MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 21 de janeiro de 2023

Defesa da democracia requer prudência: juiz fala apenas nos autos.

 

BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

Manifestar-se em rede social sobre caso sob sua jurisdição, como fez Alexandre de Moraes, não contribui para a prestação jurisdicional, acirra ânimos e dá margem a nulidades. Editorial do Estadão:


Para assegurar a necessária imparcialidade do juiz, a Lei Orgânica da Magistratura (LOA) estabelece que “é vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério” (art. 36, III).

Importante proteção da magistratura, essa proibição se aplica a todos os juízes, desde os de primeira instância até os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A respeito de processo pendente de julgamento, os magistrados devem falar apenas nos autos. A única exceção é a manifestação no âmbito acadêmico, seja em obras técnicas ou na docência.

Diante disso, e tendo em vista o papel fundamental que o ministro do STF Alexandre de Moraes teve e continua a ter na defesa da democracia – é o relator de vários inquéritos sobre ataques e ameaças ao regime democrático –, faz-se necessário lembrar a proibição do art. 36, III da LOA.

Desde o dia 8 de janeiro, Alexandre de Moraes tem publicado alguns tuítes qualificando os atos de “terroristas”. No próprio dia 8, escreveu: “Os desprezíveis ataques terroristas à democracia e às instituições republicanas serão responsabilizados, assim como os financiadores, instigadores, anteriores e atuais agentes públicos que continuam na ilícita conduta dos atos antidemocráticos”. No dia 17, voltou ao assunto: “O STF foi danificado por terroristas”.

No dia 10, na cerimônia de posse do novo diretor-geral da Polícia Federal, Alexandre de Moraes rebateu as críticas dos presos pelos atos de 8 de janeiro. “Não achem, esses terroristas, que até domingo faziam baderna e crimes, e agora reclamam que estão presos, querendo que a prisão seja uma colônia de férias, não achem que as instituições irão fraquejar”, disse.

Ainda que a intenção de Alexandre de Moraes com essas publicações e discursos provavelmente seja a de transmitir firmeza num caso que chocou o Brasil e demanda dura responsabilização, um juiz fala apenas nos autos. Não retruca em praça pública as críticas das pessoas que estão sob sua jurisdição. Não promete punição. Não atribui em rede social a qualificação jurídica de ações que ainda estão sob investigação.

Nada disso contribui para a efetividade da prestação jurisdicional – da necessária e urgente responsabilização jurídica dos autores, executores e mandantes, dos atos criminosos de 8 de janeiro. Ao contrário, uma atuação assim, à revelia das disposições da LOA, acirra os ânimos e facilita a ocorrência de um fenômeno extremamente perigoso para a autoridade e o bom nome da Justiça: a visão de que, sob pretexto de aplicação da lei, estaria havendo uma perseguição política contra determinadas pessoas e grupos.

É certo que, muitas vezes, a Justiça precisa se defender publicamente de ataques; por exemplo, corrigindo equívocos, esclarecendo mal-entendidos e oferecendo informação segura e confiável perante tanta desinformação. No entanto, nada disso é tarefa pessoal, e sim institucional. O Regimento Interno do STF prevê, entre as primeiras atribuições do presidente da Corte, “velar pelas prerrogativas do Tribunal” e “representá-lo perante os demais poderes e autoridades”. Se é necessário falar algo publicamente sobre os ataques do dia 8 de janeiro, é a presidente do Supremo, ministra Rosa Weber, que tem competência para fazê-lo.

Essa previsão regimental é uma importante defesa da unidade do STF. Imagine se cada um dos ministros se pusesse a discorrer publicamente sobre os atos de 8 de janeiro, publicando cada um nas redes sociais sua interpretação dos fatos, com as diferentes consequências jurídicas. Tal situação não fortaleceria o Judiciário perante a sociedade.

Além dos efeitos institucionais, a manifestação pública de um juiz sobre processo pendente de julgamento pode significar quebra do dever de imparcialidade, pondo em risco todo o seu trabalho.

A democracia deve ser exemplarmente defendida, sem erros que possam vir a acarretar impunidade aos responsáveis. O País merece esse cuidado.
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