Vinícius Valfré
Estadão
A Câmara aprovou o projeto de lei 490/2007, o chamado PL do Marco Temporal, nesta terça-feira, 30, por 283 votos a 155, em uma derrota ao governo do presidente Lula da Silva (PT). Apesar de governistas terem tentado adiar a votação, a proposta contou também com votos de parlamentares de partidos da base.
O principal ponto do projeto é estabelecer em lei que somente territórios ocupados por indígenas na data da promulgação da Constituição 1988 podem ser demarcados como terras indígenas.
DEMANDA RURALISTA – O texto, que seguirá ainda ao Senado, era uma demanda dos ruralistas e foi votado sob protesto de parlamentares de esquerda e movimentos indigenistas.
Mas a frente agropecuária sustenta que o projeto dará segurança jurídica ao setor. Segundo os ruralistas, sem um marco temporal para servir de parâmetro para demarcação de terras, há risco de grupo autodeclarados indígenas possam reivindicar terrar hoje sob a posse de produtores rurais.
“Estamos falando de áreas urbanas, de municípios que deixariam de existir, caso não haja um marco temporal para se tornar pertencente à terra”, disse o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR).
DERROTA ANUNCIADA – Governistas já falam em judicializar a votação em que saíram derrotados. A derrota do governo foi sacramentada com votos de deputados integrantes de partidos com ministérios na Esplanada, como MDB, União Brasil, PSD e PSB.
Na prática, se promulgada, a lei vai paralisar todos os processos de demarcação em andamento. Há pelo menos 303 em tramitação. Hoje, o Brasil tem 421 terras indígenas homologadas. Elas somam 106 milhões de hectares e têm cerca de 466 mil indígenas.
Com a aprovação, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), e a cúpula da Casa pretendiam passar um recado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que retomará um julgamento sobre demarcação de terras indígenas na próxima terça-feira, 6.
SINALIZAÇÃO – “Tenho certeza que a sinalização da Câmara, aprovando esse projeto de lei, fará com que Supremo reflita e pelo menos paralise essa querela jurídica que está marcada para seR julgada em junho”, afirmou Arthur Maia (União-BA), autor do texto aprovado. “Estamos mandando a nossa mensagem ao Supremo, a de poder harmônico, mas altivo. Não podemos aceitar que outros Poderes invadam nossa prerrogativa”.
Os deputados favoráveis à proposta argumentam que ela foi construída à luz do julgamento do Supremo sobre a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, em 2009. Na ocasião, o marco temporal foi considerado. Para eles, as condicionantes daquele julgamento devem ser tratadas como paradigma.
Os contrários ao texto, porém, ressaltam que o debate não foi esgotado pelo Supremo e que há diversos precedentes que afirmam que o marco temporal e as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol são aplicáveis somente para a demarcação daquela terra indígena específica.
PROJETO DA MORTE – Para a deputada governista Juliana Cardoso (PT-SP), o projeto é um retrocesso. “É o projeto da morte, da perversidade do lucro acima da vida humana. Esse ‘PL da morte’ quer acabar de novo com direito adquirido e promover a injustiça. É um crime contra os povos indígenas”, disse.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que tentou articular o adiamento da votação, mas foi superado. “Respeitando aqueles que são do governo e votam a favor, mas o governo não tem como encaminhar o voto ‘não’ a essa matéria porque compreende que é um erro votar esse projeto agora”, disse, na discussão.
DIZEM OS RURALISTAS – Segundo estimativas da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), principal fiadora da proposta, as terras indígenas são cerca de 14% do território nacional. Se todos os processos de demarcação em curso fossem encerrados, seriam 30%. A produção agrícola abrange 24% do território brasileiro.
Apesar de a chamada tese do “marco temporal” ser o principal item do PL 490/2007, ele altera políticas indigenistas que vigoram há décadas. Uma delas reacende a possibilidade de contato com povos que vivem em isolamento voluntário, prática que marcou a relação da ditadura militar com indígenas.
O texto cria a possibilidade de contato com indígenas que vivem em isolamento voluntário para ações de “utilidade pública”, inclusive por meio de “entidades particulares, nacionais ou internacionais”, contratadas pelo Estado. O projeto não especifica quais seriam as atividades de utilidade pública admitidas.
CONTATO FORÇADO – Por se tratar de expressão genérica, parlamentares e movimentos contrários ao projeto temem que o dispositivo permita o contato forçado até para missões religiosas. O relator, deputado Arthur Maia, afirmou que o texto atrela o contato ao controle da Fundação Nacional do Índio (Funai) e que seu objetivo foi o de apenas evitar que organizações não governamentais estrangeiras acessem povos isolados no Brasil sem a fiscalização do governo.
Antes da aprovação do texto, o governo sofreu duas derrotas expressivas. Primeiro, apresentou requerimento para retirar o projeto da pauta. Obteve apenas 123 votos favoráveis, contra 257 contrários. Depois a oposição pediu para abreviar a discussão e conseguiu 311 apoios. O governo, só 137.
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