Pensando honestamente, o Brasil é sim a nova Síria. Povo polarizado e morrendo. Potências estrangeiras tirando vantagem do caos. Os escombros já são visíveis. Mas como não são resultados de bombas, não faz lembrar que são sim resultados de uma guerra. Leonardo Coutinho para a Gazeta do Povo:
Passados
dez anos de guerra civil na Síria, houve quem comparasse o número de
mortes no conflito com o de vítimas da Covid-19 no Brasil. Em um
primeiro momento, tal paralelo pode soar absurdo ou inadequado, mas
definitivamente não é. Visto apenas pela sua superfície, seria uma
guerra sectária que, em resumo, colocou de um lado o regime ditatorial
de Bashar al-Assad, de outro os extremistas do Estado Islâmico, e de
outro rebeldes. Todos lutando entre si. O saldo de mortes é próximo a
389 mil pessoas. No Brasil, o número de mortos pela Covid-19 já beira os
300 mil.
Ainda
falando da guerra na Síria. Além dos atores locais, tiveram um papel
importante a Turquia, o Irã e os seus milicianos do Hezbollah, os
Estados Unidos e a Rússia. Nada muito diferente dos conflitos naquela
região.
Uma
das marcas desta guerra foi o deslocamento massivo de população. Uma
multidão de 5,6 milhões de refugiados foi espalhada pelo mundo. Parte
importante foi alojada na Europa, gerando crises internas e redesenhando
não só a relação dos países europeus com as vítimas dos conflitos, mas a
própria demografia europeia.
Não
quer dizer que tais fluxos não ocorreram antes. As ondas migratórias
geradas pela Síria e as instabilidades no Norte da África movimentaram
multidões que, diferentemente do passado, parecem não estarem dispostas à
assimilação com a sociedades e culturas que as acolhem. Há um problema
intrínseco que não tem relação alguma com islamofobia ou qualquer coisa
que possa ser considerada preconceito.
Ao
replicar a leitura estrita da religião, que inevitavelmente conduz ao
radicalismo, e não aceitarem os valores ocidentais de democracia e
respeito aos direitos humanos, por exemplo, os refugiados carregam
consigo não só os traumas da guerra. Emulam o ambiente de intolerância,
conflito e violência de seus países.
E
a grande novidade da Guerra Civil da Síria pode ser isto. A exportação
do ambiente que deu origem a guerra para além de suas fronteiras. Para a
terra dos infiéis, como os extremistas tanto fazem questão de demarcar.
Não
há aqui nenhum elemento de intolerância para com quem foi capaz de
fugir da barbárie. Mas tolerância não é sinônimo de permissividade (ou
pelo menos não deveria). O Ocidente é o paraíso da diversidade. Esta
nossa virtude é intragável para os radicais. Eles lutaram contra isso.
Mas para vencer usarão o nosso valor como arma, para depois descartá-lo.
Pelo menos é o que evidentemente passa pela cabeça de quem pensa que
não há no mundo espaço para quem não seja fiel ao que eles pensam que é a
única religião.
Pode
parecer exagerado. Mas a guerra civil na Síria alcançou a Europa, o
território inimigo que virou um campo de combate onde quase ninguém se
deu conta do que estava se passando.
Um novo modelo de guerra
O
ano de 2019 começou sob a névoa da incerteza. Muita gente dava como
certa uma guerra na Venezuela. Sob a batuta do americano Donald Trump,
Brasil e Colômbia se uniriam para apear Nicolás Maduro e suas máfias do
poder. Pelo menos, esta era a miragem que a oposição venezuelana tinha
diante dos olhos.
Parecia
simples. Mas faltava a compreensão de que a Venezuela já estava em
guerra. Um novo modelo de guerra que envolvia os mesmos atores vistos na
Síria. Com a diferença de que no país sul-americano, a batalha se dava
em nível absolutamente sofisticado. Se derramasse o caldo como queriam
os opositores poderia replicar os horrores da Síria, afundando Brasil e
Colômbia em problemas e consolidando a permanência militar de Rússia e
Irã na região. Aconteceu o que aconteceu, e a Venezuela seguiu
igualmente exportando problemas, mas em baixa e constante intensidade.
Centro de operação logística de tráfico de drogas, de lavagem de
dinheiro, terrorismo e foco de crise humanitária.
Um
cenário que prosperou porque quem pensou em lutar a batalha contra a
Venezuela pensou quase sempre de maneira convencional. Talvez entendendo
que a Venezuela em si não era o inimigo, apenas o cenário da guerra.
Para salvar a Venezuela, os Estados Unidos, a União Europeia e os países
do Grupo de Lima, entre os quais está o Brasil, deveria ter estancado
as fontes de financiamento. As artérias que movem os interesses
financeiros estratégicos de quem mantêm Nicolás Maduro e a Venezuela na
situação que conhecemos. A guerra era contra Rússia, Turquia, Irã e a
China, que no caso venezuelano se somam trazendo um elemento a mais de
complexidade.
E
o conceito de guerra, aqui aplicado, não é sinônimo de mísseis,
soldados e mortes. Sanções financeiras, embargos, diplomacia lá na outra
ponta. Na origem do dinheiro e do suporte para as barbaridades que são
cometidas por Maduro e seu regime.
A guerra do Brasil
Chegou
a vez de o Brasil entender que também está em guerra. A Covid -19 não é
a arma, mas o cenário. O campo de batalha de uma novíssima geração de
guerra que não pode ser explicada ou entendida apenas com a vulgarização
do termo assimétrico.
As
assimetrias que emergem da guerra brasileira ensinam que quando Estados
atuam como organizações paraestatais, a combinação das ferramentas
produz um poderoso elemento de desestabilização.
Desde
a primeira semana de fevereiro, quando a média móvel de mortes por
Covid-19 no Brasil superou a 1.000 mortos, ela não parou de subir. Já
passou a média de 2.000 óbitos diários e, tudo indica, alcançará os
3.000, em uma curva ascendente que não deverá baixar pelo menos até
abril (ou final de).
De
um lado a turma que grita Bolsonaro genocida acredita que tudo seria
diferente ou melhor se o presidente não estivesse por lá. Há quem pense
que se Haddad ou Lula estivessem no poder a pandemia já teria sido
domada no Brasil e o país estaria navegando em águas calmas. Coisa que
nenhum lugar do mundo conseguiu fazer.
Diametralmente,
a base bolsonarista se asfixia. Nega-se dar um passo atrás para ajustar
a rota. Entender que erros são naturalmente comuns e aceitáveis em um
processo tão dinâmico, inédito e nebuloso como o da pandemia. Nos
Estados Unidos, quando Trump percebeu isso e tentou voltar atrás o fez
tarde e de forma malfeita. Deu no que deu.
Enquanto
existe o debate bizarro sobre o uso de máscara, a ignorância
intencional em tratar o tratamento precoce como se fosse sinônimo de
preventivo, e os dois lados da contenda esticam a corda, mercenários
entram em campo para tirar vantagem a seus clientes. A lista vai desde
as malandragens que levaram à anulação das condenações de Lula, a
implosão da Lava-Jato até as cartinhas de amor que as autoridades
brasileiras se prestam a publicar em favor dos interesses chineses.
A
Rússia, a mesma Rússia que atua na guerra da Síria e no conflito
Venezuelano, emplaca a sua vacina e pavimenta os seus interesses na
região, enquanto espalha pelo mundo o vírus da mentira em campanhas de
desinformação contra imunizantes concorrentes.
A
China, a mesma China que mantém Nicolás Maduro de pé, opera por meio de
sua embaixada em Brasília, um verdadeiro moedor de carnes.
Transformaram a própria capacidade de entregar as vacinas e insumos em
trunfo. Colocaram a culpa no Governo brasileiro e no Itamaraty. O Brasil
virou refém. Foi neste contexto que Pequim conseguiu manter a Huawei no
páreo para o 5G no Brasil.
Mas cadê as vacinas?
Elas
não vieram porque não existem em quantidade esperada. E não chegaram
porque Pequim sabe que se pressionar leva mais. Leva o que quiser. Na
fila tem a liberação da compra de terras para estrangeiros e a implosão
do governo inteiro.
São
as novas modalidades de guerra. E pensando honestamente sob esta ótica,
o Brasil é sim a nova Síria. Povo polarizado e morrendo. Potências
estrangeiras tirando vantagem do caos. Os escombros já são visíveis. Mas
como não são resultados de bombas, não faz lembrar que são sim
resultados de uma guerra.
Nesta
semana, o gabinete do Diretor de Inteligência Nacional dos Estados
Unidos divulgou um relatório que diz que assim como em 2016, o governo
russo interferiu na eleição do ano passado atacando a reputação do então
candidato Joe Biden com o objetivo de ajudar Donald Trump. Segundo o
documento, a Rússia teria coordenado uma campanha de desinformação
massiva bem-sucedida que contou com o engajamento dos apoiadores de
Trump.
O
mesmo relatório, indica que o Irã atuou no outro lado. “Minando as
expectativas de reeleição de Trump” usando e desinformação para aumentar
as divisões internas. Venezuela, Cuba e o Hezbollah também aparecem no
documento com tentativas menos eficientes de manipulação.
Não por acaso os mesmíssimos atores que estão metidos nas Guerra Civil da Síria e no conflito Venezuelano, perceberam?
A
China também aparece no informe. Diante da divisão de opiniões dentro
da comunidade de inteligência dos Estados Unidos chegou-se à conclusão
de que a China considerou, mas não moveu esforços de interferência por
puro pragmatismo. Não viam vantagem alguma em quem ganhasse a eleição.
Mas
parece haver um erro de premissa na avaliação. Erro que se repete desde
2016, quando os Estados Unidos pararam diante da tal intervenção russa
nas eleições. E a resposta está no modus operandi chinês. Não importa
quem ganha ou quem perde. O objetivo é a implosão da confiança nas
instituições e no modelo eleitoral. Não interessa quem é o presidente
hoje ou qual será daqui um ano ou quatro, como muito gentilmente alertou
um porta-voz da China no meio acadêmico brasileiro.
Rússia,
Irã-Hezbollah, China e os soldadinhos de Cuba e Venezuela não estão
jogando em lados diferentes. Tampouco tiveram opções eleitorais, como o
relatório sugere e o noticiário reverbera. Todos atuam juntos. A eles
pouco importa quem ganharia ou ganhou a eleição. O objetivo comum é a
destruição institucional.
Depois do sucesso nos Estados Unidos, suspeito que o Brasil se tornou a mais importante frente de batalha.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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