Pressionado pela queda de sua popularidade, Bolsonaro tenta transferir a responsabilidade pela crise para os governadores. Editorial do Estadão:
O
presidente Jair Bolsonaro convidou o presidente do Supremo Tribunal
Federal, Luiz Fux, para integrar um comitê dos Três Poderes para
discutir a pandemia de covid-19. Além de muito atrasado, o gesto serve
somente para dar um verniz de estadista a um presidente que tudo tem
feito para atrapalhar o combate ao coronavírus.
Fux
submeteu o convite ao plenário do Supremo, e todos os seus 10 colegas
escolheram rejeitá-lo, pois o tribunal deverá ser chamado a julgar a
legalidade de medidas adotadas pelo governo. Mas há outros bons motivos
para que o Supremo mantenha distância prudente de Bolsonaro, cuja única
competência é criar tumulto.
Nos
últimos dias, Bolsonaro voltou a contestar a eficácia de vacinas, a
fazer campanha contra o uso de máscaras, a desdenhar de doentes e a
colocar em dúvida o número de mortos e de ocupação de UTIs. Anunciou a
troca de ministro da Saúde para sinalizar mudança de rumo, mas não só o
incompetente Eduardo Pazuello continua a despachar como ministro, como o
futuro ministro, Marcelo Queiroga, amigo da família Bolsonaro, promete
manter tudo como está.
O
Bolsonaro que acena com uma concertação institucional contra a pandemia
é o mesmo que entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no
Supremo para questionar as medidas restritivas adotadas por governadores
do Rio Grande do Sul, Bahia e Distrito Federal, notadamente o toque de
recolher e o fechamento de atividades não essenciais.
Em
abril do ano passado, o Supremo reconheceu a competência concorrente
dos entes da Federação para tomar medidas contra a pandemia, entre as
quais restrições de circulação. Ou seja, se decidir a favor de
Bolsonaro, o Supremo estará, na prática, dizendo que suas decisões
anteriores, tomadas em estrito respeito à Constituição, eram
inconstitucionais – o que seria uma óbvia aberração.
O
novo ataque de Bolsonaro ao princípio federativo terá outra frente: o
presidente anunciou que encaminhará projeto de lei para definir o que é
“atividade essencial”, que pode funcionar em meio à pandemia. Segundo
Bolsonaro, “atividade essencial é toda aquela necessária para você levar
um pão para dentro de casa” – ou seja, em suas próprias palavras,
“basicamente tudo passa a ser atividade essencial”.
No
início da pandemia, Bolsonaro tentou concentrar na União as decisões
sobre quais seriam as atividades essenciais e o alcance de medidas
restritivas. A intenção, óbvia, era impedir o fechamento da economia. O
Supremo vetou, sob o argumento de que Estados e municípios tinham
autonomia para tomar as atitudes que julgassem necessárias.
Desde
então, Bolsonaro tem dito que o Supremo o impediu de atuar no combate à
pandemia, o que a Corte já desmentiu inúmeras vezes. Naquilo que lhe
cabe, o presidente é um retumbante fracasso: tardou a comprar vacinas,
tardou mais ainda a liberar o urgente auxílio emergencial e pouco faz
para abastecer hospitais de insumos necessários para o atendimento de
doentes de covid-19.
Pressionado
pela queda acentuada de sua popularidade, Bolsonaro tenta
desesperadamente transferir a responsabilidade pela crise para os
governadores – a quem acusou de estarem “matando” a população de fome.
“Querem derrubar o governo”, acusou Bolsonaro.
Empenha-se
assim em criar um clima de enfrentamento, equiparando toque de recolher
a estado de sítio, “que só uma pessoa pode decretar: eu”. Bolsonaro tem
feito referência frequente, nos últimos dias, a medidas de exceção e a
seu poder de determiná-las. O presidente tornou a se referir ao Exército
como se fosse sua milícia privada, ao dizer que “o meu Exército não vai
para rua para cumprir decreto de governadores” se “o povo começar a
sair, entrar na desobediência civil”.
Parece
claro o flerte com a ruptura institucional, para deleite de seus
camisas pardas, a quem o presidente chama de “povo”. E, disse Bolsonaro,
“o que o povo quer a gente faz”.
Com
o sistema de saúde em colapso, péssimas perspectivas econômicas e
cansado de tanta confusão, o povo quer apenas que Bolsonaro pare de
prejudicar o País. A esta altura, será um grande favor.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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