A nova gestão do BNDES, sob Mercadante, pretende retomar os financiamentos externos de obras de construção civil, mas sob novas regras. Quais regras são essas, exatamente, ainda não se sabe. Diogo Schelp para a Gazeta do Povo:
Lula
indicou Aloizio Mercadante para a presidência do BNDES com a promessa
de dar ao banco de desenvolvimento um novo protagonismo como fomentador
do crescimento econômico. À parte o contorcionismo na interpretação da
Lei das Estatais que permitirá ao conselho de administração aprovar a
posse de Mercadante, com o aval do Tribunal de Contas da União (TCU), há
outros problemas na nomeação do petista, conhecido por suas ideais
heterodoxas em economia, e uma delas é o retorno da era dos grandes
financiamentos externos de obras de infraestrutura pelo BNDES.
Candidatos
a receber o dinheiro brasileiro já começaram a aparecer mesmo antes de
Lula assumir a presidência. Xiomara Castro, presidente de Honduras, na
América Central, tratou logo de afirmar que quer recursos do BNDES para
construir duas represas em seu país.
A
Argentina também está de olho, tanto que chegou a anunciar no mês
passado, quando o presidente brasileiro ainda era Jair Bolsonaro, que o
banco financiaria a construção de um gasoduto em seu território até a
fronteira com o Brasil, no Rio Grande do Sul. O BNDES negou qualquer
acordo nesse sentido, mas o assunto deve fazer parte das conversas que
Alberto Fernández, presidente da Argentina, terá nesta segunda-feira
(23) com Lula em visita do brasileiro ao seu país. Aliás, consta que
Mercadante pretendia integrar a comitiva presidencial, mas mudou de
ideia para não despertar críticas por ainda não ter sido empossado no
comando do BNDES.
Entre
1998, no governo Fernando Henrique Cardoso, até 2016, o último ano do
governo Dilma Rousseff (o inclui obviamente os oito anos dos dois
primeiros mandatos de Lula), o BNDES financiou cerca de 10 bilhões de
dólares em obras de engenharia civil em outros países. Em 2013, no
governo Dilma, os desembolsos do BNDES para exportações de serviços
(entre os quais se incluem as obras de engenharia) para a Venezuela
chegaram a representar 12% do total de exportações do Brasil para o país
vizinho.
Alguns
dos países contemplados não pagaram tudo o que devem. Entre os
caloteiros estão a Venezuela, Moçambique e Cuba. Coisa de 1 bilhão de
dólares em atraso, no total, e outros quase 600 milhões de dólares por
vencer.
Alguns
economistas defendem o sistema de financiamentos externos de obras,
chamado de "política de internacionalização" de empreiteiras, pois serve
para abrir mercado para empresas brasileiras (o que gera empregos
também dentro do Brasil), para aumentar o valor agregado da pauta de
exportação, para equilibrar a balança comercial e para estabilizar o
câmbio. Além disso, os financiamentos externos na América do Sul
serviriam para alavancar a integração regional por meio de melhorias na
infraestrutura que conecta os países.
Durante
a campanha presidencial, Lula defendeu o modelo em entrevista ao
apresentador Ratinho da seguinte forma: “Quando você está financiando
uma obra, você exporta sua engenharia. Quem começou a fazer o metrô de
Caracas foi o presidente Fernando Henrique Cardoso. Então, primeiro,
quando o BNDES empresta dinheiro, é obrigado a contratar uma empresa
brasileira. Segundo, os componentes são comprados do Brasil. Então, o
que você está fazendo é estar exportando, além de receber o dinheiro de
volta.”
Em
teoria, está correto. Em 2017, os pesquisadores Bruno Araújo e João
Alberto de Negri, do Ipea, compararam as operações do BNDES ao longo de
dez anos, tanto em financiamentos externos quanto internos, com aquelas
praticadas por bancos de desenvolvimento de outros países e concluíram
que a expansão dessas operações estava em linha com a tendência
internacional.
O
problema, segundo os pesquisadores, era o custo fiscal dessa expansão,
que no Brasil foi bancada por fortes subsídios, chegando a quase 30
bilhões de dólares entre 2006 e 2015 (lembrando que a conta inclui
também os financiamentos concedidos dentro do Brasil).
O
outro grande problema verificado na prática dos financiamentos externos
para obras de engenharia, cuja dimensão só se veio a conhecer melhor
com o avanço das investigações da Operação Lava Jato, foi o fato de que o
mecanismo beneficiou um pequeno grupo de empresas que se locupletou com
os recursos do BNDES e montou um dos maiores esquemas de corrupção já
desvendados.
Isso
foi possível em parte porque os financiamentos externos estavam
concentrados nas mãos de poucas construtoras. Das obras financiadas pelo
BNDES na América do Sul, por exemplo, 64,2% eram da Odebrecht e 24,6%
da Andrade Gutierrez. E a Venezuela era, proporcionalmente, a maior
beneficiada.
Entre
2000 e 2015, a Venezuela foi o país sul-americano que mais recebeu
financiamentos externos do BNDES para obras de infraestrutura, com 2,4
bilhões de dólares, mais até do que o maior parceiro comercial do
Brasil, a Argentina, que teve 2 bilhões de dólares financiados no
período.
Graças
à relação privilegiada que as empreiteiras brasileiras tinham com o
governo chavista, a Venezuela se tornou a maior fonte do propinoduto
internacional dessas empresas. Um relatório do governo americano de 2016
calculou que só a Odebrecht pagou 788 bilhões de dólares em propinas em
doze países. Dois quintos desse montante vinha de serviços fictícios na
Venezuela pelos quais o governo local aceitava pagar.
Sem
dúvida, os maiores prejudicados nessa história toda acabaram sendo os
depauperados cidadãos venezuelanos, que ainda por cima financiaram
involuntariamente boa parte da maracutaia que as empreiteiras
organizaram, com a conivência do PT, para além das fronteiras
brasileiras.
Outro
dos argumentos normalmente utilizados para defender a
internacionalização das empreiteiras brasileiras, o de que isso ajudava
na integração regional, também cai por terra quando se analisa mais de
perto quais obras foram financiadas na América do Sul.
A
pesquisadora Bárbara Carvalho Neves, da Unesp, demonstrou em estudo
realizado em 2020 que a maior parte dos financiamentos externos do BNDES
para serviços de engenharia foram para obras de interesse interno dos
países, não para os projetos de integração física entre os países da
região. Aliás, no caso da Venezuela, nenhuma das obras financiadas pelo
BNDES fazia parte da carteira de projetos de integração regional.
A
nova gestão do BNDES, sob Mercadante, pretende retomar os
financiamentos externos de obras de construção civil, mas sob novas
regras. Quais regras são essas, exatamente, ainda não se sabe. Será que
vão apenas mudar o nome das (poucas) empresas beneficiadas e, de resto,
tudo será como antes, com o resultado desastroso que conhecemos?
Postado há 9 hours ago por Orlando Tambosi

Nenhum comentário:
Postar um comentário