* Por Kalil Duailibi
Chegamos a 2023 com a saúde mental tornando-se uma preocupação genuína de grande parte da população brasileira. Se por um lado isso é ruim, porque estamos saindo de um período de dois anos de pandemia que chacoalhou o mundo inteiro, manteve muita gente em isolamento social em plena crise econômica e fez as pessoas aumentarem o uso de álcool, medicamentos e drogas ilícitas, por outro podemos considerar que, se estamos prestando atenção a isso, já demos o primeiro passo necessário para mudar esse cenário.
Os cuidados com a saúde mental são extremamente necessários no mundo em que vivemos. Estamos, o tempo todo, expostos a um bombardeio de informações, sendo cobrados por produtividade como se fôssemos máquinas, usando mais medicamentos e outros aditivos que, mesmo que superficialmente, nos fazem pensar que ajudam. Logicamente, há casos e casos quando se fala em medicação controlada. O aumento do número de pessoas com depressão e ansiedade, por exemplo, é real e merece nossa atenção: números do Datasus apontam que o total de óbitos por lesões autoprovocadas dobrou nos últimos 20 anos, passando de 7 mil para 14 mil. Registros anteriores ao período pandêmico já indicavam episódios depressivos como a principal causa de pagamento de auxílio-doença não relacionado a acidentes de trabalho, representando 30,67% do total, seguida de outros transtornos ansiosos com 17,9%. Porém, o que vemos hoje em dia é uma adesão indiscriminada ao uso de diversos tipos de medicamentos (muitas vezes prescritos por não especialistas) que, embora tenham sido desenvolvidos para ajudar, acabam gerando mais problemas; e mais: podem agravar casos de depressão.
Como exemplo, vale mencionar o aumento no uso de psicoestimulantes como o VenvanseR (dimesilato de lisdexanfetamina), medicamento criado para reduzir os sintomas de déficit de atenção em pessoas com TDAH que precisam, entre outras coisas, equilibrar a produção de dopamina, pois seus cérebros não a produzem da mesma forma que em pessoas sem o transtorno. Quando uma pessoa sem essa falha na produção de dopamina usa o medicamento, causa picos de excesso desse hormônio, e quando há picos, há quedas – neste caso, quedas que podem causar depressão. Ou seja, em busca de maior produtividade, redução de apetite para emagrecer e até para aguentarem muito tempo de balada, as pessoas podem estar causando depressão química em si mesmas, inflando os números que tanto nos preocupam.
A campanha Janeiro Branco objetiva a conscientização a respeito da saúde mental. No meu papel de psiquiatra especialista em farmacologia, entendo ser necessário aproveitar essa campanha para alertar quanto ao uso de medicamentos sem a devida orientação médica. O mundo exige muito de nós com uma sociedade cada vez mais competitiva, mas se aderirmos à ajuda química para produzirmos mais, ficarmos mais tempo acordados e termos mais disposição, sem uma necessidade médica real, a tendência é entrarmos em um ciclo do qual será bem difícil sairmos depois. Além disso, esse ciclo cria um cenário irreal, onde as pessoas não podem simplesmente viver suas vidas, se relacionar umas com as outras, trabalhar e produzir, terem momentos de angústia, insônia, aflição, se têm como “concorrência” outras pessoas que usam dopping para viver e produzir mais, mantendo-se cada vez mais no pique. Definitivamente, este não é um jeito saudável de encarar as dificuldades da vida e do trabalho, além de “inflacionar” o mercado. Afinal, “se todos usam, preciso usar também se não quiser ficar para trás.”
Não é assim, meus amigos e minhas amigas. Ainda bem que, como eu disse antes, a saúde mental ganhou a devida atenção de tantas pessoas, que perceberam que estavam entrando em um vórtice insustentável. A conscientização a respeito dos cuidados que devemos ter com nossa saúde mental frente aos desafios do século XXI deve considerar que precisamos desacelerar, entender que é impossível estarmos por dentro de tudo o tempo todo, e que esse é um esforço infrutífero e insalubre.
Devemos cuidar da nossa saúde mental, e isso inclui a consciência de que não somos máquinas e precisamos, sim, de descansos mentais periódicos, além de atentar para a saúde física e parar de vez em quando entre uma estação e outra, simplesmente observar a paisagem, enquanto o trem da vida passa voando.
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Kalil Duailibi é psiquiatra, especialista em farmacologia e professor
do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro – Unisa.
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