Basicamente, a Lua continua igual: trata-se de um baldio que parece intervencionado pelo Vhils e que não é varrido desde que começou a andar à volta da Terra. Não se percebe esta vontade de lá ir. José Diogo Quintela para o Observador:
Foi
adiado o lançamento do foguetão não tripulado que, lá para 2025, vai
levar seres humanos à Lua, no âmbito do programa espacial Artemis. A
partida estava prevista para as 13h33 de ontem, mas acabou por ser
abortada, devido a uma fuga de combustível. Quer dizer, essa é a
explicação oficial. Na realidade, o que aconteceu foi que, enquanto
faziam as últimas verificações, os técnicos repararam que o depósito não
estava cheio. O responsável por atestá-lo tinha o dinheiro contado, mas
de um dia para o outro aumentou o preço do combustível, de maneira que
só deu para metade. Ou isso ou esqueceu-se do Galp Frota. A NASA está
agora a fazer uma vaquinha para encher o resto até sexta-feira, altura
em que voltarão a estar reunidas as condições meteorológicas ideais para
o lançamento. Este revés deixa dúvidas sobre o sucesso da missão, ao
ponto de estarem a pensar mudar o nome de Artemis 1 para Artemis Hum.
O
voo vai servir para testar a cápsula Órion – a nave espacial que um dia
alojará os astronautas – nomeadamente, a sua resistência às condições
de alta velocidade e de elevado calor quando reentra na atmosfera
terrestre. Na semana em que acabaram as férias, apercebi-me bem da
importância desse pormenor. É fundamental ter boa resistência ao parvo
calor que se sente em Lisboa e à estúpida rapidez com que o regresso é
feito. O que eu não dava para, só durante Setembro, estar forrado com o
amianto com que estas naves são impermeabilizadas.
Há
quem se indigne com o facto de a humanidade não ter voltado à Lua desde
1972, mas eu acho que é do mais elementar bom senso. Não se pode dizer
que, desde então, haja novos motivos de interesse. Basicamente, a Lua
continua igual: trata-se de um baldio que parece intervencionado pelo
Vhils e que não é varrido desde que começou a andar à volta da Terra.
Não havendo novidades, não se percebe esta vontade de lá ir. Têm
saudades? Vejam as fotos que os astronautas tiraram na altura. Continuam
em dia.
Aliás,
parece-me que este projecto enferma de grande bazófia ao nível da
logística. A NASA quer começar a preparar uma viagem à Lua, com tudo o
que isso implica de transporte de material, numa altura em que é
impossível viajar de Lisboa a Madrid sem que a companhia aérea perca as
malas. Ou são muito optimistas, ou usam outra empresa de handling.
Apesar
disso, a colonização da Lua é uma possibilidade excitante. Tenho a
certeza de que o dia em que o primeiro grupo de pessoas chegar à Lua vai
ser um momento de euforia para a humanidade. E tenho a certeza de que o
dia em que o segundo grupo de pessoas chegar à Lua vai ser um momento
de grande irritação para o primeiro grupo, que vai ver o bairro invadido
por turistas endinheirados a transformarem tudo em Airbnb, obrigando os
locais a mudarem-se para T1 com quartos minguantes. Viver-se-á então a
primeira bolha imobiliária lunar – metafórica e literal, já que aquelas
estufas onde os habitantes do espaço moram são, efectivamente, bolhas.
Fala-se
na hipótese de a próxima pessoa a pisar a Lua ser uma mulher. Acho
óptimo que, por uma questão de justiça e igualdade, as mulheres tenham o
mesmo protagonismo que os homens numa futura colonização da Lua. Se for
para ir mais além no Sistema Solar, já não tenho tanta certeza. Quem vê
filmes de ficção científica sabe que a única forma de o ser humano
aguentar viagens tão longas é sujeitando-se à criogenia. Ora, é um facto
científico que as mulheres são muito mais friorentas na cama. Será que
estão dispostas a dormir congeladas durante anos numa espécie de tubo de
acrílico? Mais: será que os seus companheiros de viagem têm a fibra
moral necessária para lidar com o mau humor de uma mulher que acordou
com os pés gelados?
A
preservação criogénica levanta questões interessantes. Qual será a
sensação? Será que dói a cabeça, como quando se come um gelado, mas
vezes mil? Será que, se nos deitarmos com um entorse, acordamos com o pé
desinchado? E como é que se processa o descongelamento? Ao Sol? Mas o
Sol está nas costas da nave, onde não há janelas, só motores. Ou num
micro-ondas gigante? Se sim, ficamos com as extremidades quentes e
moles, mas com as entranhas frias? E os nossos antepassados, quando
sonhavam com viagens no espaço, como pensavam conservar os astronautas
durante o voo? Pendurados de cabeça para baixo num fumeiro? Ou em
salmoura? Será preferível acordar em Neptuno como morcela ou como
bacalhau? Enfim, faz falta um Isaac Asimov para pensar sobre estes
temas.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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