A foto de Gabriela Biló acende o debate sobre novas tecnologias no jornalismo e gera agressões inaceitáveis no sistema democrático. Lygia Maria para a FSP:
Atrás de uma vidraça trincada, Lula sorri enquanto ajeita a gravata. Essa foto causou grande polêmica nos últimos dias. Gabriela Biló, fotógrafa da Folha, usou a técnica de múltipla exposição (quando se captam duas imagens no mesmo frame do filme).
Para
alguns críticos, isso é fake news, já que a cena não estava dada na
realidade. Seria uma distorção que privilegia a visão pessoal da autora
em detrimento dos fatos.
Objetividade
na imprensa é fundamental. No entanto esse aspecto não é nem
essencialista nem funcionalista: o jornalismo não é apenas o relato frio
e distanciado da realidade atual. Daí o conceito de "jornalismo
opinativo" —que engloba colunas, crônicas, artigos— assim como a quebra
paradigmática do "jornalismo literário" de Hunter Thompson entre outros.
Encaro
a peça de Biló como uma foto opinativa, com um mandatário alvo de
agressão (o vidro partido) mas que, mesmo assim, a supera (o sorriso, a
gravata). Uma legenda mais didática sobre a técnica e o contexto
político evitaria ruídos na comunicação.
Muito
mais poderia ser dito sobre o tema, que é rico principalmente para
pesquisadores e jornalistas. Mas o que chamou atenção foi a crítica
ideológica distorcida e, em muitos casos, violenta. Sugerir que o jornal
ou a fotógrafa incentivaram o assassinato do presidente é um disparate
digno de teorias da conspiração.
Biló
recebeu uma enxurrada de xingamentos e até ameaças. Qualquer semelhança
com o tratamento dado a jornalistas por bolsonaristas não é mera
coincidência: os extremismos se tocam.
Até
a Secom da Presidência emitiu uma nota repudiando a foto de forma
ignóbil e autoritária. Numa democracia liberal, não é papel do Executivo
bancar o ombudsman da imprensa. A esfera do debate público consegue
muito bem lidar com a controvérsia.
O
lado bom do imbróglio é que, se radicais da esquerda e da direita
atacam o jornalismo, ele deve estar no caminho certo. Como disse Millôr,
"imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados".
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário