Novas punições econômicas revelam o que todo mundo já sabia: o chanceler Sergei Lavrov tem uma família paralela com sinais exteriores de riqueza. Vilma Gryzinski:
Sergei
Lavrov já foi considerado “o melhor ministro das Relações Exteriores do
mundo”, quando o antiamericanismo que move o pró-russismo ainda passava
impune.
Ele
é realmente um eficiente e agressivo cão de guarda de Vladimir Putin,
tendo desenvolvido um padrão de discurso, em inglês fluente, que espelha
habilmente os argumentos dos interlocutores ocidentais – um estilo
imitado depois pela China ao formatar seus diplomatas no modo “lobo
guerreiro”.
Os
bons tempos em que desfilava de jatinho pelas capitais do Primeiro
Mundo, levando junto a amante, Svetlana Poliakova – foram mais de 60
viagens a vinte países, segundo o levantamento da turma do oposicionista
Alexei Navalny -, acabaram.
Lavrov
já estava na lista de sanções dos Estados Unidos, Reino Unido, União
Europeia, Suíça, Canadá e Austrália. Agora, o governo britânico aumentou
a pressão e colocou na lista de sancionados sua “enteada” – na verdade,
a filha da amante -, a linda e loira Polina Poliakova.
Quando
fez 21 anos, Polina ganhou de presente um apartamento de 4,4 milhões de
libras em Londres. Detalhe: pago em dinheiro vivo.
“Polina
deveria fazer suas malas Louis Vuitton, dizer adeus ao estilo de vida
britânico e deixar o Reino Unido. Caso não consiga explicar de onde
saíram os 4,4 milhões de libras, sua propriedade deveria ser
confiscada”, pediu há duas semanas Maria Pevchikh, diretora de
investigações da Fundação Anticorrupção.
O
fato de que seu criador, Navalny, esteja preso – tendo recebido esta
semana outra condenação, a nove anos -, é apenas uma ironia tipicamente
russa.
Da
cadeia, para onde foi sabendo exatamente qual seria seu destino ao
voltar à Rússia depois de se recuperar na Alemanha da tentativa de
envenenamento com Novichok, assistiu o lançamento do relatório “Iates,
subornos e uma amante: o que o ministro Lavrov está escondendo”.
O
relacionamento de Lavrov com Svetlana, que convenientemente tem um
emprego no Ministérios das Relações Exteriores – algum brasileiro fica
surpreendido? – já era amplamente conhecido.
Sergei
Lavrov, originalmente Kalantaryan, o sobrenome armênio de seu pai, não é
um formulador de políticas – Putin, obviamente, não dá espaço a ninguém
-, mas um defensor quase brutal delas. Já foi chamado de “cretino” por
Hillary Clinton, que tentou, quando foi secretária de Estado, baseada em
princípios equivocados, “reiniciar” as relações dos Estados Unidos com a
Rússia.
Outra
filha da elite, Elizaveta Peskova, entrou na lista de sanções dos
Estados Unidos. Seu pai é outro da lista de inamovíveis de Putin, o
porta-voz Dmitri Peskov, que tem sinais exteriores de riqueza –
inclusive relógio de 600 mil dólares e mansão de 7 milhões –
completamente incompatíveis com o cargo.
Detalhe: assim que começou a invasão da Ucrânia, Liza Peskova postou um “não à guerra” no Instagram – rapidamente tirado do ar.
As sanções contra indivíduos funcionam?
Embora
tenham um grande efeito simbólico, elas também impactam na vida real.
Muitos milionários russos estão se deslocando para Dubai ou para a
Turquia. Mas perder o acesso à vida de luxo incomparável nas grandes
capitais europeias e nos Estados Unidos, dói, sim. Ter o dinheiro
bloqueado também não é nada agradável.
Num
de seus mais sinistros discursos, Putin ameaçou os que “ganham dinheiro
aqui, mas vivem lá” e avisou que os russos “cuspiriam como um mosquito
que entra por acaso na boca” os culpados de traição.
Foi
certamente um sinal de que estavam chegando a ele sinais de
insatisfação de empresários russos afetados pelas sanções a seus
negócios ou a eles pessoalmente – incluindo iates, jatinhos, mansões no
sul da França ou no Lago de Como e apartamentos em Londres ou Mônaco.
A
nova lista de sancionados pelos Estados Unidos exclui o mais conhecido
dos oligarcas russos, Roman Abramovich, o dono do Chelsea. Foi um pedido
expresso do ucraniano Volodimir Zelenski, em nome de uma não revelada
mediação entre Ucrânia e Rússia.
A
influência de Abramovich já havia causado desconforto em Israel quando o
rabino-chefe e o diretor do Museu do Holocausto pediram ao embaixador
americano que ele não fosse incluído na lista de sancionados. Verbas
generosas para causas judaicas também parecem ter azeitado o
reconhecimento de Abramovich como descendente de judeus sefarditas
portugueses, contra todas as evidências. Com isso, ele conseguiu a
nacionalidade portuguesa ofertada aos que provassem raízes familiares
remontando à época da expulsão dos judeus da península ibérica.
Só de apartamentos num complexo com vista para o estádio do Chelsea Abramovich tem 42, incluindo uma cobertura triplex.
O
apartamento da “enteada” de Lavrov – que continua casado com a esposa
original e tem uma filha mais ou menos da idade de Polina – até parece
modesto, em comparação.
Mas desde quando ministros sem negócios próprios têm o equivalente a 28 milhões de reais para dar um teto à filha da amante?
A
corrupção na Rússia é de proporções continentais e com ela Putin
conseguiu criar círculos de aliados aparentemente inquebrantáveis.
Se
ele afundar, vai todo mundo junto? A pergunta certamente ronda a mente
até dos mais fieis, conformados no momento com um fato da vida: vão-se
os iates, mas ficam os dedos.
E até onde a vista alcança, politicamente, os iates não vão voltar tão cedo.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário