MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

terça-feira, 30 de março de 2021

Pandemia expõe ainda mais as dificuldades de quem está na pobreza


Em meio às medidas de distanciamento social, situação fica ainda mais delicada para quem está sem renda e depende da ajuda da população

Tribuna da Bahia, Salvador
30/03/2021 10:00 | Atualizado há 9 horas e 0 minutos

   
Foto: Romildo de Jesus

Por Lily Menezes

Com os apelos dos profissionais da saúde e dos gestores públicos para só sair de casa quando for realmente necessário, há quem não veja mais a porta da rua há mais de um ano. Mas, basta uma ida ao supermercado ou atravessar a cidade a bordo de um ônibus em direção ao trabalho, para se deparar com outra face dramática que a pandemia do novo coronavírus agravou: o número de pessoas que precisam sair às ruas pedindo ajuda para sobreviver. Seja com cartazes feitos em papelão ou frases pintadas de giz no chão, elas pedem por comida, dinheiro, remédios para doenças crônicas ou se oferecem para trabalhos por qualquer quantia. O perfil desses cidadãos é diverso: são jovens adultos, mães solteiras com crianças de colo ou grávidas, adolescentes e até mesmo pessoas com deficiência, vivendo nas ruas ou em uma das 17 unidades de acolhimento disponíveis em Salvador, a mais nova inaugurada nesta última quarta (24).

Antes da Covid-19 chegar em terras baianas, algumas pessoas em situação de rua se aventuravam a entrar nos shoppings de maior movimento para pedir dinheiro ou oferecer produtos a preços baixos, como tabletes de bala a R$ 1 ou três revistas de passatempos por R$ 2, sob o risco de serem “convidadas” a se retirarem por parte dos seguranças dos centros comerciais. Alguns ficavam penalizados e até davam conselhos: “Não entrem ‘de bonde’”, quando crianças iam pedir dinheiro em grupo. Devido às medidas restritivas, aqueles que lutam para sobreviver “batem ponto” em frente aos estabelecimentos essenciais, como hipermercados e farmácias. Vários não usam máscara, seja por não entenderem a pandemia ou por acreditar que não serão ouvidos com a proteção, uma vez que já se tornaram invisíveis sem ela no cotidiano.  

Triste liderança

No ano passado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) constatou em sua última edição da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNACD) uma realidade há muito experimentada por quem sai de casa para colocar currículo nas lojas e nada consegue: a Bahia é o estado com mais desempregados no país. 1,27 milhão está nessa situação, representando 19,8% do Brasil. É um número 2,6% maior do que o visto em 2019, quando 17,2% da população ativa estava sem trabalhar. A média é pior que a nacional, onde 13,5% dos brasileiros não conseguiam uma oportunidade. Com alguns setores da economia fechados desde o decreto de pandemia da OMS, como os de festas e entretenimento, a saída por parte dos empreendedores foi cortar as folhas de pagamento, reduzindo os postos de trabalho. A falta de alternativas leva à perda da esperança: são 813 mil desalentados na Bahia, que não conseguiram emprego e nem acreditam que irão se recolocar no mercado. Com a pandemia, surgiu uma nova forma de angariar alguns trocados: a conscientização das medidas de higiene. Felipe* sobe nos coletivos diariamente com uma garrafa de álcool a 70º e uma flanela na mão, e sai higienizando as barras dos ônibus, em troca de moedas de qualquer valor. “Sou mais um jovem desempregado, que encontrou esta forma de levar um sustento digno para casa. A gente sabe que os ônibus precisam ser limpos, então eu vou fazendo esse trabalho. O valor é o que Deus tocar no seu coração. Pode ser 0,05 ou 0,10 centavos. Qualquer moeda”. Após a limpeza, ele sai pelos bancos recolhendo as doações que consegue. Quando chega à avenida Vasco da Gama, outro rapaz tenta subir no ônibus e é impedido pelo cobrador. Ele também carregava álcool e flanela para o mesmo serviço.

À deriva

No Matatu - um dos diversos subdistritos de Brotas, o mais populoso de Salvador com seus 70.158 habitantes – Andréa da Silva clama por ajuda, segurando um cartaz relatando que está com um filho deficiente para criar e sem fonte de renda. Natural de Ilhéus, ela perdeu os documentos e o pedido principal dela é por alimentos. “Não tô recebendo auxílio nem nada, até para receber uma cesta básica é o maior problema. Eu estou pagando aluguel, não tenho como fazer um fogo de lenha em casa, é por isso que eu estou pedindo. Aceito qualquer coisa”. Ela já está desempregada há algum tempo. “Já nem sei, viu”. A falta de perspectivas e de ajuda atinge mesmo àqueles cujos auxílios sociais deveriam estar garantidos. Na passarela principal de acesso ao Salvador Shopping, em frente ao Hospital Sarah, um mendigo com aproximadamente 60 anos fica sentado sobre um grande pedaço de papelão, onde ficam as moedas de 25 e 50 centavos dadas por quem passa para ir ao centro de compras. Ele tem ambas as pernas amputadas e fica sempre sozinho no equipamento, faça chuva ou faça sol, quase desde o começo do funcionamento do shopping, em 2007. Com o fechamento dos centros comerciais, as ajudas quase caem para zero. “Qualquer coisa serve. Deus te abençoe, minha filha”, agradece ao receber uma nota de 2 reais de uma moça. 

Ações

Durante a pandemia, a Prefeitura de Salvador fez diversas ações sociais para dar assistência aos mais atingidos pela crise. Em sua apresentação do balanço de iniciativas de combate ao coronavírus, o prefeito Bruno Reis relatou que foram oferecidas 700 mil refeições nos restaurantes populares, 213.017 cestas básicas para a comunidade mais carente e mais de 77 toneladas de alimentos e material de higiene pessoal, coletadas a partir de doações da população e entregues a entidades de assistência social cadastradas pela prefeitura. Na inauguração da Unidade de Acolhimento para pessoas em situação de rua em Itapuã, o gestor comentou que os trabalhos sociais são feitos de forma permanente, mas que a pandemia exigiu mais esforço. “Criamos o Toque de Acolher, que é uma abordagem nas ruas à noite para que as pessoas aceitem acolhimento”. Além disso, o Serviço de Intermediação de Mão de Obra (SIMM) lançou no dia 19 de março o “Treinar para Empregar”, que troca carga horária de cursos de qualificação por tempo de experiência, como uma forma de dar mais chances de conseguir um emprego para quem não conseguiu uma oportunidade. “A atual situação da ordem mundial nos impulsionou como serviço essencial, para irmos além da intermediação de mão de obra. Conseguimos trazer uma visão humanitária e esperançosa para as pessoas”, comentou Maria Eduarda Lomanto, diretora do SIMM. 

“Fragilidade”

O governador da Bahia Rui Costa reconheceu o impacto da pandemia para a renda e a subsistência dos baianos e baianas. “O cenário é de muita fragilidade social e econômica, e nós tentamos minimizar qualquer medida que impacte na sobrevivência, principalmente da população mais pobre”. Com isso, foi lançado o programa “Estado Solidário”, que traz um pacote de medidas visando o fortalecimento dos cidadãos. Dentre as medidas anunciadas, está o pagamento de contas de água por três meses para 860 mil baianos, bolsa-presença de R$ 150 para estudantes de famílias nas faixas de pobreza e baixa pobreza das escolas estaduais, vale-alimentação estudantil e linha de crédito de R$ 100 milhões para microempreendedores formais e informais. Já no sentido de preparação para o mercado de trabalho durante a pandemia, o pacote também inclui o lançamento da plataforma Conectar, que oferta 6 mil vagas para cursos de qualificação com bolsa de R$ 120 por dois meses. “Esse programa faz parte de um esforço para preparar a Bahia para a recuperação do ponto de vista econômico e da geração de emprego”, disse Davidson Magalhães, chefe da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (SETRE). Para conferir os requisitos necessários para ter os benefícios, o cidadão deve acessar o site bahia.ba.gov.br/estadosolidario.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário