O erro mais comum é tratar o conservadorismo, no Brasil e em todo o mundo, como uma doença do espírito, uma pneumopatologia como diria Eric Voegelin, e não uma opção política não apenas defensável, mas a epítome da prudência e do ceticismo político. Alexandre Borges via Gazeta do Povo:
Nas
eleições de 2014, Jair Messias Bolsonaro foi o deputado federal mais
votado do estado do Rio de Janeiro, recebendo 464.572 votos de eleitores
fluminenses (6,1% do total). Ele conquistou seu sétimo mandato
consecutivo no Congresso Nacional com quase quatro vezes mais votos que
obteve na eleição anterior, quando ficou em 11º lugar (1,5% dos votos). O
bolsonarismo, assim como o conservadorismo, não nasceu naquele ano, mas
sua votação inédita e expressiva mostrava que algo estava mudando na
política brasileira e no Brasil, um processo que ainda está em
andamento.
A
derrota de Donald Trump nas eleições de 2020 enterrou um odioso mercado
de livros que tentavam explicar o "nacional-populismo" ou a
"alt-right", mas não passavam, na melhor das hipóteses, de diatribes
ideológicas de um progressismo elitista, afetado e, na essência,
antidemocrático. Se você leu Como funciona o fascismo (Jason Stanley),
sabe exatamente do que estou falando.
Nem
tudo que foi lançado na época foi um equívoco constrangedor. Há
exceções honrosas de todos os lados. Desde o excelente e indispensável O
fim da classe média (Christophe Guilly), passando por Brexit (Roger
Scruton) até Por um populismo de esquerda (Chantal Mouffe), houve
autores que entenderam o que estava acontecendo, mas foram poucos. No
geral, apenas gritos histéricos de "o fascismo está chegando!", de
triste memória.
O
Brasil, que sempre chega atrasado nos modismos intelectuais, resolveu
ter sua parte nesse latifúndio editorial com livros igualmente infelizes
sobre a "nova direita", "novo integralismo" ou bolsonarismo, um
fenômeno que talvez ainda demande algum distanciamento para a elaboração
de teses minimamente críveis, originais e intelectualmente honestas. Se
mercados maduros ainda lutam para dispor títulos dignos de nota, o que
diremos do Bananão? É como procurar agulha em palheiros.
Um
dos melhores livros e o mais premonitório sobre os tempos atuais no
Brasil é, sem dúvida, A Imaginação Totalitária (Francisco Razzo),
escrito naquele longínquo 2014 que deu quase meio milhão de votos a
Bolsonaro e publicado no ano seguinte. O filósofo e colunista desta
Gazeta fez uma investigação séria, não ideológica, nada oportunista e
suprapartidária sobre o risco do pensamento totalizante e autoritário
que persiste no país e merece todos os aplausos, mas assim como
aconteceu com nos países desenvolvidos, foi uma vela quase solitária
acesa em meio a trevas.
Razzo
soube identificar com precisão a raiz das perversões políticas, assim
como Edmund Burke dois séculos antes e Michael Oakeshott há algumas
décadas, o perigo da política como "fé" ou "esperança", uma metafísica
que imanentizava a escatologia em substituição aos princípios cristãos
fundadores do que entendemos por Ocidente. O "paraíso na Terra", de
Marx, nada mais é do que isso.
O
erro mais comum é tratar o conservadorismo, no Brasil e em todo o
mundo, como uma doença do espírito, uma pneumopatologia como diria Eric
Voegelin, e não uma opção política não apenas defensável, mas a epítome
da prudência e do ceticismo político. Quem cai nessa esparrela busca
identificar o agente patogênico que produziu a enfermidade na alma do
paciente para depois propor, diretamente ou não, a cura. O autor
pretende, nestes casos, realizar um exorcismo político que tire daquele
corpo o patógeno maligno e devolva o paciente para o estado natural da
humanidade, ou o que entendem por progressismo. Patético, mas vende.
O
conservadorismo no Brasil nasceu em 26 de abril de 1500 (6 de maio, se
corrigido para o calendário atual), quando o Frei Henrique Soares de
Coimbra rezou nossa primeira missa, acompanhada por colonizadores e
indígenas, no sul da Bahia. Quando a cruz de Cristo se levantou pela
primeira vez "ao som do mar e à luz do céu profundo" deste berço
esplêndido, num domingo de Páscoa, e uma homilia católica foi proferida,
este solo foi batizado e começamos a história propriamente dita do que
viria a ser este país. E nada indica que a metafísica cristã, fonte
originária do conservadorismo, vai nos abandonar. Amém.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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