BLOG ORLANDO TAMBOSI
Temos a tendência irracional e injusta de odiar quem não nos diz o que queremos ouvir desde sempre e nada indica que vamos mudar. Alexandre Borges para a Gazeta:
Um dos mais importantes reis armênios, Tigranes "o Grande",
que viveu um século antes de Cristo, quando recebeu a notícia de que
seu inimigo, o romano Lúculo, estava se aproximando com seus soldados,
ficou tão irritado que mandou cortar a cabeça do mensageiro. Segundo
Plutarco, ninguém mais teve coragem de levar uma má notícia a Tigranes,
que passou a ficar cercado apenas de bajuladores e perdeu completo
contato com a realidade da guerra. A Armênia acabou dominada pelos
romanos.
Se
você ainda duvida da importância que damos às notícias positivas,
lembre que o texto mais importante e influente da história da
humanidade, o Evangelho, significa literalmente "boa nova". Como disse
Sófocles na Antígona, "ninguém gosta de quem traz más notícias". Temos a
tendência irracional e injusta de odiar quem não nos diz o que queremos
ouvir desde sempre e nada indica que vamos mudar.
O
mensageiro que tem um alvo pintado no peito atualmente são os
institutos de pesquisa de opinião que trazem notícias desagradáveis aos
espíritos mais sensíveis e militantes. O Brasil já teve um número ínfimo
de empresas especializadas em captar, na medida do possível, os humores
do eleitorado, mas hoje há dezenas de institutos divulgando
regularmente resultados de seus levantamentos, balizando as decisões de
campanha mais importantes dos principais candidatos. Você pode não
acreditar em pesquisas eleitorais, mas os políticos acreditam e por bons
motivos.
As
pesquisas eleitorais erram? É preciso responder com honestidade essa
questão, mais complexa do que parece. O objetivo das pesquisas é mostrar
um retrato da realidade num determinado momento, dentro de uma margem
de erro esperada, mas não devem ser vistas como uma espécie de mapa
astral das eleições, uma previsão esotérica das urnas. Cada eleitor pode
mudar de ideia no próprio dia da votação, o que faz o exercício de
adivinhação do resultado final um tiro no escuro.
Num
levantamento feito pelo site Poder360 sobre as eleições de 2020, o
Datafolha teria "errado" o resultado de todos os quatro pleitos
avaliados, ou seja, o instituto divulgou resultados que não refletiam
acuradamente, dentro da margem de erro, o percentual de votos válidos
recebidos pelos candidatos. Vale lembrar que o próprio site tem seu
instituto de pesquisa e é concorrente do Datafolha, o que deve ser
considerado ao ler a matéria.
Em
São Paulo, o Datafolha previu a vitória de Bruno Covas (PSDB) na
disputa contra Guilherme Boulos (PSOL) por 55x45, mas a contagem de
votos nas urnas foi 59x41 para o tucano, uma diferença de 4 pontos
quando a margem de erro da pesquisa era de 2 pontos. O instituto deu um
resultado fora da margem de erro, mas captou perfeitamente o humor do
eleitor paulistano e cravou o resultado final, a reeleição do falecido
neto de Mario Covas, com exatidão.
No
Rio de Janeiro, um caso parecido. O Datafolha previu uma vitória de
Eduardo Paes (ex-DEM, atual PSD) contra Marcelo Crivella por 68x32. Nas
urnas, Paes venceu por 64x36, novamente uma diferença de 4 pontos entre o
resultado da pesquisa e das urnas, num levantamento com margem de erro
de 3 pontos. Um equívoco levemente fora da diferença esperada, mas houve
a previsão correta do quadro final.
É
preciso cuidado ao chamar de "erro" o resultado de uma pesquisa
eleitoral feito horas ou dias antes da eleição que não se confirma com
exatidão nas urnas, já que a opinião do eleitor é volátil, especialmente
nos momentos finais, e nada impede que o instituto tenha captado o
momento que antecede o pleito corretamente, mas não tenha previsto a
mudança de ideia de alguns eleitores de um dia para o outro. Já houve
erros grosseiros, mas são mais exceção do que regra.
Os
institutos de pesquisa podem divulgar, mesmo que na véspera do pleito,
pesquisas que não se confirmam com precisão cirúrgica nas urnas,
considerando a margem de erro, e você deve pensar nisso se entrar numa
bolsa de apostas. Mas se você quer apenas antever quem vai ganhar e ter
uma ideia aproximada da diferença entre os concorrentes, os institutos
mais tradicionais têm se mostrado suficientemente confiáveis. Goste você
da notícia ou não.
Você
pode optar por ser um Tigranes e mandar "cortar a cabeça",
metaforicamente falando (triste ter de explicar isso hoje em dia), de
quem traz más notícias, ou arregaçar as mangas e trabalhar com a
realidade, por pior que seja naquele momento. Tigranes, o tirano cercado
por sabujos, foi vencido pelos romanos. Um resultado que qualquer um
poderia prever, mesmo séculos antes da existência de institutos de
pesquisa.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário