Grupo treinado pelo Mais Médicos foi a comunidade carente na Zona Sul.
Agentes de saúde da UBS Cupecê guiaram profissionais divididos em trios.
Os
médicos Luis Fernando Haro (mexicano), Leandro Morales (brasileiro) e
Ignacio Marcos Quintana (argentino), com a agente de saúde Neuza Souza,
na Zona Sul de São Paulo (Foto: Luna D'Alama/G1)
Mais de 50 médicos brasileiros e estrangeiros em treinamento na capital
paulista pelo programa federal Mais Médicos se dividiram em dois
grandes grupos na manhã de sexta-feira (6) para visitar comunidades
carentes na Zona Sul. Esse foi o primeiro trabalho de campo deles antes
do início do atendimento real, a partir do dia 16.Os médicos formaram trios e partiram guiados por agentes comunitárias de saúde. O mexicano Luis Fernando Haro, o argentino Ignacio Marcos Quintana e o brasileiro formado na Espanha Leandro Morales partiram junto com Neuza Souza, que é de Irecê (BA) e mora na mesma comunidade onde trabalha há 12 anos – a comunidade da Mina, próximo à favela Alba, entre a Avenida Jornalista Roberto Marinho e a Rodovia dos Imigrantes.
Bem recebidos
Os três médicos foram bem recebidos pelas famílias que conheceram. "Vi na televisão que vocês iam chegar", afirmou uma jovem. "Que bom que vocês vieram, está precisando mesmo, é muita gente para pouco médico. Tem dia que a gente vai à UBS e tem que voltar, porque está cheio demais", destacou a dona de casa Conceição Cândida Vieira, de 72 anos.
Conceição, que vive com um de seus sete filhos, é hipertensa e tem osteoporose. Recebe visitas mensais da equipe de saúde, e diz que toma os remédios corretamente.
Outra família que recebeu a visita dos quatro profissionais foi a da dona de casa Idalina Pereira da Silva, de 71 anos, natural do Sul de Minas e uma das primeiras moradoras da comunidade. A idosa é hipertensa, diabética e teve as duas pernas amputadas (uma por causa da diabetes e outra após uma queda). Ela também apresenta dificuldade de visão no olho esquerdo, que fica lacrimejando e turvo de vez em quando.
Dos cinco filhos de Idalina, quatro são hipertensos e um, que vive em Minas, é diabético. Duas filhas que estavam com a mãe na hora da visita dizem que tomam remédio para controlar a pressão, e uma delas – que só tem um dos rins funcionando – trocou de medicamento por conta própria, pois não se habituou ao que foi prescrito pela médica.
Em todo o período da visita, mesmo com tantas dificuldades, Idalina se manteve alegre, sorridente, falando da vida, de seus dois papagaios e das oito crianças que uma das filhas toma conta. Sobre a hipótese de a comunidade ser removida dali, para dar lugar a uma ligação direta entre a Avenida Jornalista Roberto Marinho e a Rodovia dos Imigrantes, ela disse: "Se tirarem a gente daqui, fazer o quê, já desfrutei muito".
Na sequência, os médicos entraram em algumas vielas e conversaram com uma jovem cujo filho de 1 ano e 3 meses está com um coágulo na cabeça – o que tem provocado movimentos estranhos nos olhos – e com uma idosa que reclamava de dor no nervo ciático. A agente Neuza mostrou, ainda, um senhor chamado Raimundo, que vive sozinho, tem problema de alcoolismo e foi curado de tuberculose em 2005.
"Eu ia lá todos os dias dar remédio. Mas ele fingia que tomava e a doença ia piorando, então comecei a ficar mais tempo ali, até garantir que tivesse colocado o medicamento na boca e engolido", contou.
Impressão dos médicos
O médico argentino Ignacio – que é de Córdoba, mas mora no Brasil há três anos – já havia visitado comunidades carentes do país: foi duas vezes à favela da Rocinha, na Zona Sul do Rio, antes e depois da pacificação.
"Existem alguns códigos que temos que respeitar, e também é preciso ter bom senso para não atrapalhar, manter algumas coisas em sigilo", apontou o profissional, que veio ao Brasil primeiro para morar em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, onde era treinador de rúgbi, e desde fevereiro estava em Ilhabela, no litoral norte de São Paulo. Pelo Mais Médicos, ele vai atuar em Bertioga, no litoral sul.
Sobre a participação dos agentes comunitários e enfermeiros na visita à população, Ignacio concorda que os médicos não podem trabalhar sozinhos nem achar que salvam vidas. "A gente só preserva e melhora a qualidade de vida", ressaltou.
O mexicano Luis Fernando Haro, de Guadalajara, também deu sua opinião sobre o trabalho de campo: "Se demonstramos medo, eles vão sentir desconfiança. Hoje, o pessoal foi atencioso, carinhoso, foi muito bom conversar com eles". O médico vive há dois anos em São Caetano do Sul, no ABC paulista, com a mulher, brasileira. Ele vai trabalhar em São Bernardo do Campo e não pretende mudar de cidade.
Rotina dos agentes de saúde
Neuza é responsável por 163 famílias, ou mais de mil pessoas, que moram em um grande quarteirão da comunidade da Mina. Ela faz visitas às casas todas as manhãs – cada residência é acompanhada, em média, uma vez por mês. Nos locais onde há idosos vivendo sozinhos ou pessoas que não sabem ler, a agente de saúde passa mais vezes, até diariamente, para ajudá-las a tomar os remédios direito.
Às segundas e terças-feiras, Neuza é acompanhada pela enfermeira Iara, da UBS Cupecê. Às quartas e quintas, quem vai com ela é a pediatra Rosely, que atende crianças e adultos. Uma vez por mês, o grupo todo se reúne em uma igreja do bairro para conversar com mais calma e tirar dúvidas dos pacientes. Para moradores com problemas de saúde, as consultas médicas são marcadas a cada três meses.
"Muitos médicos daqui saíram de licença, outros se aposentaram, e vários não aguentaram a rotina. Alguns moradores também passam o nome e os documentos errados, com medo. Outros se mudam, aí precisa dar baixa no cadastro. Tem ainda aqueles que não querem se tratar. A gente faz a nossa parte, mas as pessoas também precisam fazer a delas", disse Neuza, que há 20 anos vive na comunidade, localizada à margem de um córrego poluído, sem condições sanitárias.
A agente também contou que, no início do trabalho, ela absorvia muitos os problemas das famílias, tinha pesadelos, mas com o tempo aprendeu a separar as coisas.
"A gente recebia acompanhamento psicológico, que é importante, mas parou. Acho que logo volta", acredita.
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