Um
prefeito, preocupado com a avalanche de mortos por Covid, antecipou
feriados para paralisar sua cidade até a Semana Santa. Foi o suficiente
para irritar uma instância superior: o prefeito não podia fazer isso sem
combinar com ele, que queria agir mais devagar. Não, não é Bolsonaro
com suas birras: é o governador paulista, João Doria, em geral adepto de
decisões rápidas. Embirrou com um de seus maiores aliados, o prefeito
paulistano Bruno Covas. Tomou a resposta: Covas disse que lhe faltou o
senso de urgência. Gente morrendo não pode esperar acordos de
autoridades.
Doria
teve ótimo desempenho na pandemia: fez acordo com os chineses para
trazer vacinas prontas e habilitar o Instituto Butantan a fabricá-las,
iniciou a vacinação, obrigou o general Cloroquina a adiar os adiamentos
de que tanto gosta e, diante da inação de Brasília, até hoje as
CoronaVac do Butantan respondem por 70% das vacinações no país. Mas, no
caminho, Doria escorregou algumas vezes: anunciou que, se não houvesse
vacina nos demais Estados, vacinaria quem viesse a São Paulo (seria uma
tremenda confusão e isso o deixou mal com outros governadores); baseado
no sucesso da vacina que trouxe, tentou assumir o comando do PSDB para
dinamizar sua campanha à Presidência, quando é hora, agora, de lutar
contra a Covid; e teve uma reação bolsonárica ao tratar um prefeito como
seu subordinado.
É preciso agir friamente, sem imitar Bolsonaro. Um Bolsonaro já é muito.
Nuvem passageira
O
prefeito Bruno Covas sentiu o golpe de ser atacado pelo aliado. Mas é
coisa passageira: em pouco tempo ele e Doria já terão feito as pazes.
O pacificador
Um
sábio, Octavio Frias de Oliveira, que levou a Folha de S.Paulo a se
tornar o maior jornal do país, dizia que a vantagem de ser idoso era ter
visto tudo acontecer, e ao contrário também. Agora, para ter essa
vantagem, nem é mais preciso ser idoso: virou hábito o governante falar
uma coisa hoje e se desdizer amanhã.
Doria
brigou com o prefeito que havia feito o que ele dizia ser certo; e
Bolsonaro, briguento, que só poupa de sua ira os filhos e o Queiroz,
está convidando autoridades do Congresso, do Judiciário, vários
governadores e o procurador-geral da República para buscar um caminho de
unidade e combater a gripezinha e a conversinha dos que fazem mimimi.
Os pacificáveis
Serão
convidados, com certeza, os presidentes da Câmara e do Senado, do
Supremo, do STJ, o procurador-geral Augusto Aras e governadores – não se
sabe quais, nem quantos. Mas não é tanta urgência assim: Bolsonaro quer
que a reunião se realize na quarta-feira, 24. Até lá, espera, já terá
comprado algumas vacinas: na última sexta, anunciou 100 milhões de doses
da Pfizer e 38 milhões da Jansen, mais uma cota da Covax, grupo formado
pela OMS para evitar que países mais pobres fiquem sem vacinas.
OK,
tudo deve vir no segundo semestre; mas é melhor que ter de ouvir
queixas por ignorar as ofertas das farmacêuticas quando ainda poderiam
fazer as entregas mais cedo – considerando-se o ritmo de mortes, cada
dia conta muito.
Acertando o passo
Curiosamente,
o que parece ter convencido Bolsonaro a mudar de posição é algo que ele
diz detestar, e que seu filho 03 mais uma vez ridicularizou: as
pesquisas. De acordo com o PoderData, 52% dos eleitores consideram ruim
ou péssimo seu trabalho durante a pandemia. O Datafolha mostra que 46%
dos eleitores são favoráveis ao impeachment de Bolsonaro; 50% são
contra. Empate técnico que mostra um país dividido. A rejeição a
Bolsonaro é de 44%; e 54% condenam seu trabalho durante a pandemia,
basicamente o atraso na vacinação, o aumento dos casos de Covid e a
falta de leitos. Pode ser que o auxílio de emergência melhore um pouco
esses índices, mas dessa vez deve haver só quatro pagamentos de R$ 250 –
antes eram R$ 600.
Sai, sai
Outro
número que provavelmente incomoda o presidente: a divisão do eleitorado
a respeito de sua permanência. Empate técnico: 50% não querem que ele
renuncie, 45% querem. Com números como esses, não há reeleição possível.
Bolsonaro, claro, fará sua campanha mirando Lula, lembrando os casos de
corrupção e as alianças com regimes como Venezuela, Argentina e Cuba.
Mas a simples presença de Lula na eleição o incomoda, por ser um
candidato viável. Mas o pior dos mundos, para Bolsonaro – e isso exige
que ele reconquiste os apoios que perdeu – é surgir um candidato forte
mais próximo do centro. Só que ainda não há ninguém viável com esse
perfil.
Frase para guardar
Há
quem pense que ditadura militar seja sinônimo de ordem, disciplina,
retidão, progresso, moralidade. Há quem pense que socialismo e comunismo
sejam sinônimo de justiça, igualdade, bem-estar e progresso dos pobres.
E há quem pense.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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