POLITICA LIVRE
Quando o marido da mineira Cláudia Moreira recebeu uma notificação de cobrança de quase € 2.000 (R$ 11,2 mil) em multas por passar por pedágios sem pagar, ela pensou se tratar de um golpe. Uma visita ao portal das finanças luso, no entanto, mostrou que o problema era bem real.
Revezando temporadas entre Portugal e Brasil há dois anos, o casal desconhecia o sistema de pagamento sem cabines de cobrança que pode levar a uma bola de neve de juros, multas e taxas administrativas.
“Passamos duas semanas de férias percorrendo praias do Algarve. Sem saber, passamos por vários trechos que custavam € 0,50 [R$ 2,83] ou € 0,60 [R$ 3,40] cada um”, diz ela. “Depois, ao conversar com amigos, descobri que muita gente já tinha passado por situações assim, inclusive portugueses.”
Dívidas geradas por pedágios são um problema conhecido no país, mas ganharam novo fôlego com a chegada do tema ao Parlamento, que discute a aprovação de mecanismos para limitar supercobranças.
Nas redes sociais, usuários compartilham notificações de cobrança que mostram como dívidas de pequenas cifras se transformam em processos de milhares de euros. Essas situações ocorrem em um tipo muito específico de cobrança eletrônica, normalmente instalado em rodovias secundárias.
Diferentemente de pedágios tradicionais, esse sistema não tem a opção de pagamento manual. No lugar de uma cancela e de uma cabine para controlar a passagem, há equipamentos para ler a placa dos carros.
Para quem tem aparelhos de cobrança automática, similares ao Sem Parar brasileiro, o montante é debitado normalmente. As dificuldades acontecem para aqueles que não usam o dispositivo ou enfrentam algum tipo de problema com o aparelho. Nesses casos, os condutores são obrigados a fazer, por conta própria, uma busca pelas cobranças vinculadas às placas de seus carros. O sistema pode ser consultado em agências dos correios e no site da instituição, ou ainda em uma rede de lojas parceiras e por SMS.
Os valores cobrados só aparecem no sistema 48 horas após a passagem pelo ponto de pedágio, e o prazo de pagamento, que antes era de cinco dias úteis, foi ampliado, no começo de 2022, para 15 dias úteis, contados a partir do dia seguinte à passagem pelo pedágio. A lista de dificuldades e burocracias se agrava quando os débitos não são quitados no período determinado.
O primeiro passo é a notificação do proprietário do veículo, via carta registrada, pela concessionária da estrada. Os condutores têm então 30 dias úteis para pagar a dívida, acrescida de custos administrativos.
O endereço utilizado para o envio do alerta é o que consta no documento de registro do automóvel. Como muitas pessoas mudam de casa e não atualizam as informações, é comum que essa base de dados esteja desatualizada. Caso o valor não seja pago após a notificação, a dívida é então encaminhada à Autoridade Tributária de Portugal, que pode fazer uma cobrança coercitiva, com penhora de salários, bens e pensões.
A cobrança do Fisco inclui ainda uma multa adicional, equivalente a 7,5 vezes o valor em dívida –com mínimo de 25 euros e máximo de 100–, além do acréscimo de custos processuais. Como as cifras são consideradas dívidas fiscais ao Estado, o contribuinte está sujeito a constrangimentos e sanções.
Os procedimentos para o pagamento dos pedágios eletrônicos são alvo de críticas feitas por diversas entidades, incluindo a Deco Proteste, principal associação de defesa dos direitos do consumidor em Portugal, que classifica o sistema de injusto e ineficiente. “Quem não dispõe do serviço Via Verde [equivalente ao Sem Parar brasileiro] está obrigado a enfrentar um penoso processo onde reina a falta de informação. E se o processo correr mal, algo que acontece com muita frequência, os contribuintes podem se ver a braços com processos de execução fiscal”, diz a entidade.
O problema, que já se arrasta há mais de uma década, pode estar prestes a ter uma solução. No último dia 13, o Parlamento português aprovou uma lei que impõe um limite às cobranças de pedágio.
O projeto, do partido Iniciativa Liberal (IL), recebeu a aprovação na chamada generalidade, o que implica que ele ainda precisa passar por uma segunda votação. “Temos uma das maiores vergonhas deste país, que já arruinou a vida de milhares de pessoas: as sanções astronômicas pelo não pagamento de pedágios”, disse o deputado Carlos Guimarães Pinto, da IL, durante sessão em que defendeu o projeto.
“Basta um percalço, uma mudança de endereço ou um erro no sistema para que pedágios de dezenas de euros se transformem em dívidas de milhares de euros. Para que se transformem em penhoras de casas e de salários, para que se transformem em impedimento de voltar a ter patrimônio em seu nome”, afirmou.
O texto aprovado pelo Parlamento prevê que “o valor total cobrado […] não pode exceder três vezes o valor das respectivas taxas de pedágio, sem prejuízo dos juros de mora”. Proposta pelo Bloco de Esquerda, uma iniciativa que previa uma anistia das dívidas foi rejeitada pelos deputados.
Giuliana Miranda/Folhapress
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