Deu em O Globo
Ao ser entrevistado pelo Jornal Nacional, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostrou estar em forma na arte de desviar de temas indesejados. Fez de tudo para minimizar os escândalos de corrupção nos governos do PT. Na fala do candidato líder nas pesquisas, parece que só houve excessos entre os procuradores da Operação Lava-Jato e que a roubalheira na Petrobras não teve nada a ver com os governos do PT.
Na sua visão, o partido merece aplausos por ter feito uma gestão republicana permitindo que a sujeira viesse à tona — e driblou como pôde a questão sobre como indicaria o próximo procurador-geral.
PICANHA COM CERVEJA – Foi astucioso, mas dificilmente convenceu algum antipetista. Com os demais — aqueles que preferem Lula sem muita convicção ou os indecisos —, é provável que tenha mais chance. Sua habilidade de comunicador ajudou, e ele soube escolher temas caros ao eleitor. Voltaram os sorrisos, o otimismo bonachão e as metáforas futebolísticas.
O brasileiro quer, sim, voltar a comer picanha com cerveja e conseguir um emprego melhor. Faltou explicar como fazer a economia crescer, condição inescapável para atingir tais objetivos.
Lula concentrou-se apenas no legado positivo de seu governo, desviando do histórico incômodo de bancarrota fiscal que o PT legou ao Brasil.
OUTRO CENÁRIO – De lá para cá, a conjuntura externa que beneficiou as gestões petistas também mudou completamente. Os preços dos produtos exportados pelo Brasil estão em alta, mas o cenário não se compara ao da primeira década deste século.
No discurso, Lula deu a impressão de querer fazer um governo mais com cara de Geraldo Alckmin, seu vice e ex-governador tucano de São Paulo, que de Dilma Rousseff, a última presidente petista.
Até criticou a sucessora ao dizer que ela se equivocou ao represar o preço da gasolina e ao conceder desonerações fiscais.
MEA CULPA RIDÍCULO – Perto do desastre provocado pelo governo Dilma na economia, é um mea-culpa ridículo. Perto da dificuldade crônica dos petistas em reconhecer os próprios erros, até que foi um avanço. Claro que depois ele atribuiu a culpa pelos anos de recessão aos líderes do Congresso na ocasião.
No front externo, Lula perdeu mais uma vez a chance de condenar sem ressalvas o regime na Venezuela e as demais ditaduras de esquerda na América Latina. Lançou mão de um argumento em andrajos, proclamando a autodeterminação dos povos e dizendo que o Brasil passaria a ter amigos entre todas as nações.
Não que alguém sério tenha dúvidas sobre as credenciais democráticas de Lula (o candidato mais próximo de tentar transformar o Brasil numa Venezuela é Jair Bolsonaro). Mas o cacoete de tratar as alas antidemocráticas que o PT abriga apenas como uma torcida de futebol exaltada é sempre um foco de preocupação.
ANTIBOLSONARO – Os trechos da entrevista em que Lula foi mais convincente ficaram restritos aos momentos em que prometeu ser a antítese de Bolsonaro. Nem precisou falar na pandemia. Defendeu reforço do combate ao desmatamento. Mostrou-se a favor da autonomia das instituições de Estado.
Prometeu negociar com quem pensa diferente e, para incredulidade geral, acabar com o orçamento secreto. Afirmou que criará um ambiente sem sobressaltos, com “credibilidade, previsibilidade e estabilidade”. Louvou a alternância do poder.
É um discurso que, de acordo com as pesquisas de opinião, tem funcionado para convencer a maior parcela da população. A prática continua uma incógnita.
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