiro da mais singular tese de invalidação de um dos elementos do conceito de nação, a integridade do território.
Governadores, prefeitos, congressistas, assistem questões com imensa repercussão na vida dos cidadãos, em estado de absoluta insegurança jurídica, como se as instituições tivessem surtado por ação ou omissão, por ideologia ou política. Já não mais podemos dizer, sequer que o futuro a Deus pertence porque o futuro de mais de 200 milhões de brasileiros está nas mãos de umas poucas pessoas e de sua peculiar visão de mundo. Na democracia, as coisas não são e não podem ser assim. Por isso, é importante a aprovação urgente, contra a vontade da esquerda, do PL 490 que faz valer o que está na Constituição...
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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