Black blocs podem encantar os ativistas de sofá, os Antifas das redes
sociais e a juventude dos bairros nobres das grandes capitais, mas para o
povão são apenas arruaceiros: gente mascarada que quebra, depreda e
destrói tudo que vê pela frente. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:
A História recente mostra que apostar no vandalismo não é um bom
negócio para a esquerda. Mas, pela evolução dos acontecimentos, parece
que a memória é curta: no último domingo, voltaram ao noticiário cenas
de destruição e violência nas manifestações convocadas pela oposição:
agências bancárias depredadas, vitrines quebradas, barricadas
improvisadas com pneus queimados, paus e pedras atirados contra a
polícia.
O roteiro era previsível: mal escureceu, começou a barbárie na
capital paulista. O mesmo já tinha acontecido em Curitiba, na semana
anterior, quando bandeiras do Brasil foram queimadas. Ainda que esses
protestos tenham sido modestos em número de participantes, tudo indica
que estão ensaiando uma reprise das manifestações que colocaram o país
de pernas pro ar, em junho de 2013.
A primeira pergunta é: quem saiu perdendo com as chamadas “jornadas de junho”?
Para responder, é preciso voltar um pouco no tempo. Em maio de 2013, a
então presidente Dilma Rousseff não tinha do que reclamar. Os
indicadores econômicos eram razoáveis. Se o crescimento era modesto, o
baixo desemprego e políticas como a valorização real do salário mínimo
garantiam uma popularidade elevada: uma pesquisa do Ibope divulgada em
março daquele ano dava ao governo 63% de aprovação.
Atenção! Pode-se argumentar que aquela era uma situação artificial, e
que as crises econômica e política já estavam contratadas, o que é
verdade. Mas o fato é que, naquele momento, o governo voava em céu de
brigadeiro.
Em 2013, ainda não existia operação Lava-Jato, e ninguém sequer
cogitava que Lula acabaria preso. Naquele contexto, a cúpula do PT
acalentava um sonho: chegar ao final de 2014 com Dilma reeleita, Haddad
(já eleito em 2012) prefeito e um petista governando o estado de São
Paulo. Ocupando ao mesmo tempo a prefeitura da maior cidade do país, o
governo do maior estado do país e a presidência da República (a tríplice
coroa), o PT estaria pronto para levar adiante seu projeto de
perpetuação no poder – preparando o terreno, quem sabe, para a volta de
Lula em 2018.
Foi aí que alguém no campo governista teve uma ideia brilhante. Para
conquistar a tríplice coroa, era preciso desestabilizar o governo tucano
de São Paulo e assim garantir a conquista do estado, na eleição de
2014. Começaram então os protestos, com o apoio velado (ou não tão
velado) do campo da chamada esquerda. Invariavelmente, acabavam em
pancadaria, mas os únicos responsabilizados por estragar as “festas da
democracia” eram o governador e a polícia.
Nem é preciso fazer um grande esforço de memória para lembrar que, em
sua primeira fase, as manifestações tinham um claro viés pró-petista.
De forma quase escandalosa, e com apoio da mídia, centravam fogo em
Alckmin e poupavam Haddad (que também tinha majorado a tarifa dos
transportes públicos). E logo ficou claro que os protestos, cada vez
mais violentos, não eram mesmo pelos 20 centavos, tanto que eles
continuaram depois da revogação do reajuste.
O roteiro estava sendo encenado conforme o previsto, graças em parte à
inépcia da PM paulista em lidar com a situação. Mas ocorreu algo
inesperado: as ruas saíram do controle, e o plano se voltou contra os
seus criadores. Os protestos passaram a dar vazão a uma insatisfação
represada inimaginável com o governo Dilma, jogando por terra a imagem
do país cor de rosa que se vendia para a população.
Não é mera coincidência que o símbolo dos Antifas seja tão parecido com o símbolo dos black blocs
A partir daquele momento, a popularidade da “presidenta” só fez
despencar: em dezembro de 2013 uma nova pesquisa registrava que apenas
20% dos brasileiros consideravam seu governo ótimo ou bom; para 43%, era
ruim ou péssimo. Sim, Dilma acabou sendo reeleita, mas foi uma vitória
de Pirro: incapaz de cumprir as promessas de campanha e com a economia
do país destroçada, seu segundo mandato durou menos de dois anos, aliás
sufocado por imensas manifestações de rua, estas sim pacíficas, em 2016,
sem que se quebrasse uma vitrine sequer. Não parece absurdo afirmar que
o inferno astral de Dilma começou quando os black blocs entraram em
cena, nas jornadas de junho.
A segunda pergunta é: se os protestos contra Bolsonaro ficarem
associados ao vandalismo, quem sairá ganhando? Porque, não se iluda, o
alvo é um só: todas as outras bandeiras alardeadas – defesa da
democracia, antifascismo, apoio a minorias etc – são mero pretexto para
angariar o apoio de inocentes úteis; o único objetivo é derrubar o
presidente, e para isso todos os meios são válidos. Não é mera
coincidência que o símbolo dos Antifas seja tão parecido com o símbolo
dos black blocs, como mostra a ilustração deste artigo.
A resposta é óbvia: o maior beneficiado será Bolsonaro. Pode ser
difícil para a oposição entender isso, mas a imensa maioria da população
brasileira quer segurança, paz e ordem. As classes populares que
elegeram Bolsonaro – ou alguém acredita que ele foi eleito pelas elites?
– rejeitam o caos, e não é difícil entender por quê.
Ao contrário dos jovens de classe média que adoram brincar de
revolução e depois voltar para o conforto de um lar burguês, os
trabalhadores sabem que, se depredarem um ônibus, não terão transporte
no dia seguinte; se destruírem uma agência bancária, não terão como
sacar dinheiro; se saquearem um supermercado, não terão onde comprar
comida. Black blocs podem encantar os ativistas de sofá, os Antifas das
redes sociais e a juventude dos bairros nobres das grandes capitais, mas
para o povão são apenas arruaceiros: gente mascarada que quebra,
depreda e destrói tudo que vê pela frente.
Chega a ser surpreendente que não tenham aprendido a lição. Assistir
ao noticiário no domingo passado foi como fazer uma desagradável viagem
no tempo: não eram só as imagens de quebra-quebra que pareciam as mesmas
de 2013, mas também as falas dos jornalistas, insistentemente
repetidas, eram idênticas. Enquanto se mostravam ruas destruídas,
caçambas de lixo queimadas e trincheiras improvisadas, os comentaristas
repetiam a cada dois minutos que as manifestações tinham sido pacíficas.
Já as referências aos policiais que tentavam proteger o patrimônio
público e privado da sanha destruidora de manifestantes eram sempre
ambíguas, quase insinuando que qualquer ação das forças de segurança
pública para conter o vandalismo, como lançar bombas de efeito moral,
seria sinônimo de repressão fascista. Na verdade, não há motivo para
surpresa; para os intelectuais, os artistas e a mídia, os vândalos serão
sempre os defensores da democracia, e a polícia será sempre a vilã.
Na cobertura dos protestos de 2013, quando o grau de vandalismo se
tornava indefensável – até chegar ao clímax trágico de um cinegrafista
assassinado em serviço, atingido por um rojão – a mídia não dava o braço
a torcer: os vândalos, vejam só, não eram manifestantes! Os protestos
eram pacíficos, o quebra-quebra era sempre culpa de um pequeno grupo que
apareceu ali por acaso. Por que grupos assim não apareceram nas
manifestações - repito, estas sim pacíficas - de 2016?
Nunca entendi qual o sentido de classificar como "pacíficos" os
protestos de 2013, que acabavam invariavelmente em um cenário de filme
de terror. Mas não é que até esse argumento voltaram a usar? Segundo
parte da mídia, convoca-se uma manifestação, com hora marcada para o
quebra-quebra começar, mas o vandalismo não tem nada a ver com os
manifestantes! Isso equivale a pouco menos que chamar o espectador de
burro.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
A terceira e última pergunta é: ora, se essa mesma estratégia
fracassou miseravelmente em 2013, o que leva alguém a acreditar que o
resultado agora será diferente? Causas têm consequências, e geralmente
elas se repetem. Nós já vimos esse filme, e ele não terminou bem para a
esquerda.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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