Jailton de Carvalho
O Globo
Há quatro meses no cargo, o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Roberto Leonel, foi escalado para numa missão especial: defender a permanência do órgão no Ministério da Justiça. Numa entrevista exclusiva ao Globo, Leonel disse que, depois da transferência do Ministério da Economia para a Justiça, o Coaf terá um aumento de 36 para 70 funcionários até julho e, com isso, terá ganho operacional. Ou seja, poderá vigiar melhor as movimentações financeiras
Apesar de oficialmente divulgar ser favorável, neste momento, à manutenção do Coaf no Ministério da Justiça, o presidente Jair Bolsonaro já admitiu negociar a retirada do órgão das mãos de Moro. Os comentários do presidente são uma resposta a um forte movimento no Congresso Nacional, que exige o retorno do Coaf ao guara-chuva anterior do Ministério da Economia (Fazenda).
Parlamentares querem transferir o Coaf para o Ministério da Economia. O senhor é contra ou a favor?
Desde o início destas notícias ficou bem claro aqui nossa divisão de tarefas. O Coaf vai responder perguntas técnicas, porque é importante seguirmos a mesma diretriz que o dr. Moro está estipulando ou defendendo em relação à permanência no Ministério da Justiça. Com a vinda do Coaf para o Ministério da Justiça, houve importantes melhoras em termos de estrutura de pessoal e estrutura física. A questão política fica a cargo do ministro tratar. Não vamos discutir decisão do Congresso. Vamos respeitar.
Os deputados e senadores dizem que no Ministério da Justiça o Coaf fica muito exposto à ação política. O que o senhor diz sobre isso?
Desde 1998, nós temos o mesmo arcabouço legal que não mudou em nada a nossa atividade operacional. A questão do sigilo bancário continua a mesma. A questão do sigilo das nossas operações, que a gente atua, ou que fazemos análise de inteligência financeira, continuam os mesmos procedimentos, sem mudança nenhuma. A vantagem do Coaf ter mudado para o Ministério da Justiça foi o aumento do número de funcionários. Vamos dobrar o número de pessoas trabalhando no Coaf até o final deste semestre. Eram 37. Nós vamos chegar a 70. Tivemos um aumento no número de funções. Com a estruturação, foi um dos poucos órgãos que mais que dobrou o número de funções. Muitas das pessoas que nós estamos trazendo são experientes na área. Além disso, na medida provisória, tivemos a prerrogativa de requisição de servidores.
A situação melhorou…
Então, vindo para o Ministério da Justiça melhorou a questão operacional. Agora, trabalho o Coaf sempre teve tecnicamente e vai continuar tendo. Temos que respeitar a nossa lei. Basicamente duas, a 9.613 e a lei complementar 105 de 2001. Só com base nessas duas leis é que trabalhamos. Aumento poderia ocorrer em qualquer área, inclusive no Ministério da Economia. Tudo é governo. Seja no Ministério da Justiça o qualquer outro ministério, se manter a prerrogativa de requisição, a resposta seria sim. Muda inclusive a sua pergunta. O sr perguntou sobre interferência política. Não iria ter, mesmo mudando de ministério, porque o Coaf tem que trabalhar dentro da lei, tecnicamente.
Os parlamentares alegam que a transferência do Coaf para o Ministério da Justiça concede superpoderes ao ministro Moro.
Não, porque o nosso trabalho continua sendo com as autoridades policiais, lá do estado x, lá do Ministério Público do estado y. O ministro não tem acesso a nenhuma informação, não pode interferir, não pode direcionar um trabalho, mesmo porque nossas comunicações são 14 ou 15 mil diárias, chega a três milhões de comunicações ao ano. É impossível você trabalhar manualmente. Não tem como haver uma intervenção humana e dizer: vamos puxar esse daqui.
Mas como o ministro da Justiça direciona a atuação do Coaf?
Agora, por exemplo, ele está treinando 25 ou 27 policiais no Rio de Janeiro. Não é isso? Cada estado direciona sua força de trabalho ao que desejar. Imaginemos que o estado do Ceará queira montar uma delegacia especializada em combate à corrupção no estado, e ele quiser por 27 policiais lá. O estado do Ceará vai ter 27 policiais nessa atividade. Essas pessoas, que exercem investigação, podem habilitar-se no Coaf para intercambiar informações sobre lavagem de dinheiro. Alguns dizem que aqueles que não querem a transferência do Coaf para o Ministério da Justiça não querem que se investigue lavagem de dinheiro. Vamos imaginar o que o Coaf fez nos últimos 19 anos. Ele fez análise financeira, elaborou e comunicou os RIFs (Relatórios de Inteligência Financeira) de grandes casos que ocorreram. Por ser órgão de inteligência financeira, muitas informações estão como informação de inteligência. Então o Coaf sempre atuou dessa maneira. Nunca fizemos investigação policial.
Ano passado o Coaf produziu uma série de relatórios de inteligência sobre funcionários da Assembleia do Rio, entre eles o Fabrício Queiroz, ex- assessor do senador Flávio Bolsonaro. Além daqueles relatórios, outros relatórios foram produzidos este ano? Houve alguma pressão?
Já falamos para outros (jornalistas), por ser um órgão de inteligência financeira, não estamos aqui numa atividade ostensiva. Nós não falamos de casos específicos. Os relatórios são produzidos conforme recebemos as comunicações. Se entra uma comunicação nova a respeito de um determinado caso, aquele relatório de inteligência financeira, encaminhamos esse para as autoridades financeiras que estão investigando. Seja um caso que envolva um político, um Pep (pessoa politicamente exposta), seja um empresário, um narcotraficante ou um sequestrador.
Nesse caso houve alguma pressão?
Houve comentários… Qualquer um pode fazer comentários, mas de interferência não tivemos nada. Nunca tivemos nenhuma interferência política aqui no Coaf desde 1998.
Se tivesse?
Reagiríamos.
As áreas de compliance criadas ou ampliadas depois da Lava-Jato estão dando resultados?
A Lava-Jato mandou muita gente para a prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Depois desses cinco anos de Lava-Jato, houve uma diminuição da lavagem de dinheiro? Realmente, em alguns setores há uma preocupação. Joalherias, lojas de bem de luxo estão se preocupando. E nós temos uma área específica que procura verificar se estão cumprindo as obrigações. As grandes operações, não só a Lava-Jato, trouxeram uma preocupação maior de vários setores que estavam aí à margem, quietinhos, sem cumprir suas obrigações de lavagem, e sendo usados, ainda que passivamente.
Há um resultado positivo em relação à essa questão da movimentação do dinheiro?
Pelo que temos observados, creio que sim.
Não é só marketing?
Nós temos que averiguar essa situação. Faz parte da nossa área de supervisão. Tivemos, só esse começo de ano, 2.594 novos cadastrados aqui para fazer comunicações. São setores obrigados pelo Coaf. São lojas de bens de luxo, joalherias ou factoring.
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