Pronto desde 28 de agosto, documento foi publicado só nesta quinta (12).
Órgão também exige que PMs se identifiquem ao trabalhar em manifestações.
Em protesto realizado em agosto, manifestantes ironizaram
proibição do uso de máscaras (Foto: Alexandre Morais / G1)
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE), em documento publicado no
Diário Oficial desta quinta-feira (12), recomenda à Secretaria de Defesa
Social do estado que a Polícia Militar não proíba o uso de máscaras
pelas pessoas que participam das manifestações populares e use os meios
necessários e legais para evitar a prática de crimes, realizando
revistas pessoais apenas quando existirem indícios de crime ou fundada
suspeita. O posicionamento oficial sobre o polêmico uso de máscaras em
protestos é divulgado 17 dias após o MPPE se reunir com a Frente de Luta
pelo Transporte Público, quando comprometeu-se a emitir essa
recomendação.proibição do uso de máscaras (Foto: Alexandre Morais / G1)
O documento também chega em um período em que a SDS e Secretaria de Planejamento e Gestão discutem com outros órgãos, entidades e representantes da sociedade civil a construção de um protocolo que vai normatizar a realização de protestos e disciplinar as operações policiais. Na última terça (10), inclusive, durante reunião sobre o assunto, o titular da 8° Promotoria de Defesa da Cidadania do Recife, Maxwell Vignoli, estranhou o fato de a recomenção estar pronta desde 28 de agosto, mas não ter sido publicada, até aquela ocasião.
Por meio da assessoria de imprensa, a SDS afirmou que só vai se posicionar sobre o assunto quando receber oficialmente a recomendação.
Veja, abaixo, a recomendação na íntegra:
RECOMENDAÇÃO Nº 003/2013 8ª PJD-HC
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, com fundamento nas disposições contidas no art. 129, II, da Constituição Federal; na Lei nº 8.625/93, art. 26, I e IV, e art. 27, I e II, parágrafo único, IV, combinados, ainda, com o disposto no art. 5º, I, II e IV, e art. 6º, I e IV, da Lei Complementar Estadual nº 12/94, atualizada pela Lei Complementar nº 21/98; nos autos do Procedimento Preparatório n.º 12006-1/8, apresente a seguinte RECOMENDAÇÃO, na forma que se segue:
CONSIDERANDO que o Ministério Público é defensor do Estado Democrático de Direito e da Constituição Federal Brasileira, a qual o defende a livre reunião dos indivíduos para manifestar-se em locais públicos, conforme disposto no artigo 5º, inciso XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”;
CONSIDERANDO o disposto no art. 220 da Carta Magna “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. § 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. (…);
CONSIDERANDO que o direito à livre manifestação está, portanto, consagrado como garantia fundamental na Carta Magna brasileira, de forma que cabe ao Ministério Público assegurar este direito aos cidadãos;
CONSIDERANDO que ao “abrir mão” de certas liberdades para o Estado, o cidadão espera uma contrapartida por parte daquele, o que se concretiza com as atuações públicas do Estado em prol da sociedade, sendo certo que dentre estas atuações encontra-se a atividade policial, existente para garantir a segurança e a ordem pública;
CONSIDERANDO ser função institucional do Ministério Público o exercício de controle externo da atividade policial, nos termos do art.129, VII, da Carta Magna;
CONSIDERANDO a Resolução do CNMP n° 18, de 28 de maio de 2007, regulamentando os artigos 9°, da Lei Complementar n° 75/93 e 80, da Lei n° 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, o controle externo da atividade policial, em especial o seu artigo 2°, o qual prescreve que: “O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público tem como objetivo manter a regularidade e a adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade policial, bem como a integração das funções do Ministério Público e das Polícias voltada para a persecução penal e o interesse público, atentando, especialmente, para: I – o respeito aos direitos fundamentais assegurados na Constituição Federal e nas leis II – a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público III – a prevenção da criminalidade IV – a fi nalidade, a celeridade, o aperfeiçoamento e a indisponibilidade da persecução penal V – a prevenção ou a correção de irregularidades, ilegalidades ou de abuso de poder relacionados à atividade de investigação criminal VI – a superação de falhas na produção probatória, inclusive técnicas, para fi ns de investigação criminal VII – a probidade administrativa no exercício da atividade policial”;
CONSIDERANDO que a atuação policial pode ser compreendida como o Poder de policia, descrito no artigo 78 do CTN “Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 28.12.1966)”;
CONSIDERANDO que o poder de polícia pode ser definido como o poder do Estado de invadir e limitar certas garantias e direitos individuais quando o interesse público prevalecer sobre o interesse particular, sendo tal uma prerrogativa conferida aos agentes da Administração Pública, devendo sempre levar em consideração o princípio da legalidade, que norteia os atos da Administração Pública;
CONSIDERANDO que tal princípio quando aplicado ao particular permite-o fazer tudo o que a lei não veda, porém, segundo Hely Lopes Meireles, no âmbito da Administração Pública, esta somente pode realizar o que a lei expressamente permite, o que denota a importância de controles e filtros de legalidade para evitarem-se atos abusivos e arbitrários.
CONSIDERANDO que o conceito de legalidade pressupõe, como limite à discricionariedade, que os motivos determinantes sejam razoáveis e o objeto do ato proporcional à fi nalidade declarada ou implícita na regra de competência.
CONSIDERANDO que as atuações policiais ao agirem em nome da defesa da segurança e ordem pública, somente podem exercer o poder de polícia quando pautado pela legalidade, onde sua extrapolação caracteriza-se abuso de poder.
CONSIDERANDO as recentes manifestações do Excelentíssimo Secretário de Defesa Social em matérias jornalísticas, no sentido de que o Estado de Pernambuco passará a proibir o uso de máscaras em manifestações populares sem o devido respaldo legislativo prévio;
CONSIDERANDO que a vedação ao anonimato, prevista constitucionalmente, refere-se à manifestação escrita do pensamento, sendo certo que tal dispositivo constitucional não alcança a cobertura facial e que ninguém pode ser constrangido a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de Lei (princípio da legalidade) não há norma que proíba alguém de se manifestar com o rosto coberto, inexistindo punição positivada para tal conduta;
CONSIDERANDO que os cidadãos não podem ser privados de seus direitos e liberdades fundamentais sem existir normal legal que tipifique sua conduta, caso contrário caracterizar-se-á abuso de poder por parte da autoridade;
CONSIDERANDO que o Princípio da legalidade penal, previsto no inciso XXXIX do art. 5º da Constituição Federal e art. 1º do Código Penal Brasileiro, prevê “não há crime sem lei anterior que o defi na. Não há pena sem prévia cominação legal”;
CONSIDERANDO que incumbe aos órgãos do Ministério Público, quando do exercício ou do resultado da atividade de controle externo comunicar à autoridade responsável pela repartição ou unidade militar, bem como à respectiva Corregedoria ou autoridade superior, para as devidas providências, no caso de constatação de irregularidades no trato de questões relativas à atividade de investigação penal que importem em falta funcional ou disciplinar, nos termos do artigo 4°, inciso VI, da Resolução do CNMP n° 18, de 28 de maio de 2007;
CONSIDERANDO ser direito do cidadão Identificar o policial que o aborda e, caso o cidadão não obtenha espontaneamente a identifi cação do policial em uma abordagem, ele tem o direito de perguntar, o nome do policial, sua matrícula, lotação, posto, graduação ou cargo.
CONSIDERANDO que constitui transgressão disciplinar qualquer violação dos preceitos da ética, dos deveres e das obrigações policiais militares, na sua manifestação elementar e simples, qualquer omissão ou ação contrária aos preceitos estatuídos em leis, regulamentos, normas ou disposições, desde que não constituam crimes, nos termos do art. 13, do Decreto n° 6.752, de 1° de outubro de 1980 (Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Pernambuco);
CONSIDERANDO serem transgressões disciplinares, nos ternos do art. 14, Inciso I, do referido Regulamento, “todas as ações e omissões contrárias à disciplina policial militar especifi cadas no Anexo I do presente Regulamento”;
CONSIDERANDO o Anexo I do presente Regulamento, no qual consta ser transgressão disciplinar: “2 – utilizar-se do anonimato” e “71 – apresentar-se desuniformizado, mal uniformizado ou com uniforme alterado”;
CONSIDERANDO que a não identificação policial também constitui abuso de autoridade;
CONSIDERANDO o caput do art. 146, do Código Penal, o qual prescreve: Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda;
CONSIDERANDO que as citadas matérias jornalísticas apontam que, na hipótese de os cidadãos não cumprirem a “ordem” de tirar as máscaras, haverá detenção por prática de crime, o que significa, em outras palavras, auto de flagrante delito, consubstanciando evidente violação ao princípio acima transcrito;
CONSIDERANDO os últimos acontecimentos recentes na cidade do Recife, com repercussão na região metropolitana, envolvendo as Manifestações Populares nos últimos meses, houve diversos confrontos entre cidadãos e a atuação policial;
RESOLVE, o Ministério Público de Pernambuco RECOMENDAR à Secretaria de Defesa Social de Pernambuco que, no exercício do Poder de Polícia conferido aos agentes públicos do Estado de Pernambuco:
a) abstenha-se de proibir o uso de máscaras pelos cidadãos que participam das manifestações populares;
b) use os meios necessários e legais para evitar a prática de crimes, realizando-se revistas pessoais apenas quando existirem indícios de prática delitiva ou fundada suspeita;
c) quando da ocorrência de crime ou contravenção penal realize os procedimentos administrativos próprios e legais para a lavratura do auto de prisão em fl agrante delito;
d) exija, no exercício da atividade policial, a identificação funcional dos policiais militares em suas fardas, bem como o porte de carteira funcional da Corporação, possibilitando ao cidadão a verificação de sua matrícula, lotação, posto, graduação ou cargo.
Recife, 28 de agosto de 2013.
Christiana Ramalho Leite Cavalcante, promotora de Justiça
Isabela Rodrigues Bandeira Carneiro Leão, promotora de Justiça
Fabiano de Araújo Saraiva, promotor de Justiça
Janaina do Sacramento Bezerra, promotora de Justiça
Marco Aurélio Farias da Silva, promotor de Justiça
Maxwell Anderson de Lucena Vignoli, promotor de Justiça
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