Deu na Folha
A apuração criminal sobre a
movimentação atípica de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio
Bolsonaro (PSL-RJ), completou nesta semana um total de 16 meses sem uma
conclusão. Policial militar aposentado, Queiroz era uma espécie de chefe
de gabinete do filho do presidente Jair Bolsonaro na Assembleia
Legislativa do Rio, e o relatório do Coaf (Conselho de Controle de
Atividades Financeiras) que o menciona junto com outras dezenas de
assessores de políticos chegou no dia 3 de janeiro ao Ministério Público
do estado.Inicialmente, tinha havido a produção de uma série de relatórios, e a investigação formal foi instaurada em 30 de julho do ano passado. Ela tramitou até janeiro no gabinete do procurador-geral de Justiça, Eduardo Gussem, em razão do foro especial a que Flávio tinha direito como deputado estadual.
PRIMEIRA INSTÂNCIA – O caso depois foi remetido à primeira instância da investigação porque, ao ser eleito senador, ele perdeu o foro em casos que envolvem seu mandato anterior na Assembleia Legislativa, isso baseado em uma decisão tomada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
A Folha mostrou em fevereiro que a apuração sobre o caso Queiroz perdeu velocidade durante a campanha eleitoral. O procurador-geral de Justiça afirmou à época que um dos motivos para isso foi a preparação de operações que prenderam prefeitos e vereadores em cidades do Rio de Janeiro.
A investigação atualmente é tocada pela Promotoria de Justiça, com apoio no âmbito criminal do Gaecc (Grupo de Atuação Especializada em Combate à Corrupção). Há também investigação na área cível para analisar eventual improbidade administrativa.
EM SIGILO – A investigação está sob sigilo, motivo pelo qual não é possível saber o estágio em que se encontra nem que medidas foram tomadas até agora. Em fevereiro, Queiroz admitiu que recebia parte dos valores dos salários dos colegas de gabinete. Ele disse que usava esse dinheiro para remunerar assessores informais de Flávio, sem o conhecimento do deputado e filho do presidente da República.
Como começou a investigação? A apuração que atingiu Flávio Bolsonaro tem origem em etapa da Lava Jato do Rio que tinha deputados da Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) como alvo. Em 2017, três deles, incluindo o então presidente da Casa, Jorge Picciani, do MDB, foram presos. Há outros 22 procedimentos criminais e cíveis abertos envolvendo outros políticos e seus assessores, como o presidente da Assembleia, André Ceciliano (PT).
Um relatório do Coaf feito no âmbito dessa investigação mencionava movimentações financeiras atípicas dos assessores dos deputados estaduais, incluindo Fabrício Queiroz, que até outubro foi funcionário comissionado de Flávio na Alerj.
INVESTIGAÇÕES – Em 2018, o Ministério Público do estado recebeu dados dessa operação e, em novo desdobramento, abriu investigações criminais para apurar essas suspeitas.
O que é o Coaf? O Conselho de Controle de Atividades Financeiras é um órgão de inteligência que atua contra a lavagem de dinheiro e, mais recentemente, o financiamento ao terrorismo. No novo governo, migrou do antigo Ministério da Fazenda para o Ministério da Justiça.
O que é movimentação financeira atípica? As instituições financeiras são obrigadas a informar ao órgão todas as operações consideradas suspeitas, como repasses ou saques fracionados.
CRITÉRIOS – Há dezenas de critérios para que uma movimentação seja enquadrada nesse perfil, como transações de quantias significativas por meio de conta até então pouco movimentada ou mudança repentina e injustificada na forma de movimentação de recursos.
Movimentação atípica, porém, só se torna crime se a origem do dinheiro for ilícita. Segundo o Coaf, Fabrício Queiroz, que era policial militar e uma espécie de chefe de gabinete informal do filho de Bolsonaro, movimentou R$ 1,2 milhão de janeiro de 2016 a janeiro de 2017 —entraram em sua conta R$ 605 mil e saíram cerca de R$ 600 mil.
Além do valor, considerado incompatível com o patrimônio de Queiroz, chamaram a atenção dos investigadores o volume de saques (que chegaram a cinco em um mesmo dia) e o fato de ele ter recebido repasses de oito funcionários do gabinete de Flávio. Queiroz se apresentava como motorista do gabinete.
MOVIMENTAÇÃO – Quais eram as origens e o destino dos valores? Chegaram à conta de Queiroz R$ 216 mil por meio de depósitos em dinheiro e R$ 160 mil em transferências vindas, em boa parte, de funcionários da Assembleia.
Nathalia Queiroz, filha do policial militar e ex-assessora de Flávio na Assembleia e de Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, depositou R$ 84 mil. O destino dos valores sacados também chamou a atenção do Coaf. Quase metade do valor, R$ 324 mil, foi sacada de uma agência que fica na Assembleia do Rio.
O que Queiroz fala sobre a movimentação? Em entrevista ao SBT, em dezembro, Queiroz atribuiu a movimentação a negócios particulares, como a compra e venda de automóveis.
OUTRA VERSÃO – Em fevereiro, o ex-assessor adicionou outra explicação em petição ao Ministério Público. Afirmou que recolheu parte dos salários de funcionários do chefe para distribuir a outras pessoas para que trabalhassem pelo então deputado estadual, ainda que não formalmente empregadas.
O objetivo, segundo ele, era aumentar o número de assessores a fim de aproximar Flávio de sua base eleitoral. Na petição entregue à Promotoria, ele diz que o então deputado não tinha conhecimento da prática. Até o momento, contudo, Queiroz não informou quem eram os assessores informais do senador.
Qual o elo da movimentação financeira com o presidente Jair Bolsonaro? Entre as transações de Queiroz, está um cheque de R$ 24 mil para Michelle Bolsonaro, a atual primeira-dama.
EMPRÉSTIMO – Em entrevistas após a divulgação do caso, Jair Bolsonaro disse que a primeira-dama recebeu o cheque porque o ex-assessor estava pagando parte de uma dívida de R$ 40 mil que tinha com ele.
Essa dívida não foi declarada no Imposto de Renda. O presidente afirmou ainda que os recursos foram para a conta de Michelle porque ele não tem “tempo de sair”.
Qual foi a movimentação total nas contas de Queiroz? O relatório do Coaf que deu início ao caso abordava apenas um período de 2016 a 2017. Reportagem do jornal O Globo, porém, afirma que, além dos R$ 1,2 milhão inicialmente revelados, passaram por sua conta corrente mais R$ 5,8 milhões nos dois exercícios anteriores, totalizando R$ 7 milhões.
SEM RESPOSTA – Por que motivo Jair Bolsonaro emprestou dinheiro a alguém que costumava movimentar centenas de milhares de reais? De que forma foi feito esse empréstimo pelo presidente e onde está o comprovante da transação?
Onde estão os comprovantes da venda e compra de carros alegadas por Queiroz? Por que Queiroz ainda não entregou às autoridades a lista das pessoas que recebiam como assessores informais de Flávio?
Se Flávio possui apenas uma empresa, que foi aberta em seu nome em 2015, como ele obteve R$ 4,2 milhões para comprar dois imóveis de 2012 a 2014? Por que Flávio fracionou o dinheiro da venda do imóvel, se poderia ter depositado de uma só vez?
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