Bruna Frascolla, colunista da Gazeta do Povo, manteve correspondência com o filósofo belga Drieu Godefridi, cujo livro 'O Reich Verde' acaba de ser lançado no Brasil:
O
filósofo belga Drieu Godefridi, doutor em Filosofia do Direito pela
Sorbonne, lançou seu primeiro livro no Brasil ano passado, pela editora
Armada. Trata-se de O Reich Verde: Do aquecimento global à tirania
verde. Em seu prefácio, redigido em 2019, resume o propósito do livro, a
saber: chamar a atenção ao fato de que o ambientalismo é tão explícito
em suas intenções genocidas quanto o nazismo e o comunismo, de modo que
ninguém poderá alegar surpresa ou desconhecimento após a catástrofe. Diz
ele: "Quando estimados pensadores ambientalistas exigem a abolição da
democracia e da liberdade 'em nome do clima', quando tais pensadores
pretendem honestamente demonstrar que o bem da Terra requer a redução da
população a um décimo do seu volume atual, quando toma forma, diante
dos nossos olhos, uma ideologia mais radical em suas intenções homicidas
que qualquer uma de suas predecessoras, aí é que devemos mais uma vez
retomar o grito de 'nunca mais' e entender que tempos difíceis estão, de
fato, novamente diante de nós."
Há
mais de dez anos o filósofo critica publicamente a ideologia de gênero,
e em 2015 publicou um livro sobre o assunto intitulado La Loi du Genre,
ou seja, A Lei do Gênero. Sua abordagem desses problemas contemporâneos
não deixa escapar a forma jurídica que tais teorias assumem.
Não
sei o leitor, mas eu, de minha parte, fico impressionada com a
uniformidade das preocupações políticas mundo afora. O normal deveria
ser um gaúcho ter dificuldade de entender a política dos acrianos, mas
as queixas de um belga em 2013 se adéquam à realidade de uma baiana em
2018. Vejo uma palestra europeia de 2012 e penso nas normas do meu
campus tropical para combater o grave assunto da "violência contra a
mulher" no local -- sendo que o campus obviamente não é o lugar aonde os
maridos vão esbofetear as esposas.
No
continente americano, nossas vistas estão embotadas por um
anticomunismo culturalista muito performático e nada programático. Será
que na Europa os intelectuais têm mais informação do que está
acontecendo? Como se verá adiante, sim e não: eles dispõem de mais
textos burocráticos a serem analisados (Godefridi já trazia em 2019 um
projeto holandês de deixar de cuidar dos velhos), mas tampouco há por lá
uma explicação clara e consolidada quanto um eventual motor primeiro
dessa situação.
Eis abaixo a pequena correspondência trocada entre Drieu Godefridi e esta que vos escreve.
Pergunta sobre gênero
Não
sei como vão as coisas na Europa ocidental, mas aqui, no Brasil, há uma
considerável agitação contra a "ideologia de gênero". Eu dizia "teoria
de gênero", porque é a maneira como os próprios filósofos chamam a
doutrina deles. Quando alguém usava a expressão "ideologia de gênero",
isso era um indicativo de adesão a um movimento intelectual pop chamado
olavismo. (Tem este nome por causa de Olavo de Carvalho, um filósofo
autodidata e crítico cultural muito carismático que tinha uma legião de
fãs, os olavetes.) É possível tomar um táxi numa cidade grande e ouvir
invectivas contra a "ideologia de gênero" e o "marxismo cultural". São
termos importados dos EUA via olavismo. Na verdade, me incomodava o fato
de nossa discussão parecer excessivamente maquinal nas importações de
problemas dos EUA, seja à esquerda ou à direita.
Pois
bem: vi a sua apresentação sobre a teoria de gênero no Youtube, um
vídeo de 2013, e fiquei com a impressão de que minha vida, aqui no
Brasil, é decidida por tratados assinados por burocratas europeus
misteriosos. Eu não fazia ideia da existência da Convenção de Istambul,
de 2011. O senhor poderia explicar ao leitor brasileiro o que é a
convenção de Istambul, e como é a relação entre tais convenções e as
democracias europeias?
Resposta sobre gênero
Em
2011, a Convenção de Istambul deu força de direito não só à ideologia
de gênero, mas à sua versão mais extremista, diretamente saída de
autores como Judith Butler [Gender Trouble, 1990; Problemas de gênero
(Civilização Brasileira, 2003)]. Assim, o artigo 12 da Convenção exige a
erradicação (sic) dos preconceitos, costumes, tradições e todas as
práticas fundadas sobre "um papel estereotipado das mulheres e homens".
Erradicação: o vocabulário é o dos religiosos ao estilo da Santa
Inquisição e dos fanáticos, indigno de um texto de direito
contemporâneo. "Erradicar" toda referência, até mesmo a meramente
linguística, à distinção entre homens e mulheres? Isto, em todo rigor
lógico e semântico, deve conduzir à erradicação dos próprios conceitos
de homem e mulher. Pois a distinção em palavras não poderia subsistir se
nada mais os distinguir na realidade. Estamos no cerne da ideologia
extremista e odiosa do gênero.
É
preciso distinguir cuidadosamente dois níveis: o sexo e o gênero. Que o
gênero seja construção social, ninguém nega. A visão cultural da mulher
em Esparta, na Roma antiga ou na Suécia em 2022 só têm poucos pontos em
comum. O mesmo se dá com o papel cultural da mulher (e do homem) na
Europa contemporânea e na Arábia Saudita. Pretender que as categorias de
homem e mulher sejam integralmente biológicas, portanto imutáveis,
decerto não faz nenhum sentido. O gênero é cultural.
Mas
há o sexo. O sexo é uma realidade propriamente biológica.
Biologicamente, o homem e a mulher são duas categorias radicalmente
distintas. De sua alteridade complementar nasce e renasce a cada dia a
humanidade. É essa alteridade biológica que a ideologia de gênero nega
ao sustentar que o sexo — o sexo, não somente o gênero — é uma categoria
puramente cultural, "integralmente sedimentada pela linguagem" (J.
Butler).
Dito
de outro modo, as mulheres, como categoria sexual distinta, não
existem. Essa negação da mulher não é um efeito periférico do generismo:
é seu objetivo principal. Que a categoria de mulher (e de homem) se
defina também, e de início, pelo seu sexo, é o que tais extremistas não
podem tolerar, pois exigem que sejamos homens ou mulheres por mera
decisão de foro íntimo.
O
generismo é um negacionismo do real, da biolgia como ciência e da
mulher como categoria distinta. Tudo isso em nome da luta "contra as
violências cometidas contra as mulheres" (sic) — o título oficial da
Convenção de Istambul.
A
Convenção de Istambul foi adotada pelo Conselho da Europa, não pela
União Europeia. Ela só é obrigatória para os países signatários do
Conselho da Europa, depois de entrar em vigor. Com certeza a senhorita
tem razão: dados os pesos econômico e simbólico da Europa, bem como o
seu savoir-faire "legístico", é evidente que esse texto, apesar de
pavorosamente mal-ajambrado, serve de referência em vários países da
América do Sul. Sobretudo por países como a Argentina e o Brasil
conservarem uma espécie de deferência perante a Europa — para o bem e
para o mal.
A
Convenção de Istambul é um texto indigno de nossa civilização. O Brasil
teria a ganhar se jamais o levasse em consideração para lutar
efetivamente contra as violências bem reais cometidas contra os
inocentes.
Perguntas sobre crédito de carbono
Por
duas razões, não creio que se deva adotar a distinção sexo X gênero.
Primeira: é uma distinção fútil, pois todas as coisas são passíveis de
serem diferentemente interpretadas por diferentes culturas. Há religiões
que cultuam árvores como deuses, e no entanto não temos duas palavras
para diferenciar a árvore divina da árvore puramente física. Se
tivéssemos, seria difícil dizer que "a árvore é um deus para tal povo",
porque precisamos da palavra objetiva para dizer isto. Segunda: essa
distinção boba é a invenção de um Mengele do progressismo, John Money, o
pseudocientista que fez um cruel experimento com os gêmeos Reimer e
publicou descobertas fraudulentas.
A
direita dos EUA e do Brasil tem razão ao dizer que se trata de uma
ideologia, não de teoria. A teoria científica de Money se revelou falsa e
fraudulenta. Depois veio Judith Butler e a converteu em ideologia
dogmática. Tudo na ideologia de gênero é absurdo demais, e é ainda mais
absurdo que a loucura de uns poucos se imponha sobre a maioria nas
democracias.
O
problema da Convenção de Istambul, então, é o problema desses tratados
eternos do direito internacional, assinados por autoridades transitórias
-- tratados draconianos que não foram discutidos pelo povo nas
eleições. Como o senhor disse acerca do ambientalismo n'O Reich Verde,
essa ideologia não dá voto, então são necessários jornalistas e juristas
para legitimá-la e impô-la.
Acho
que o tratado internacional draconiano mais conhecido no Brasil é o
Acordo de Paris. Há vários anos a Deusa Ciência nos diz que o CO2 do pum
da vaca vai matar todo o mundo. Há à direita gente que pensa que o
Brasil pode ganhar dinheiro com créditos de carbono. Creio que, se
lessem o seu livro, entenderiam que o mundo do crédito de carbono é o
mundo da pobreza e da economia. O senhor pode nos explicar o seu
raciocínio?
No
entanto, é bem estranho pedir ao povo que acredite que há elites
malvadas que querem matar a humanidade. Passa-se por doido. Assim,
pergunto: Por que essa gente do ambientalismo, da ideologia de gênero e
(vai no pacote) do neorracismo tem tanta capacidade de se impor sobre as
democracias? Quem é essa gente? É a mesma do ESG, do WEF?
Respostas sobre crédito de carbono
1.
Encontrar correspondências objetivas — tais como o fato de que a
maioria dessas teorias se impõem pela escada internacional — é uma
coisa, e eu faço. Crer que "tudo está ligado" é um pensamento de
amálgama — a pior das desonestidades intelectuais segundo Raymond Aron —
e me recuso absolutamente essa facilidade de pensamento. Para além dos
fatos, não existem fantasmas. Nassim Nicholas Taleb é muito lúcido
quanto a essas questões.
2.
Taxar o carbono é um imposto, portanto um custo suplementar. A curto e
médio prazo, esse imposto só pode, por essência e definição, encarecer o
custo de todas as coisas — tanto é que a produção de qualquer bem e a
prestação de qualquer serviço implicam a emissão de CO2.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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