O que fazer com as agências reguladoras? Ora, a melhor alternativa, em defesa do consumidor, é simplesmente fechá-las. Ubiratan Jorge Iorio para a Oeste:
“A competição faz um trabalho muito mais eficiente que o governo
em proteger consumidores.”
Thomas Sowell
O
imperador decide vender uma de suas propriedades e nomeia para negociar
com os compradores o nobre Tarquinius Regulus, que faz publicar um
edito estipulando que abrirá concurso público para preencher cem vagas
para capataz, com as atribuições de zelar pelas terras, garantir o seu
bom uso, fazer pessoalmente inspeções periódicas, determinar os preços
da produção, aprovar ou proibir todas e quaisquer eventuais obras e
modificações, selecionar as visitas que o novo proprietário poderá ou
não receber, decidir sobre eventuais revendas e incorporações, obrigá-lo
a ser politicamente correto e a cuidar do meio ambiente, fazer um
seguro contra incêndio e outros requisitos semelhantes. A principal
candidata a comprador é uma abastada viúva, chamada Lucretia — nome que
sugere riqueza —, mulher laboriosa, arguta e que sempre soube fazer bons
negócios.
Para
surpresa geral, mesmo com essas características pessoais, ela aceita
todas as condições propostas por Regulus e fecha o negócio, passando a
ser a nova proprietária da gleba. Como assim? Por que sendo sabidamente
esperta e com faro de gestora ela aceitou exigências tão absurdas? Pois
é, parece estranho mesmo. Mas, se dissermos que Lucretia é uma grande
empresa operadora de algum serviço dito “público”, o imperador é o
Estado, e seu preposto, Tarquinius Regulus, uma agência reguladora, é
menos difícil entender por que os termos estapafúrdios da operação foram
ótimos para todos. Menos, entretanto, para todos os demais súditos,
também conhecidos como “consumidores” ou “contribuintes”.
A
conversa de cerca-lourenço dos defensores da regulação, baseada em uma
teoria econômica tendenciosa segundo a qual mercados só têm defeitos e
governos só possuem qualidades, é que as agências reguladoras e
fiscalizadoras existem — e dedicam todos os seus esforços, com a maior
pureza de intenções — para proteger os consumidores, uma vez que,
pretensamente, são capazes de harmonizar e solucionar a contraposição
entre os interesses “privados” dos entes regulados, os objetivos
“sociais” dos consumidores e os objetivos “públicos”, estes sempre
selecionados com odores de santidade, do Estado, que pautariam a atuação
dos seus agentes. Acreditam ainda que, de acordo com a chamada Teoria
da Captura, é possível atingir a almejada independência dessas agências.
Sinceramente,
não sei o que é pior: se o viés intervencionista desses argumentos ou
sua ingenuidade, que é a de pensar que no Estado todos são anjos, a
totalidade das empresas é gerida por capetas e qualquer consumidor é uma
criança que precisa da tutela do papai. Acontece que a verdade, desnuda
e ríspida, consagrada pelos fatos e respaldada na Teoria da Escolha
Pública associada a James Buchanan (Nobel de Economia em 1986), é que
todos os atores são seres humanos e, como tais, têm defeitos e
qualidades e buscam sempre objetivos próprios. Homens e mulheres não
agem como insetos gregários, como formigas, abelhas, cupins e
gafanhotos…
O
viés intervencionista se expressa pelo que, infelizmente, parece ter se
tornado um senso comum, que é a crença cega em que monopólios,
oligopólios e cartéis são defeitos exclusivos da economia de mercado e
que apenas o Estado — vale dizer, políticos, tecnocratas e burocratas —
pode consertá-los. Entretanto, a realidade fulmina essa crendice, porque
todos — sim, todos! — os monopólios e os cartéis existentes estão em
mercados regulados pelo Estado. Afinal, se é verdade que os mercados,
por serem guiados por ações humanas, têm falhas, por que não seria
verdade que o Estado, igualmente dirigido por homens, também tem
defeitos?
Sejamos
francos: no fundo, essas agências são meras engenhocas burocráticas,
montadas para manter o controle político e ao mesmo tempo alimentar os
oligopólios dos setores regulados, ora ditando os preços a ser
praticados, ora determinando quem pode e quem não pode entrar e sair do
mercado e muitas vezes fazendo o oposto do que deveria, por definição,
fazer, que seria garantir um jogo limpo para os consumidores e as
empresas de menor porte. O fato é que sobejam evidências de que a
atuação desses órgãos sempre foi voltada para proteger as empresas dos
consumidores, esses seres egoístas que só querem saber de pagar menos e
exigir o melhor.
As
agências já nascem abrigando no organismo um germe perigoso, que
facilita a proliferação de corrupção, tramoias, favorecimentos e
subornos. As lucretias da vida, em vez de se esforçarem para ofertar
serviços de qualidade, bons preços e, assim, suplantar os competidores
por servirem mais satisfatoriamente aos consumidores, percebem que é
mais vantajoso fazer “acertos” permanentes com os régulos e seus
capatazes, oferecendo vantagens e ganhando favores, como, por exemplo, a
intensificação das restrições aos concorrentes, tanto os já existentes
como os potenciais.
Privatizar
e ao mesmo tempo criar um órgão para “regular” aquilo que se privatizou
— uma prática adotada sem modéstia pela social-democracia que infestou o
Brasil durante décadas — não passa de um artifício simulatório de
mudança, porque mantém a ingerência do Estado, suas influências
políticas e favorecimentos. Observando o histórico das agências
reguladoras, a impressão que se tem é que foram criadas intencionalmente
para destruir qualquer ensaio insolente de prosperidade que tenha
ousado surgir nos mercados, sem a sua autorização. Em linguagem
kantiana, elas são coisas em si, existem para isso.
Vamos
a um exemplo. Imaginemos que Regulus envia seus capatazes concursados
para inspecionar e credenciar granjas de todos os tamanhos. É claro que
suas regras minuciosas implicam custos para todos os granjeiros, mas é
evidente que os menores terão muito mais dificuldades, o que, de saída,
já contribui para diminuir sua capacidade de competir com os grandes.
Mas não é só isso. Os grandes possuem capacidade de entrar em
mancomunações e fazer acordos espúrios com os funcionários de Regulus,
livrando-se assim total ou parcialmente dos custos de cumprir as regras,
enquanto os pequenos não têm dinheiro para isso.
O
resumo da ópera é que esses órgãos, supostamente criados para proteger
os consumidores, terminam contribuindo para a formação ou a manutenção
do tipo mais prejudicial de oligopólio que pode existir. Trata-se do
oligopólio legal, com suas conhecidas e inevitáveis consequências. A
saber: preços mais altos e serviços de qualidade inferior aos que
ocorreriam em regime de competição potencial, entendido não como um
mercado com pequeno número de empresas, mas com ausência de barreiras de
qualquer tipo à entrada e saída de quaisquer firmas.
Há
agências reguladoras de todos os tipos e gostos, a grande maioria na
esfera federal, mas também no âmbito estadual e até municipal.
Enumerá-las e escrever suas siglas seria exigir do alfabeto um esforço
acima do que suas forças podem suportar, mesmo tendo sido reforçado com
mais algumas letras pela última — e desnecessária — reforma ortográfica.
Sua presença está em cada botequim e esquina, nos setores de energia
elétrica, telecomunicações, petróleo, transporte aéreo e terrestre,
atividades audiovisuais, recursos hídricos, saúde suplementar, fármacos,
vigilância sanitária e — com licença do exagero — em qualquer atividade
que “ameace” beneficiar os consumidores.
O
próprio Banco Central não deixa de ser uma dessas agências, com suas
regulamentações que impedem o surgimento de pequenos bancos e a vinda de
bancos estrangeiros, garantindo a reserva de mercado para os cinco
grandes, que concentram 80,7% das operações de crédito no país; o mesmo
sucede nas telecomunicações, em que a Anatel protege quatro empresas
telefônicas e impede a vinda para o país de outras já consagradas no
mundo; no setor aéreo, a Anac faz todo o possível para que os
passageiros brasileiros disponham de apenas três opções de empresa e
paguem cerca de 200% a mais por quilômetro voado do que os
norte-americanos; no setor de transportes rodoviários, a ANTT bloqueia
bastante a competição, seja proibindo novas empresas, seja vedando que
as já existentes compitam entre si, ao estabelecer monopólios de
trajetos; no setor elétrico, quem se esforça valentemente para
atrapalhar é a Aneel, com o resultado de prejudicar o aumento da oferta
de energia; a história se repete nos setores de petróleo, com a ANP; de
saúde e saúde suplementar, com a Anvisa e a ANS. Competição menor,
serviços piores e preços maiores. Será tão difícil render-se a essa
verdade?
O
furor regulatório não tem limites. Atravanca ou mesmo destrói o que
encontra pela frente: estações de rádio e de televisão, padarias,
hotéis, restaurantes, provedoras de internet, motéis, oficinas
mecânicas, hospitais, açougues, escolas, cinemas, teatros etc. só podem
funcionar se cumprirem um ritual despótico, com inumeráveis processos
burocráticos, registros cartoriais, licenciamentos, taxas, inspeções,
propinas e alvarás.
O
melhor destino que se pode dar às agências reguladoras — inclusive ao
Banco Central — é fechá-las. Com a abolição de todas as barreiras, para
que exista competição de verdade, o consumidor poderá ser bem atendido e
quem é obrigado a pagar impostos, respeitado. O problema não é como
fazer o governo proteger os consumidores, mas como proteger os
consumidores do governo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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