MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

O zumbi Brasil

 



O meu mal-estar originou-se principalmente da certeza, personalizada por Lula, de que o Brasil condenou-se a vagar num cemitério abandonado de princípios e ideias. Mario Sabino para a Crusoé:


Há pouco mais de quatro anos, Lula foi preso por corrupção e lavagem de dinheiro. Hoje, ele é candidato novamente à presidência da República e, como tal, deu entrevista ontem ao Jornal Nacional. Enquanto o assistia repetindo o seu discurso velho, as suas mentiras, as suas hipocrisias, as suas metáforas futebolísticas, fui tomado pela náusea.

Esse sujeito e cupinchas seus quiseram me encrencar com a polícia algumas vezes, acusaram-me de ter montado uma “associação criminosa” — e os seus sabujos na imprensa ainda tentam destruir a minha reputação, porque, como jornalista, ajudei a lançar luz sobre os esquemas e as farsas dessa gente. Esquemas e farsas que apagaram com a borracha jurídica. Quando Lula fez o elogio da imprensa livre, tive, portanto, engulhos. Mas a minha náusea essencial vai muito além da questão pessoal.

O meu mal-estar originou-se principalmente da certeza, personalizada por Lula, de que o Brasil condenou-se a vagar num cemitério abandonado de princípios e ideias. Lá está o jazigo da ética e da honestidade; mais à frente, o túmulo da modernidade; ali ao lado, a tumba das justiças. Enfim, tomei consciência de que, aos 60 anos, não verei país nenhum.

Alguém poderá me perguntar: mas e com a entrevista de Jair Bolsonaro, você não sentiu a mesma náusea? Não tanto, porque vejo em Jair Bolsonaro uma tragédia com fim. Já em Lula enxergo uma tragédia interminável. Jair Bolsonaro é um desvio produzido por uma circunstância que parecia favorável. Lula é a retomada do caminho principal que não nos levará a nada — ou melhor, nos fará continuar a andar em círculos no cemitério de princípios e ideias.

O aspecto mais perverso é que ele se vende como a mudança de caminho. Os cínicos de sempre se regozijam; e os ingênuos, milhões deles, acreditam que “Lula lá é a esperança”. Vão morrer esperando, em troca de esmolas, se tanto, e o Brasil permanecerá aquele monstro descrito por Paulo Mendes Campos, em O Anjo Bêbado, de 1969, trecho já citado por mim em outro artigo (andamos em círculos, lembre-se): “Imaginemos um ser humano monstruoso que tivesse a cabeça tomada por um tumor, mas o cérebro funcionando bem; um pulmão sadio, o outro comido pela tísica; um braço ressequido, o outro vigoroso; uma orelha lesada, a outra perfeita; o estômago em ótimas condições, o intestino carcomido de vermes… Esse monstro é o Brasil: falta-lhe alarmantemente o mínimo de uniformidade social. Profissão entre nós mais incerta que a de sociólogo só a de estatístico: as generalizações no Brasil nada valem, as médias aritméticas são grotescas, a busca de um padrão social é uma vaidade que não podemos ostentar”.

De tempos em tempos, divulga-se que vivemos um caos inédito no país, como se em algum momento tivéssemos vivido algo diferente. Não há caos inédito no Brasil, como notou Lúcio Cardoso, em Diário Completo, no longínquo 1949: “Não sei que caos é este a que se referem nossos articulistas políticos e que, segundo eles, já se aproxima. Engano: há muito estamos nele. O Brasil é um prodigioso produto do caos, uma rosa parda de insolvência e confusão. A verdade é que já nos acostumamos com isso, não dói mais, como certas doenças malignas”.

Não verei país nenhum, apenas esse zumbi vagando pelo cemitério abandonado de princípios e ideias. Não veremos.

PS: Peço desculpas ao menino Miguel, de 11 anos, morador da região metropolitana de Belo Horizonte, que no dia 2 de agosto ligou para a polícia para pedir ajuda porque ele e a sua família passavam fome. “Ô, seu policial, aqui é por causa que aqui em casa não tem nada pra gente comer e eu tô com fome. Minha mãe só tem farinha e fubá pra comer”, disse Miguel ao policial, conforme li no Estadão, que fez um excelente editorial a respeito do episódio. Ele ficou aflito porque estavam todos sem comer e mãe dele chorava. A fome de meninos como Miguel é secular e objeto de exploração política. A sua causa é o patrimonialismo, a sua causa é o populismo, a sua causa é a corrupção. Desculpas, Miguel, porque a minha geração falhou miseravelmente, cumprindo a maldição de todas as anteriores.
 
BLOG  ORLANDO  TAMBOSI

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